06 novembro 2011

Renap noticia o fim do maior grilo existente no mundo.

A grilagem recorde

( Colaboração da Rede Nacional dos Advogados Populares )

A maior propriedade rural do mundo deixou de existir legalmente na> semana passada. O juiz Hugo Gama Filho, da 9ª vara da justiça federal> de Belém, mandou cancelar o registro imobiliário da Fazenda Curuá, que> consta dos assentamentos do cartório de Altamira, no Pará. O imóvel> foi inscrito nos livros de propriedade como tendo nada menos do que> 4,7 milhões de hectares.> Seu suposto proprietário podia se considerar dono da 23ª maior unidade> federativa do Brasil, com tamanho superior ao dos Estados do Rio de> Janeiro, Alagoas, Sergipe e do Distrito Federal. Suas pretensões> poderiam ainda exceder essas dimensões. Através de outros imóveis,> pretendia alcançar uma área de 7 milhões de hectares, duas vezes e> meia o tamanho da Bélgica, país onde vivem mais de 10 milhões de> habitantes.> Como uma pessoa – física ou jurídica – consegue se apresentar como> detentor de uma área dessas proporções e se manter nessa condição por> tanto tempo, como aconteceu no caso da Fazenda Curuá?> Responder a esta pergunta de maneira satisfatória e eficaz pode> contribuir para fortalecer o primado da lei nos “grotões” do país, as> distantes e geralmente abandonadas fronteiras nacionais. De forma> inversa, manter tal anomalia significa perpetuar o domínio da> violência e do respeito às regras da vida coletiva e ao superior> interesse público.> Em primeiro lugar porque o Estatuto da Terra, editado pelo primeiro> governo militar pós-1964, o do marechal Castelo Branco, continua em> vigor. Esse código agrário sobreviveu à Constituição de 1988 e se> revelou superior em confronto com as regras da Carta Magna. O> estatuto, com seu propósito de modernizar o campo brasileiro (mesmo> que de forma autoritária, à semelhança do que fez o general MacArthur> com o Japão ainda semi-feudal, derrotado pelos americanos na Segunda> Guerra Mundial), proíbe a constituição de propriedade rural com área> acima de 72 mil hectares (ou 600 vezes o maior módulo rural, o> destinado ao reflorestamento, com 120 hectares).> A Fazenda Curuá foi registrada com quase 60 vezes o limite legal. Por> que o cartorário legalizou a matrícula do imóvel com sua fé pública,> ele que é serventuário de justiça, sujeito à polêmica (e questionada> pelo Conselho Nacional de Justiça da ministra Eliana Calmon)> Corregedoria de Justiça do Estado?> A apropriação ilegal de terras públicas, fenômeno a que se dá a> qualificação de grilagem, é simples, embora de aparência complexa para> o não iniciado nos seus meandros. Ainda mais porque lendas são criadas> em torno da artimanha dos espertos e passam a ser apresentadas como> verdade.> Muita gente acredita que a expressão grilagem se deve à prática dos> fraudadores de colocar papéis para envelhecer artificialmente em> gavetas com grilos.> A verdade é menos engenhosa. A origem é romana e diz respeito ao fato> de que a terra usurpada serve para a especulação imobiliária e a> formação de latifúndios improdutivos. Tanta terra não cultivada acaba> servindo de pasto para grilos. Uma maneira de estigmatizar o roubo de> terras públicas de forma popularizada.> O espantoso, no caso da Fazenda Curuá, é que o golpe tenha se mantido> por tantos anos. A ação de cancelamento foi proposta em 1996 pelo> Instituto de Terras do Pará. Apesar de ter provado que nenhum título> de propriedade havia na origem do imóvel, a justiça estadual manteve o> registro incólume, decidindo sempre contra o órgão público. Até que o> Ministério Público Federal e outros órgãos da União conseguiram> desaforar o processo para a justiça federal, que, afinal, reconheceu a> ilegalidade da propriedade e cancelou o registro.> Essa tramitação acidentada e pedregosa seria evitado se a justiça do> Pará tivesse realmente examinado as provas dos autos. Neles está> demonstrado que o uso das terras no rico vale do Xingu, onde está> sendo construída a hidrelétrica de Belo Monte e agem com sofreguidão> madeireiros e fazendeiros, começou em 1924.> Moradores da região foram autorizados a explorar seringueiras e> castanheiras localizadas em terras públicas, através de concessões com> tempo determinado de vigência e para fim específico. Exaurida a> atividade extrativa vegetal, a área deixou de ter uso, mas algumas> pessoas decidiram inscrevê-la em seu nome. Como os cartórios não se> preocupavam com o rigor da iniciativa, até mesmo dívidas em jogo deram> causa à transmissão da inexistente propriedade de um detentor para> outro, formando cadeias sucessórias.> A lesão ao patrimônio público por causa dessas práticas ilícitas> permaneceu latente até que uma das maiores empreiteiras do país> colocou os olhos nesse mundo de águas, florestas, solos e animais. A> C. R. Almeida, criada no Paraná por um polêmico engenheiro, Cecílio do> Rego Almeida, que nasceu no próprio Pará, comprou uma firma de> Altamira por preço vil (sem sequer pagá-lo por inteiro).> No ativo da firma estavam as terras cobiçadas. Não conseguindo> regularizá-las pela via legal, por ser impossível, o empreiteiro> decidiu se apossar da área à base do fato consumado e passando por> cima de quem se colocasse no seu caminho. Montou uma pequena base no> local, contratou seguranças, seduziu os índios vizinhos e fez uso da> máquina pública que se amoldou à sua vontade. Os que resistiram à> grilagem foram levados às barras dos tribunais, que sempre decidiram> em favor do grileiro.> Os magistrados da justiça estadual não se sensibilizaram sequer pela> publicação do Livro Branco da Grilagem, editado pelo Ministério da> Reforma e do Desenvolvimento Agrário, que não deixava dúvida sobre a> fraude praticada. Nem pelos resultados das comissões parlamentares de> inquérito instauradas em Belém e em Brasília. Ou pelas seguidas> manifestações de todas as instâncias do poder público, estadual e> federal. Enquanto exerceu sua jurisdição sobre o caso, a justiça do> Pará ficou ao lado do grileiro e de seus herdeiros, quando ele morreu,> em 2008.> Foi preciso que o processo chegasse à justiça federal para,> finalmente, 15 anos depois da propositura da ação pelo Iterpa,> secundado por outros agentes públicos, a situação se invertesse. Não é> ainda uma decisão definitiva.
Os herdeiros da C. R. Almeida deverão> recorrer. Mas já sem o registro cartorial que lhes permitia manipular> terras como se fossem os donos do 22º maior Estado brasileiro.> Quem sabe, a partir de agora, a intensa grilagem, um dos males que> assola a Amazônia, não possa refluir?>

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