25 maio 2014

Síntese de um povo e de uma cidade.( memória nº 89 )


Memória nº 89
O rato.
 
( visão parcial da Praia dos Paulas )
 
Estavam entrando na cidade. Avenida Nereu Ramos próximo ao córrego Olaria. Uma criança que mal sabe andar sai de casa, meio cambaleando, tropeçando e nos seus aparentes dois ou três anos de idade, talvez menos, adentra-se à movimenta avenida, naquela manhã de sol, enquanto duas senhoras, distraídas, permanecem conversando próximos ao muro da mesma casa da qual saíra a criança, sem se darem conta do cenário sinistro que pode se transformar em tragédia.

Lourenço estanca o carro, acende os faróis e dá sinal com as mãos para os carros que vinham atrás e revela a situação de perigo para que os que seguem em sua direção parem também. A criança, cercada de anjos da guarda, continua engatinhando pela avenida e a despeito das buzinadas e barulhos de todos, que assustados presenciam a cena, as mulheres que conversam na calçada não percebem a situação.

Desespero geral. Segundos intermináveis que incomodam a todos que presenciam a conversa das mulheres que não sabem o que está acontecendo à própria volta... Até que Lourenço, impaciente dá um berro e uma das senhoras, voa em cima da criança que está próximo ao eixo da avenida.

 

(...)

 

Esta cena real, rápida e lamentável se deu em São Francisco do Sul, por volta de Julho de 1993. Lourenço ainda residia em Gurupi e estava na cidade  negociando casa para comprar e mudar-se para a cidade.
 
 
 
 
 
 
 
( visão do centro da cidade em dia de chuva )


Parece que o cenário já mostrava o quanto teria de dificuldades e problemas pela frente residindo naquela ilha, cuja plástica natural é muito bonita, porém há uma cultura de abandono e imperfeições que tornam a arquitetura divina caprichada, acanhada e menor, talvez até por vergonha do povo e principalmente de seus administradores.

Para se aquilatar a incompetência das autoridades locais, a cidade é atravessada pela concessionária de transporte ferroviário. A ALL,  América Latina Logística, tem seu ponto final no porto de São Francisco do Sul, e assim, os trilhos da ferrovia cortam toda a cidade, desde a periferia, até o centro histórico e por duas vezes, em trechos distintos, a rodovia federal que dá acesso à cidade.

Há um bairro todo, que fica à mercê da boa vontade das composições que, ao transitarem pela cidade, fecham o único acesso, de forma que ninguém entra ou sai, inclusive permanecendo em certas ocasiões por lá estacionadas, bloqueando o transito de veículos por horas.




 
( indústrias que colocam em risco a população )

 

E ninguém reclama. A passividade do povo é trágica. E com isso, os moradores da Praia do Marquinhos, nome do lugar,  com frequência ficam isolados, proibidos de ingressar ou sair, face as composições da ALL permanecerem paradas na única via que dá acesso ao bairro.

A mesma estrada de ferro faz com que as composições, aliás, muito comprida e sempre com cargas pesadas destinadas à exportação, atrapalhem o transito de veículos impedindo o fluxo normal em diversos pontos da cidade. Não respeitam a legislação vigente, atrapalhando toda a mobilidade de veículos e todos se calam.

Certa vez, Lourenço denunciou o fato à Policia Ferroviária Federal, com sede em Brasília. Alguns meses depois um general, dito o chefe da polícia, apareceu na cidade e autuou a empresa.

O gesto de Lourenço se quer serviu de exemplo aos vereadores, prefeito, ministério público ou até ao pároco... Não serviu para nada, pois a ALL não deu bola. Pagou a multa e continuou desrespeitando as normas federais que regulam o tráfego urbano nas ferrovias. E ninguém reclamou...
 
 
 
( visão da região portuária )

Noutra ocasião Lourenço junto com outros interessados resolveu montar um partido político que, na cidade tinha há anos apenas uma comissão provisória, nas mãos de cinco pessoas que seguravam a legenda para tirar proveito pessoal, quer do próprio partido, quer de outros com os quais se alinhavam.

Situação vergonhosa e própria de pessoas desqualificadas.

Com a ajuda de um deputado estadual de Joinville, a cidade próxima que tem grande influencia em São Francisco do Sul, conseguiu marcar a convenção e fundou o partido, incluindo entre os filiados os cinco membros do diretório provisório que mantinham a legenda inerte há anos.

Lourenço ficou afastado da direção, mas estava à testa do partido que começou a promover denuncias e revelar escândalos e crimes praticados pelas autoridades municipais.

Um certo dia, um dos ex titulares da comissão provisória, numa reunião do partido, pediu a palavra e disse que estava saindo do partido para filiar-se à sigla que administrava à cidade.

- Voces vão pensar que eu não sou um homem. Que eu sou um rato. Pois saibam, eu sou um rato.

Assim que apresentou a carta de desfiliação, Lourenço pediu a palavra e solicitou ao secretário que fizesse constar que o próprio ex integrante do partido se considerava um rato.

- Registra que por se considerar um rato ele espontaneamente pediu sua desfiliação.

Os presentes de imediato em gargalhadas e sussurros misturado a vaias, também bateram palmas. Desmoralizado, rapidamente foi saindo da sala para nunca mais voltar.

 

(...)

 

São Francisco do Sul uma cidade situada na ilha que leva o nome do Santo Francisco, considerada por historiadores uma das dez mais antigas cidades do país, tem o povo vocacionado à pesca, principalmente pesca artesanal. As propriedades naturais também levam a ser propicia a exploração turística.

No entanto, seus políticos e administradores ludibriando a todos, fez implantar industrias poluidoras, pesadas e que de alta especialização, exige operários capacitados que não são encontrados no município. O povo não tem bossa para ser operário de usina ou de fábrica de insumos químicos e correlatas.









( Centro Histórico )
 
 
 
 
( Pesca da Tainha )
 

Hoje a cidade explora o turismo de proletários, é suja, e mantém a sua população cada vez mais pobre, dominada por menos de dez famílias de milionários que exploram a boa fé e a passividade dos ilhéus. Exploram o porto e os francisquenses.

Enfim, vale registrar que a cidade tem o terceiro maior produto interno bruto do sul do país, ficando apenas atrás de Curitiba e Porto Alegre. Mas a população é pobre, muito pobre, inclusive de espírito.

 

Roberto J. Pugliese
www.pugliesegomes.com.br
presidente da Comissão de Direito Notarial e Registros Públicos da OAB-Sc
Consultor da Comissão de Direito Notarial e Registral da OAB

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