02 junho 2014

Manifestações populares. ( memórias nº 90 )

memória nº 90
Faltou coragem.

 

Confusão na cidade. A Câmara Municipal de São Francisco do Sul irá votar projeto no qual ficará claro o lado que cada um dos edis está se posicionando. Situação ou oposição.
 
 

 
( Câmara dos Vereadores de São Francisco do Sul )
 
 O projeto é de grande interesse para a comunidade local. Pode prejudicar a qualidade de vida dos munícipes e trazer vantagens para empresas que pretendem se instalar no município. Trata-se de discussão complexa e interessante. A cidade está se movimento contra ou a favor.

 

O presidente da Câmara anuncia que irá instalar um telão na fachada do prédio para que os populares que não consigam entrar no recinto próprio possam saber quem é quem. Um telão para que a população acompanhe a votação.

 

A cidade está dividida.

 

À noite Lourenço vai até a Camara mas não consegue ingressar. Fica nas redondezas. Muita gente apreciando o movimento e aguardando a sessão ter inicio.

 

Na parede do prédio, no alto, um telão que irá tornar público o voto e as manifestações dos vereadores.

 

A situação é nervosa. Claramente nervosa. Gente exaltada se manifestam na rua, ora querendo entrar, ora contra, ora à favor. A Policia Militar está nas imediações.
 

(...)

 

O tempo passa a sessão não se inicia.

 

Um oficial de justiça chega e pede para ingressar no recinto.

 

Multidão também quer ingressar. No entanto, os lugares já estão tomados e ninguém mais entra. Nem tem senha para o povo.

 

O Oficial de Justiça insiste.


O presidente da Camara dos Vereadores fica ciente que será citado em ação cautelar e intimado de liminar concedida pelo Magistrado que determina seja suspenso o telão.

 

O presidente se desespera. O prefeito tem interesse na aprovação do projeto. O presidente seu adversário não.

 


 
( Vista parcial de São Francisco do Sul )
 

 O advogado da Camara não sabe como proceder e sugere o nome de Lourenço para orientar. Resolver. Dar a solução... O presidente concorda. Mesmo sendo adversário político, sabe que Lourenço também é adversário do Prefeito e poderá ajudá-lo a solucionar e evitar que a liminar seja comprida.

 

A porta se abre.

 

O procurador da Camara dos Vereadores procura por Lourenço na multidão.

 

- Dr. Lourenço, o presidente gostaria de falar contigo. Você pode ingressar e atende-lo?

 

(...)

 

O plenário está vazio, porém o  auditório, a plateia e a galeria superlotadas de cidadãos de todas as facções políticas partidárias de São Francisco do Sul.

 

Minutos depois está numa sala reservada aguardando que o presidente apareça e apresente suas intenções.

 

- Pois é dr. Lourenço, o oficial está na porta, lá fora, querendo entrar para me citar, me intimar... Proibindo a exibição do telão. Eu quero exibir a sessão para todos... O que eu faço?

 

Lourenço escuta com atenção e de forma bem clara, objetiva e simples preleciona.

 

-  Presidente você é o chefe do Poder Legislativo Municipal. Aqui nesse recinto você manda. Entre e sai quem você quiser. Você detém o poder de polícia... ( patati patata... bla, blá, bla )... ...

 

O presidente e o assessor jurídico escutam a fala esclarecedora.

 

-... Portanto, basta você dar inicio à sessão e ignorar a presença do oficial. Quando tudo terminar, aí você o deixa entrar, peça desculpas, em razão da confusão... De uma desculpa qualquer.

 

( ... )

 

Lourenço esclarece com detalhes. E assevera.

 

- Não precisa temer. Você manda. Você é o Poder Legislativo e manda nesse prédio. Inclusive o Judiciário, o Executivo, o Juiz tem que te respeitar. Se faça respeitar. Se imponha.

 

Lourenço pensa: precisa ter coragem e agir. Mas não irá agir. Não tem peito. Vai se curvar.

 

E como previsto, o presidente não enfrenta, abre a porta, é citado da ação e intimado da liminar.

 

O  telão é recolhido. O povo vaia.

 

Essa história, como outras,  revelam bem a personalidade do povo da ilha.

 

Noutra ocasião, anos antes, Lourenço era assessor jurídico da Camara Municipal da Estância Balneária de Itanhaém, reconhecidamente a Camara de Vereadores mais antiga do pais.

 

O prefeito municipal não repassava o duodécimo previsto no orçamento para forçar os vereadores se curvarem aos seus desejos...

 

Certa manhã, Dr. Ávila, o  presidente chama Lourenço e explica que está sendo pressionado pelos vereadores e que precisa fazer algo e resolveu notificar, impondo-lhe pena ... Preciso pagar os vereadores insiste o presidente.

 

- Não. Não faça desse modo. Imponha-se. Você é o Poder Legislativo. Você manda e tem que ser respeitado. Notificar por cartório estará requerendo favor e tolerância do Poder Judiciário a quem o cartório é submetido. ( blá blá blá

- Quem requer, está deixando ao arbítrio do titular do poder deferir ou não, prossegue Lourenço, explicando que não deveria ir ao cartório de títulos e documentos notificar.
 

Após algumas ponderações o presidente aceitou as orientações. Foi elaborado pedido de intervenção estadual, representação ao Ministério Público e comunicado o Prefeito que na manhã seguinte seria avisado o Plenário e protocolado os pedidos, caso os valores devidos não fossem depositados em meia hora.

 

( $$$$$ )

 

O dinheiro foi depositado. Nunca mais houve atraso no repasse e o Poder Legislativo Municipal passou a ser respeitado por Edson Baptista de Andrade, o burgo-mestre que andava descalço pela cidade. O prefeito municipal que para ampliar sua gama de eleitores loteou praças públicas do município entregando-as a pessoas desprovidas de recursos... O prefeito municipal que impedia a construção de edifícios em condomínio para não atrapalhar a venda de seus loteamentos na cidade...



 
( Cama de Anchieta - Itanhaém )

Lourenço recorda-se de outra passagem pitoresca que enfrentou na condição de assessor jurídico daquela Casa Legislativa.

 

O prefeito através de decreto municipal impôs a proibição de ônibus de turistas no centro da cidade, desviando-os para a extremidade sul, no bairro onde ali vivia uma grande comunidade que não aceitou a medida.

 

Era férias de verão. A cidade lotada. Um sábado no entardecer. Sessão extraordinária da Camara, à época instalada à avenida Rui Barbosa, de fronte ao parque de diversões, ao lado de um notário, onde o plenário era no térreo e os gabinetes e administração na sobreloja.

 

Começa a chegar munícipes. Gente. Gente. Muita gente vindo do bairro que agora recebia todos os ônibus que chegavam ao município com turistas. Onibus de farofeiros, que não traziam benefícios, apenas sujavam, faziam algazarras, fogueiras, provocavam moradores, criavam transtornos e confusão.

 

Gente revoltada que sentaram na plateia, acomodaram-se em pé e aguardaram a chegada dos vereadores. Muita gente.

 

Meia hora após a designada pela convocação, Dr. Àvila desce para dar inicio aos trabalhos. Pede que Lourenço o acompanhe. Os demais vereadores preferem aguardar um tanto mais. 

 

Ao adentrar no salão começa a vaia. Muita gente gritando e vaindo, jogando toda a insatisfação ao presidente da Câmara, quando na verdade tratava-se de ato da adminstiração e o prefeito é quem deveria ser o objeto dos ataques decorrentes da insatisfação.

 

Lourenço que acompanhava o presidente também foi vaiado. Os vereadores assim que apareciam, atendendo a campainha que era tocada avisando que a sessão iria começar, igualmente vaiados. Ninguém era perdoado.

 

(...)

 

Com paciência e habilidade após duas horas de tumulto, com a presença da Policia Militar para dar segurança a todas as autoridades, os munícipes se retiraram, vaiando, xingando e falando mal de todo mundo.

Anos depois, em Gurupi, Lourenço foi contratado para o cargo de Assessor Legislativo da Câmara de Vereadores local e posteriormente, assessor para elaboração da Lei Orgânica do Município.

 

Roberto J. Pugliese
presidente da Comissão de Direito Notarial e Registros Públicos da OAB-Sc 
Consultor da Comissão Nacional de Direito Notarial e Registros Públicos da OAB.

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