17 abril 2022

FELIZ ANIVERSÁRIO CONCEIÇÃO DE ITANHAEM!



  Itanhaem é tida para alguns pesquisadores como a segunda cidade mais antiga do Brasil. Historiadores dizem que foi fundada por Pedro Namorado, outros discordam e afirmam que foi Martim Afonso de Souza na sua passagem pelo litoral da Capitania de São Vicente. No 22 de Abril a tradicional cidade paulista está em festas: Comemora 490 anos de rica e pitoresca história que revela a epopéia paulista e brasileira.
 
 
bandeira de Conceição de Itanhaém hasteada em Joinville
 
 
Os registros oficiais indicam que a partir de 1625 durante a administração de  Mariana de Souza Guerra, Condessa de Vimieiros, herdeira de Martim Afonso de Souza, Conceição de Itanhaém tornou-se cabeça de Capitania, tendo ampla jurisdição desde Cabo Frio ao norte, estendendo-se pelos sertões do Vale do Paraíba e atingindo a Ilha do Mel, ao sul. Foi o tempo que Sorocaba, Iguape e Paranaguá foram fundadas por sua determinação, assim como erguidas outras vilas, com destaque para Taubaté e Pindamonhangaba, paulatinamente desmembradas da Vila que fora Capital de tão imenso território. 
 
O formoso despraiado à beira da última curva do rio que os bugres chamavam de ita nha y em, ou no vernáculo, pedra que canta, Itanhaem já acolheu personalidades ilustres, ora ditadas pela saúde debilitada que por recomendações médicas lá se instalaram, entre outras Anita Malfatti e seu marido Antonio Volpi ou pelo quadro inspirador de bucólica paisagem, que levou Tarsila do Amaral ou mesmo para abrigar-se das perseguições dos ditadores, como o então Deputado Roge Ferreira e tantos outros. 
 
 
Paulo Bonfim, o  imortal Príncipe dos Poetas, que empresta seu letrado nome à Biblioteca Municipal também tem por lá seu domicílio e no auge da Campanha Civilista Rui Barbosa, desbravou as areias desertas da Praia Grande, alcançando a Vila para expor suas idéias liberais.
 
Pela adocicada e bucólica Vila de Conceição de Itanhaém também marcaram por seus passos pelas praias, rios  e morretes, Hans Staden que por lá esteve durante temporada que se prolongou em vista da acolhida que teve por lá e é sabido que desde a tenra história os  devotos missionários jesuítas Manoel da Nóbrega e José de Anchieta, de lá partiram para desbravarem o sertão e subirem a serra e no então desconhecido  planalto de Piratininga, às margens do Anhembi  erguer a escola dedicada à São Paulo e plantarem a semente da pujante capital. Leonardo Nunes, o Padre Voador também esteve pregando junto à raiz da serra de Itatins. 
 
Foi na Vila erudita e cultural que em 1888, sob a liderança do pintor e historiador Beneticto Calixto de Jesus, o mais ilustre de seus incontáveis e nobres filhos naturais, ilustres personagens criaram a Associação Cultural Gabinete de Leitura, que em poucos anos, já dispunha de acervo de livros, documentos, mapas e promovia espetáculos teatrais, cursos e toda iniciativa voltada para as letras e artes, sendo apontada como a primeira biblioteca erguida no país fora dos limites da Corte. Centro incentivador das artes e ciências que ilumina os destinos da cidade Itanhaém tem desde seus primeiros tempos estreita ligação com a cultura e o saber.
 
Merece registro ainda que em Itanhaém foi eleita e assumiu a primeira prefeita municipal no Brasil, Senhora Bechelli e, a Câmara de Vereadores da histórica municipalidade foi a primeira a ser instalada no Brasil, conforme registros extraídos do Congresso Nacional.
 
 
 
  Bandeira de Itanhaém tremulando em Florianópolis, hasteada solenemente nos jardins da casa do Editor
 
Sem rodeios nesse 22 de Abril a história viva de tão precioso relicário do passado colonial merece ser congratulado efusivamente, aplaudindo o  recanto risonho, como consta nas armas de seu brasão, Angulus Ridet.
 
Particularmente tive o privilégio de chegar à cidade, então uma pequena Vila com menos de cinco mil habitantes espalhados desde a divisa de Ana Dias, até os limites com São Vicente, isolada pela imensidão despovoada da praia Grande e de Peruíbe e os contra-fortes da Serra do Mar, e por lá, a partir do Rancho Santa Fé, na Prainha dos Pescadores tecer artesanalmente dias felizes a partir da primeira infância.
 
Já adulto, por sete anos, envolvido pelo ozônio produzido pela mata atlântica e a flora pitoresca do litoral paulista, bem assim inebriado  pelo adocicado perfume de sua forte maresia, a vida permitiu-me por lá, com meu filho então criança e a jovem mulher,  principiar o longo e tortuoso caminho que o tempo vai revelando, talhando cuidadosamente as primeiras letras  da história que começara a escrever, cujas linhas ainda estão sendo desenhadas, agora menos  firmes e já tremidas pelo esforço de anos que se passaram.
Por oportuno, exponho aos leitores que me brindam com a preciosa atenção que o povo amigo de Itanhaém, honrou a memória de meu pai ao atribuir seu nome ao Caminho Turístico que adentra pelo Morro Sapucaitava à Praia da Saudades, partindo do Porto Novo onde por lá, durante sua vida, sempre que podia, permanecia pensativo  observando a fauna e flora de tão precioso sítio, e talvez hoje noutra dimensão por lá permaneça; e torno, repetidamente, igualmente pública minha gratidão aos cultos e generosos confrades da Academia Itanhaense de Letras que conferiram a gala dela participar como um de seus membros.
Aliás, por oportuno, também merece aplausos a culta Casa de Letras, que ainda esse ano irá completar 25 anos.
Hoje distante, onde cheguei tropeçando nas encruzilhadas dos tantos caminhos que percorri, mantenho laços afetivos e saudosos com a velha Itanhaém de sempre. Inesquecível fonte histórica de tantas glórias que espelham a própria paulistaneiedade desde seu principio.  Não a esqueço, assim como também mantenho acesa a tocha da  lembrança dos seu filhos, naturais e adotados, de quem e privo carinhosas amizades.
E diante disso e daquilo, que nesse apertado texto rabiscado pela emoção, com sentimento e solenemente mantenho hasteada e tremulando a bandeira azul do cavalinho, erguido em mastro posicionado no jardim onde resido, em Joinville, para que todos os passantes possam vê-la e aplaudir, reverenciando a data símbolo dessa projeção de luz e cultura tradicional que irradia.
 
( Romances do Editor )
Parabéns Conceição de Itanhaém! Parabéns pelos 490 anos de história, cultura e exemplos.
 

Roberto J. Pugliese
Foi diretor da 83ª. Subsecção da OAB-SP por 10 anos.
Foi fundador do Lions Clube Itanhaém-Praia.
Membro da Academia Itanhaénse de Letras.
Foi assessor jurídico da Câmara Municipal da Estância Balneária de Itanhaém.
Autor de Quase Romance 
Autor de Caminho das Ostras
MANTÉM ITANHAÉM VIVA NA SEDE DE SUA ALMA !

 

18 março 2022

DANO EXISTENCIAL !

 Funcionário sem férias por 17 anos receberá indenização por dano existencial

O Expresso Vida colheu através da AASP, Associação dos Advogados de São Paulo, notícia que mostra que o Egrédio Superior de Trabalho condenou o empregador a indenizar o funcionário que por 17 anos não recebia suas férias regulamentares.    
  




" A Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho condenou o Banco Bradesco S.A. e a Bradesco Vida e Previdência ao pagamento de indenização por danos existenciais de R$ 50 mil a uma vendedora de seguros que, durante 17 anos de prestação de serviços, nunca teve direito a usufruir férias. Na decisão, o colegiado destacou que a supressão integral das férias durante todo esse período dispensa a demonstração dos danos dela decorrentes.

Admitida em janeiro de 2001 como vendedora de planos de previdência privada, seguros, consórcio e outros produtos, a trabalhadora relatou que, meses depois, teve de constituir pessoa jurídica para continuar a prestação de serviço, com despesas pagas pelo banco. Assim permaneceu até que, em novembro de 2017, foi dispensada por não ter aceitado assinar um novo tipo de acordo.

Na reclamação trabalhista, ela pedia o reconhecimento do vínculo de emprego e os direitos dele decorrentes, entre eles o pagamento em dobro das férias. Requereu, ainda, indenização por danos moral e existencial, com fundamento nos prejuízos causados pela não fruição de férias a sua convivência familiar e social.

O juízo de primeiro grau reconheceu o vínculo e condenou o banco a pagar R$ 6 mil de indenização por danos existenciais, mas a sentença foi reformada pelo Tribunal Regional do Trabalho da 24ª Região (MS), que afastou a condenação reconheceu o vínculo com a Bradesco Vida e Previdência. De acordo com o TRT, o desrespeito às férias, por si só, não caracterizaria o dano existencial: caberia à empregada demonstrar a ocorrência do efetivo prejuízo, não se podendo presumir que a conduta do empregador a tenha privado de manter uma relação saudável e digna em seu círculo familiar e social ou impedido projetos concretos para o futuro.

Para a relatora do recurso de revista da securitária, ministra Kátia Arruda, o excesso, comprovadamente demonstrado, de exigir um regime de trabalho contínuo, com a supressão integral do direito às férias durante 17 anos, dispensa demonstração dos prejuízos ao descanso, ao lazer, ao convívio familiar e à recomposição física e mental da profissional. Ainda segundo a relatora, o TRT registrou que a situação à qual ela fora submetida configura “clara limitação às atividades de cunho familiar, cultural, social, recreativas, esportivas, afetivas ou quaisquer outras desenvolvidas em um contexto de interrupção contratual representado pelas férias anuais”. 

A decisão foi unânime. "

Muito interessante o Acórdão e todo o histórico dos fatos.

 Roberto J. Pugliese   

( Autor de Terrenos de Marinha e seus Acrescidos )

                                                                                       

 

                                                                                                 




16 março 2022

Guerra e Capitalismo.

 


O Expresso Vida traz o artigo bem elaborado de Rubens R. Sawaya.

Boa Leitura:

"É pela violência que o capitalismo se expande e garante sua hegemonia como sistema mundial de acumulação de capital e de extração de valor excedente

O capitalismo é violento por natureza. Foi fundado na violência colonial que caracterizava o mercantilismo, diferente das formas de violência de outros tempos (Frankopan, 2019). É um fenômeno europeu que se estrutura sobre a “acumulação primitiva”, forma de expropriação dos meios de produção. Pelo poder militar, as políticas coloniais garantiam o controle sobre os mercados e sobre as matérias-primas; tais políticas adentraram o bélico século XX (Hobsbawm, 1995) na disputa pelos espaços de acumulação no mundo.

No início do século XX, já era característica do capitalismo o “domínio de grandes grupos monopolistas” na “partilha do mundo”, como apontava Lênin em 1917. Tratam-se de grandes corporações constituídas pela aliança do capital produtivo com o capital financeiro, atuando em simbiose com o poder militar de seus Estados nacionais na disputa pelo espaço mundial de acumulação. Luxemburg, em 1912, analisando as contradições do processo de acumulação de capital em cada espaço local, percebeu a guerra que se avizinhava.

Keynes, em 1936, demonstrou que as contradições internas do capitalismo sem controle foram as causas das duas guerras mundiais e a forma de o sistema resolver suas crises de superprodução (os problemas de demanda efetiva) e de superacumulação (excesso de capacidade), questões muito antes analisadas por Marx. A guerra é, portanto, o resultado das contradições naturais do processo de acumulação e de sua natureza expansiva, isto é, a acumulação sem limites que impõe às grandes corporações, em aliança com seus Estados nacionais, a conquista e o controle de espaços no mundo para garantir a continuidade do processo de acumulação. Trata-se de um fenômeno europeu constitutivo do capitalismo.

A partir da Segunda Guerra Mundial, o novo arranjo institucional (Breton Woods) abre espaço para uma nova forma de partilha do mundo. As grandes corporações passam por amplo processo de internacionalização produtiva por meio de investimentos diretos (IDE) do centro na periferia e, principalmente, por meio de IDE entre os países do próprio centro – Europa-EUA – no Atlântico Norte. Nesse processo de expansão, os grandes grupos multinacionais abrem filiais produtivas em países relevantes para a acumulação de capital. Vale lembrar que foi também por esse movimento que o grande capital norte-atlântico industrializou parte da América Latina, incluso o Brasil, em aliança com as frações de classe hegemônicas em cada local, apoiadas por governos ditatoriais violentos (Schoutz, 1998) nas décadas de 1960-70.

Nesse arranjo institucional do pós-guerra, os EUA assumiram o papel de guardião militar dos interesses da “nova ordem” hegemônica, que se constituía em torno da Otan. Por isso aparecem sempre como protagonistas das diversas guerras, invasões, golpes de Estado que se generalizaram, principalmente na periferia do sistema. Assumiram o papel de “polícia global” nesse novo arranjo de poder norte-atlântico.

Também se tornaram os guardiães do dinheiro do mundo, com o controle sobre os fluxos financeiros globais, tendo o dólar como moeda internacional. Por isso, o FED, em aliança com o Banco Central Europeu, tem o poder de congelar e controlar a riqueza financeira global, as reservas dos países em dólares, arma (“atômica”, como diz o New York Times) que usa em complemento, agora contra a Rússia, mas que já havia utilizado contra a Venezuela e o Irã. O sistema Swift está no centro desse controle.

Com isso, busca-se demonstrar como o imperialismo clássico se modifica em sua forma, embora não em seu conteúdo. Hoje o capital é transnacionalizado (Sklair, 2001). A partir da década de 1980-90, com a chamada “globalização”, as corporações dos EUA e da Europa se coligaram em processos de fusão, aquisição, joint ventures, o que resultou em diversas formas de controle via propriedade, contratos, terceirização etc. Tornaram-se corporações transnacionais financeirizadas, holdings no comando de redes de empresas produtivas espalhadas em cadeias de valor nos espaços relevantes do mundo. Elevou-se o controle central do capital, mas partes do processo de produção foram espalhadas por países-chave em uma nova forma de “partilha do mundo”. O neoliberalismo é a ideologia introjetada nos aparelhos de Estado e materializa-se em políticas concretas (liberalizantes) que permitiram esse movimento estratégico do capital transnacional em sua reestruturação produtiva no mundo.

Essa reestruturação global do capital faz com que a partilha do mundo deixe de ser feita predominantemente entre Estados, como o foi no imperialismo clássico – uma política de Estado para a expansão de suas empresas –, para se tornar uma partilha entre os capitais transnacionais, que se utilizam dos dispersos Estados e os subordinam aos seus interesses. As empresas transnacionais (ETs) não enfraquecem os Estados nacionais; ao contrário, precisam deles e atuam por intermédio deles em garantia da implantação das políticas de seu interesse em cada espaço nacional. Como sintetizou Chomsky (2017), no caso dos EUA, o governo implementa os programas que o setor corporativo elabora. É a privatização da política pelo controle dos sistemas eleitorais.

Assim, as empresas transnacionais precisam adentrar os aparelhos de Estado e compor sua burocracia, sendo esse o seu meio de exercer o poder de comando por dentro de cada Estado nacional para definir as estratégias e as políticas econômicas em seu favor. Isso ocorre inclusive nos EUA, como mostra Chomsky (2006). Esse processo é realizado por meio de alianças com as frações de classe locais, tomando a aparência de interesse nacional. As empresas transnacionais interferem por dentro do Estado, como um “poder local”, tanto sobre a política interna como sobre a política externa. Se necessário, utilizam-se de estratégias, por meio de grupos locais, para desestabilizar agentes políticos contrários e promover golpes de Estado (ver Moniz Bandeira, 2013; Chomsky, 2006 e 2017; Anderson, 2015), movimentos hoje denominados “revoluções coloridas” (como na Líbia, Síria, Egito).

Como demonstra Carroll (2010), as empresas transnacionais do eixo norte-atlântico exercem esse poder por meio de instituições supranacionais, como o World Economic Forum, a Bildeberg Conference, a Trilateral Comission e a International Chamber of Commerce. Tais instituições estão sob controle não de um Estado, mas das empresas transnacionais, que as utilizam para pressionar os Estados nacionais dispersos na definição de políticas e na divulgação da ideologia que adentra seus aparelhos e os coloca sob seu controle. Atuam como lobistas internacionais das grandes empresas transnacionais. Esse novo arranjo institucional tem na Otan seu braço militar, também uma instituição supranacional. Isso explica a ação conjunta dos países nos conflitos internacionais e a forma de controle sobre a chamada Grande Área, epicentro do conflito histórico (disputa pelo controle de petróleo e gás) que agora eclode em guerra.

Imaginava-se que, após o colapso da URSS, estariam abertas as portas para o controle por esse sistema norte-atlântico sobre o mundo e para a implantação do neoliberalismo como “pensamento único” e estratégia de controle sobre Estados nacionais. O resultado foram “revoluções coloridas” (Moniz Bandeira, 2013), que deixaram um rastro de países destruídos sob o pretexto de lhes “levar a democracia” (à força) e a “civilização” europeia, além de golpes de Estado institucionais, como ocorreu no Brasil, de eleições manipuladas pelo poder do dinheiro e das novas mídias, que colocaram fantoches no comando de países importantes, inclusive nos EUA e na Inglaterra, e da fabricação de candidatos fáceis de manipular, incompetentes, sem noção estratégica nacional. Essas práticas levaram ao descrédito da ação ou atividade política como forma de organização social, ou seja, à destruição da “política”. Na verdade, a política é privatizada pelo poder financeiro e midiático (Chomsky, 2017).

Esse fato não poderia ser mais desastroso em um momento de grandes transformações mundiais. Países importantes contam com representantes ignorantes. Aprofundou a estratégia de desmantelamento do Estado pela ideologia neoliberal, que ganha terreno desde os anos 1980 e garante o domínio do grande capital sobre a política. Apenas os Estados que não se submeteram ao neoliberalismo destrutivo preservaram sua estrutura e inteligência para fazer frente aos desafios que a crise da hegemonia do sistema norte-atlântico apresenta.

O problema atual é o confronto dessa forma de funcionamento do capital do eixo norte-atlântico em sua de expansão e controle da Grande Área com a resistência crescente da Rússia e seu retorno ao jogo geopolítico, bem como com a projeção da China como nova potência econômica mundial em expansão. Não se trata de um conflito clássico entre Estados rivais, embora assim apareça, mas das contradições que o sistema de controle norte-atlântico encontra nessa nova configuração do mundo e que põem em xeque sua hegemonia e protagonismo.

De um lado, o concerto norte-atlântico havia imaginado ter-se livrado de qualquer limite à sua expansão global desde o desmantelamento da antiga URSS, nos anos 1990, submetida às políticas neoliberais radicais que destruíram sua estrutura produtiva e entregaram suas grandes corporações à antiga elite burocrata, constituindo uma classe de milionários na Rússia. Por isso nunca foram respeitados os acordos que visavam à contenção da expansão da Otan, a qual, há tempos, ameaça expandir-se para a Ucrânia (Chomsky, 2017; Moniz Bandeira, 2013).

Em 2014, esse processo expansivo resultou em uma “revolução colorida” no país. Agora, com o conflito aberto, o concerto enfrenta concretamente a resistência, que resulta da política de reconstrução russa, perseguida, com mão de ferro, por Putin com o objetivo de recolocar o país em uma posição de protagonista global, recusando-se a integrar a periferia subordinada à política tradicional de controle imperial norte-atlântico.

De outro lado, a lógica do grande capital, cega pelo colapso da URSS e pelo sucesso da implantação das políticas neoliberais no mundo, inclusive na América Latina, não foi capaz de perceber o crescimento das contradições que levaram à crise do sistema em seu coração financeiro em 2008, tampouco a engenhosa estratégia chinesa de aproveitar-se do neoliberalismo ocidental para atrair para seu território parte do grande capital transnacional europeu e norte-americano e subordiná-lo aos seus interesses.

As grandes empresas transnacionais operam hoje em joint ventures com empresa chinesas, centrais nas cadeias globais de valor, e obtêm polpudos lucros pondo em conflito seus interesses privados transnacionais e os interesses dos EUA e da Europa enquanto Estados nacionais. Isso torna quase impossível (e sem lógica) um ataque frontal à China, ainda mais agora que o país alcança um nível tecnológico e uma escala produtiva que talvez até lhe possibilitem prescindir do capital estrangeiro – embora isso não seja de seu interesse. Além disso, a China se fortalece em estratégicas alianças produtivas estruturais construídas com seus vizinhos – inclusive com o Japão – em um arranjo em que todos ganham e que os mantém atados a ponto de impedir ataques externos. Mais ainda, para desespero do arranjo norte-atlântico, o país planeja expandir-se em uma nova “rota da seda”.

Em razão disso, o arranjo norte-atlântico encontra dificuldades para controlar e atacar diretamente a China, embora tenha tentado fazê-lo via ameaça à Coreia do Norte, além de ter ensaiado a “revolta dos guarda-chuvas” no quintal da China, em Hong Kong, em 2014. Assim, controlar a região da Eurásia é uma alternativa para manter o domínio da lógica imperial. Como apontava David Harvey em 2003, um ataque direto à Rússia por meio da antiga pressão sobre os países do entorno, como a Ucrânia, era uma saída.

Esse país é central na estratégia norte-atlântica, tanto para desestabilizar o poder russo como para controlar o petróleo e o gás da região, dificultando também o avanço econômico chinês em seu projeto de nova rota da seda. O conflito que se vê é a própria manifestação da tradicional e conhecida lógica do imperialismo, agora sob o domínio das grandes corporações transnacionais, que passaram a controlar os Estados.

Infelizmente é pela violência que o capitalismo como fenômeno europeu, surgido na Europa, se expande e garante sua hegemonia como sistema mundial de acumulação de capital e de extração de valor excedente. A violência é parte constitutiva de sua natureza. Com o desenrolar da crise atual, talvez essa (des)ordem mundial bélica esteja no fim.["

O Expresso Vida aplaude o culto professor da PUC-SP pela lucidez de sua  explanação.


Roberto J. Pugliese 
editor
www.puglieseadvogados.com.br
titular da cadeira nº 35 da Academia São José de Letras
membro da academia Itanhaénse de Letras
membro da academia Eldoradense de Letras