20 dezembro 2023

CONDENAÇÃO INJUSTA


  JUSTIÇA TENDENCIOSA.

 

O Expresso Vida publica texto da jornalista Elaine Tavares, da UFSC, que relata muito bem os desvios que ocorrem na Justiça comum do Estado de Santa Catarina e também pelo país nos últimos tempos.


" Punida por mostrar a verdade

A jor­na­lista Schirlei Alves foi con­de­nada à prisão e pa­ga­mento de multa pelo ju­di­ciário ca­ta­ri­nense. Ela foi acu­sada de “man­char a honra” de um juiz, um ad­vo­gado e um pro­motor que atu­aram num caso de es­tupro. Tudo isso porque ela no­ti­ciou a gra­vação da au­di­ência de ins­trução, na qual a ví­tima do es­tupro, Mari Ferrer, é hu­mi­lhada e cons­tran­gida vá­rias vezes pelo ad­vo­gado de de­fesa do acu­sado, Cláudio Gastão da Rosa Filho. A gra­vação mostra que ela im­plora ao juiz por res­peito, di­zendo que nem as­sas­sinos eram tra­tados como ela es­tava sendo tra­tada, mas o juiz ig­norou seu apelo. Foram cinco horas de mas­sacre contra a ví­tima e por fim, o acu­sado do es­tupro foi ino­cen­tado. Seria mais um caso “comum”, no qual o agressor sai livre, a mu­lher de­pre­ciada e os ope­ra­dores do di­reito, in­có­lumes.

Mas, ocorre que a Schirlei fez o que qual­quer bom jor­na­lista faria: des­creveu as cenas, des­velou o ce­nário, expôs as chagas, tanto as da si­tu­ação do es­tupro so­frido quanto as do ju­di­ciário. Uma re­por­tagem que não en­con­trou abrigo nos meios co­mer­ciais ca­ta­ri­nenses e acabou sendo vei­cu­lada na In­ter­cept Brasil, uma agência de no­tí­cias. O texto ex­pli­cita o que as ima­gens igual­mente dizem. E o que se vê é uma ga­rota sendo jul­gada por suas roupas, por ter be­bido, por estar num bar. E, mais do que isso, so­frendo outra vi­o­lência, pra­ti­ca­mente sendo apon­tada como cul­pada de ter sido es­tu­prada. Um ba­laio de hor­rores.

A re­por­tagem da Schirlei não se li­mita às ima­gens des­ve­ladas. Ela ouve a ví­tima, as pes­soas pró­ximas, a OAB, o Mi­nis­tério da Mu­lher, de­le­gada, pro­mo­tora do Nú­cleo de Gê­nero, enfim, uma série de ou­tras vozes que cor­ro­boram a tese de que a jovem ví­tima do es­tupro foi também hu­mi­lhada e ne­gli­gen­ciada no caso. O caso re­per­cutiu em todo país e os en­vol­vidos se viram ex­postos. O juiz, Rudson Marcos, re­cebeu uma ad­ver­tência formal do Con­selho Na­ci­onal de Juízes, por ter sido ne­gli­gente, o pro­motor e o ad­vo­gado foram re­pu­di­ados pela opi­nião pú­blica. E, por isso, de­ci­diram acusar Schirlei de lhes man­char a honra.

O pro­cesso foi jul­gado pela juíza An­drea Struder, que con­denou Schirlei apli­cando uma sen­tença le­o­nina. Se­gundo texto na Agência In­ter­cept: “A con­de­nação de Schirlei pro­fe­rida pela juíza lembra a época da di­ta­dura e é to­tal­mente in­fun­dada, re­pleta de fa­lhas pro­ces­suais e ex­tre­ma­mente des­pro­por­ci­onal. Studer foi a única juíza dis­posta a aceitar o caso apre­sen­tado por seus co­legas na vara, de­pois que muitos ou­tros se re­cu­saram de­vido ao con­flito apa­rente”.

A con­de­nação da jor­na­lista le­vantou a ca­te­goria que en­tende a de­cisão como uma sen­tença não apenas contra Schirlei, mas contra todos os jor­na­listas, visto que a ser man­tida, sig­ni­fica cla­ra­mente uma mor­daça. É sa­bido que o ju­di­ciário bra­si­leiro é uma ins­ti­tuição que re­pre­senta a classe do­mi­nante e se con­fi­gura num guar­dião desta mi­nús­cula fatia da so­ci­e­dade. Ficar contra os tra­ba­lha­dores é pão co­mido, coisa co­ti­diana. Mas, ainda assim a sen­tença chocou os jor­na­listas por re­pre­sentar uma obs­trução ao tra­balho do pro­fis­si­onal, que é o de re­portar os fatos. Im­por­tante res­saltar que a queixa se dá porque a jor­na­lista expôs um juiz, um pro­motor e um ad­vo­gado.

Ora, re­ceber pena de prisão e multa de 400 mil reais por ter re­la­tado fatos reais e com­pro­vados tem algum sen­tido? Ne­nhum. Esta se­mana outro vídeo de uma au­di­ência vir­tual em Santa Ca­ta­rina mostra uma juíza igual­mente sendo grossa e ar­ro­gante com uma tes­te­munha. Será pe­na­li­zada também a pessoa que di­vulgou mais essa co­ti­diana ação das cortes? Não se pode mos­trar a re­a­li­dade do mundo ju­di­ciário? Está ve­dado? Bom, isso tem nome. Cen­sura.

Na Uni­ver­si­dade Fe­deral de Santa Ca­ta­rina, foi or­ga­ni­zado pelo Sin­di­cato dos Jor­na­listas um ato de so­li­da­ri­e­dade à jor­na­lista, que ainda está lu­tando na jus­tiça, agora em se­gunda ins­tância. Com­pa­re­ceram jor­na­listas, re­pre­sen­tantes de mo­vi­mentos so­ciais, de sin­di­catos, es­tu­dantes, po­lí­ticos e co­mu­ni­dade, todos dis­postos a apoiar e lutar junto com Schirlei para que essa sen­tença seja anu­lada. Ne­nhum dia de prisão e ne­nhum cen­tavo de multa. O ju­di­ciário ca­ta­ri­nense terá de res­ponder com jus­tiça.

É sa­bido que o jor­na­lismo bra­si­leiro é, via e regra, um jor­na­lismo de­cla­ra­tório, sem pro­fun­di­dade e muitas vezes cúm­plice dos po­deres do­mi­nantes. Mas, jor­na­listas há que fogem do lugar comum e cum­prem a função pri­meira do jor­na­lismo que é des­velar o que quer se es­conder. Schirlei é uma dessas pro­fis­si­o­nais. Va­lente, res­pon­sável, ética. Ela está so­frendo, porque é re­pórter, e sabe que fez o certo. Vive uma tor­tura co­ti­diana por ter cum­prido com seu com­pro­misso pro­fis­si­onal.

Cabe a nós en­redá-la numa rede de afeto e de luta para que ela saiba que não está so­zinha. E cabe a nós também di­vulgar ao má­ximo essa in­fâmia.

O jor­na­lismo de ver­dade car­rega essa marca, a da expor à luz o que se es­conde. Não é sem razão que lá na In­gla­terra o também jor­na­lista Ju­lian As­sange sofre prisão e tor­tura por ter re­ve­lado os crimes dos Es­tados Unidos. Guar­dadas as pro­por­ções, assim tem sido com a Schirlei, por ter ex­posto al­gumas vís­ceras do ju­di­ciário.

Jus­tiça para Schirlei. Sus­pensão da sen­tença já! Nada menos do que isso! "

 (Elaine Tavares // 13/12/2023)

Não é a primeira vez e não será a última,lamentavelmente, que os órgãos do Poder Judiciário no Brasil ultimam medidas injustas, arbitrárias e salientemente prepotentes, contrário ao principio do bom direito e garantias constitucionais, próprias do regime democrático.

E a Justiça no Estado de Santa Catarina tem se revelado, há boa data, contumaz nessas práticas, que vão desde sua estrutura institucional, passando pelo comportamento de servidores e culminando com ações de seus membros em todos os graus e competências jurisdicionais.

E a Justiça especializada no Estado de Santa Catarina, com menos frequência, também padece desses tropeços.

É preciso lembrar que a Crítica é dever da Inteligencia e ninguém está isento dessas manifestações.

O Expresso Vida se solidariza e apoia a jornalista e a todos os meios legítimos de comunicação social.

Roberto J. Pugliese
Editor  
Advogado Remido 
( Foi presidente da OAB/TO - Gurupi por dois mandatos )
 

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