Dos terrenos
de marinha:- esclarecimentos.
Roberto J.
Pugliese*
Cabral quando lançou ferros junto ao porto seguro da ilha de
Vera Cruz, a par das miçanga, espelhos e provavelmente bacalhaus, azeite puro
de oliva e o tinto do Minho, entregues amistosamente aos perplexos nativos
expostos que lhe deram boas vindas, tomou posse em nome do Rei a que servia e
impôs a cultura européia à nova possessão política, inclusive toda a legislação
vigente à época, sob a qual se submetiam os súditos da metrópole e das então recentes conquistas que se espalhavam
pelos sete mares.
Nas Ordenações Manuelinas, código vigente desde os primórdios
do reino que se libertara dos árabes e se desmembrara dos hispânicos, era
previsto as Lezírias, instituto
jurídico suis generis, que
estabelecia que as áreas de orla junto à costa, aos manguezais, ao longo das
praias, rochedos e acidentes geográficos do mar, e vizinha aos rios e lagos
salgados eram reservas patrimoniais da Coroa.
Essas áreas vieram a ser conhecidas como Terrenos de Marinha, os quais deveriam estar livres de obstáculos,
de forma a garantir a defesa nacional e o livre acesso ao mar. E com essa
justificativa em 21 de outubro de 1710 a Ordem Régia, excluiu da partilha das
Capitanias Hereditárias, as marinhas,
pois gamboas, realengos, praias, costões e toda a orla, contínuas as margens
dos rios, lagos, lagoas, deveriam estar desimpedidas para um eventual serviço
da Coroa, não apenas militar, mas produtivo, como a extração do sal, tão
valioso e quem sabe a colheita de berbigões, maria-farinhas... Tão vasto e rico patrimônio imobiliário
pertencia em toda extensão, nas colônias e possessões lusitanas à família real.
Com a independência, os historiadores contam que muito mudou
no Império Tropical: Não se ouvia mais o fado e cantigas de Traz dos Montes, as
cores oficiais passaram a ser o verde e amarelo e com a Provisão da Mesa do
Desembargo do Paço em 21 de fevereiro de 1826, as Lezírias, oficializadas, passaram ser tratadas definitivamente como
Terrenos de Marinha pertencentes à
Família Imperial brasileira recém instituída. O mesmo se deu com os Acrescidos
de Marinha, física e juridicamente a eles ligados.
A obtenção de renda pela Corte tornou-se um fator importante,
servindo de esteio financeiro aos luxos dos palácios, viagens e pompas servidas
nas recepções inerentes ao dia a dia da nobreza tupiniquim. Manter escravos, carruagens, liteiras, conceder títulos
nobiliárquicos, criar cavalos e demais exigências inerentes ao beija mão tradicional das quintas feiras,
exigia patacas oriundas das Lezírias.
Derrubado o Imperador, com a
República, os bens da Corte foram transferidos para a União, inclusive os terrenos de marinha, que, a partir de
1868, já tinham, legalmente como referencia, a linha da preamar média de 1831 em homenagem a Lei Orçamentária que
naquele ano incluiu a renda das Lezírias
e definiu 15 braças craveiras como sendo a medida a ser considerada para
definir as marinhas.
Só em meados do século XX, com a
edição do Decreto Lei nº 9.760/46 a União passou a gozar de ordenamento para
administrar seu patrimônio imobiliário. Criou o Serviço do Patrimônio da União, SPU e definiu juridicamente os Terrenos de Marinha, como sendo aqueles situados numa profundidade de 33,00 metros a
contar da linha da preamar médio de 1831 junto a orla litorânea e dos rios que
sofram influencia das mares.
Atualmente a Lei nº 9.636 de 15 de Maio de 1998, regula a
administração desse patrimônio valioso, que à semelhança dos tempos do Reino
Lusitano, trata-se de instrumento que propicia elevada arrecadação.
O que se observa nos últimos anos é a SPU, agora Secretaria
do Patrimônio da União, órgão descentralizado em superintendências nos Estados
e no Distrito Federal, órgão do Ministério do Planejamento, demarcar partindo
de pontos que são distantes do lugar apontado pela legislação.
Assim, através de perícia técnica, fica patente, que as
medições apuradas e decretadas como áreas da União, por considerarem-nas como
terrenos de marinha e acrescidos, são na verdade, sem trocadilho, inverdades
que provocam insegurança. Noutras palavras: Grilo. A União vem grilando terras,
valendo-se do texto vulgar.
Enfim, vale impugnar toda presunção e buscar reparação dos
direitos junto ao Poder Judiciário. E quem assim se atreve, tem se dado bem.
Roberto J. Pugliese
Editor
**O Autor publicou diversos livros jurídicos, com destaque para Os
terrenos de Marinha e seus Acrescidos, 2009, Letras Jurídicas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário