Função Social da
Posse
A posse
jurídica é de importância maior do que aparenta ser, motivando
assim que a sociedade e em especial os operadores do direito, em todas as suas
expressões e segmentos, tenham melhor conscientização dos motivos relevantes
que levam ao Poder Público tutelar a posse jurídica, independente da
propriedade.
As coisas naturais se encontram harmoniosamente cômodas à disposição da
humanidade e serão reduzidas à valores econômicos quando, havendo interesse e
necessidade, são apreendidas pelos homens. Se não houver interesse, não é
estimado valor e desprezado pelas pessoas e pela organização social e jurídica.
Com o aperfeiçoamento da engenharia e da ciência, a humanidade passou a
ter interesse a bens materiais e imateriais antes jamais imaginados e a ordem
jurídica passou a intervir e proteger o que até então era esquecido. Proteger
esses bens que passaram a ter valores econômicos. Bens e coisas que a sociedade civil e assim também a política passou a buscar sua apreensão.
Na ordem planetária os pactos internacionais são celebrados objetivando
a tutela de posse econômica de bens dispostos pelo espaço físico e etéreo ao
alcance do homem, mesmo que muitas vezes são esses acordos disfarçados em
objetivos outros. Mas é a sua apreensão para a utilização econômica que está em
evidencia e se pretende.
Vale lembrar que a posse é constituída por dois elementos
indispensáveis, o corpus e animus, porém o fator econômico está
intrínseco à natureza de ambos. Ou seja, o
ímpeto econômico subliminar é que conduz à posse, isto, o interesse de ter para
si a coisa, tornando-se o interesse moral que constitui a posse jurídica.
De outra parte, a propriedade é ficção. Não é o fato concreto e real que
a posse revela e se concretiza. É uma elucubração técnica aperfeiçoada no
tempo, que visa a garantia perene e permanente do que se busca possuir.
Daí, o ideal é posse e a propriedades estarem juntas, de forma que o
fato se concretize e se reconheça de modo firme e constante através da ficção,
pois a posse é a expressão econômica real da propriedade.
Daí não será exagero patentear que é a posse jurídica
que trata-se do verdadeiro direito natural. Do verdadeiro aspecto inerente a natureza humana que a sociedade
deva garantir. Garantir a propriedade com interesse na posse.
Não é a propriedade que irá gerar o bem comum, a
vida digna proposta pelo Estado contemporâneo, mas é a posse, sua expressão
concreta de riquezas. A propriedade é apenas um título, um reconhecimento
jurídico.
A propriedade
modernamente trata-se de direito elementar a pessoa porém, por essa mesma
condição, não pode ser mais encarada de modo absoluto. Conseqüentemente, a
posse não pode ser exclusivamente destinada a favorecer o ser, excluindo-se o
coletivo, ou destinada ao coletivo, excluindo-se o ser individual que compõe e
integra o coletivo. O bem comum a que o Estado se propôs deve ser o mote,
objetivado no exercício dos direitos, inclusive na posse jurídica dos bens
naturais ou não.
Fica patente que a posse é direito
verdadeiramente natural que precede a existência jurídica do próprio
instituto jurídico e deve estar ao alcance de todos, de modo que deve cumprir
um papel social. O caráter social desse direito justifica a
sua proteção. Visto assim, não haverá porque dizer que a posse está fadada a
ser ”condenada a sofrer a maldição das controvérsias” , pois pelo menos
quanto a sua defesa, ficará patente que esta existe em razão da paz social e do
interesse público e não pelo critério individualista do possuidor.
A função social da posse é fundamental para que a par de sua
auto proteção tenha a proteção jurídica da sociedade e a sobrevivência do
instituto como tal, de modo que não cumprindo essa finalidade, estará as
avessas contra o direito e não poderá ter sua proteção.
Toda a proteção jurídica que o direito estabelece à
propriedade, e dispensa à tutela social, harmonizando os interesses do
proprietário com os da coletividade, está materializando a tutela da posse e da
sua função social. Tutela o conteúdo econômico e nesse norte, por ser a
propriedade como tal mais abrangente, dada a ficção jurídica que representa, a
normatização é bem ampla, mas o resultado é diretamente sentido por seu aspecto
econômico de utilização, que é a posse jurídica, como sempre dito.
A função social relaciona-se com o uso da propriedade,
alterando, por conseguinte, alguns aspectos pertinentes a essa relação externa
que é o seu exercício, ou seja, a função social da
propriedade depende da função social da posse jurídica que é o verdadeiro
centro da função jurídico social dos direitos reais.
O apossamento indiscriminado de riquezas vem
paulatinamente causando o trauma que está promovendo a crise política de um
modo geral, no âmbito interno e sob a vista internacional, na crise continuada
da paz mundial que não se atinge, a despeito de esforços de ordem jurídica e
político serem ultimados nos últimos anos.
No âmbito interno, o aspecto econômico da posse é fundamental para se compreender a
crise política que atravessa o Estado nacional.
Com base na legislação, valendo-se dos preceitos legais
impostos pelo mesmo poder político em crise, temos em relação aos bens,
classificação tradicional que, dentre tantas categorias, os destacam em
móveis, imóveis, públicos, privados, e os sub classifica-os em rurais e
urbanos, sobre os quais incide a posse jurídica.
Assim, interessante que a análise se dê, entre a posse
jurídica e os aspectos econômicos de sua incidência ou não sobre ditos bens,
segundo a classificação tradicional arrolada.
Com relação aos bens móveis, tratam-se de utilidades
naturais ou produzidas pelo trabalho que nem sempre são colocadas a disposição
de todos, em razão da incidência de valores que as massas populares não se
situam em condições de aquisição, excluindo-as do direito natural de mínima
dignidade, como estatuído na Magna Carta.
Daí, num lance rápido, no final da ponta da escala
social, surge a fome, e desta, os anseios frustrados. Quem trabalha e é mal
remunerado não alcança o poder de possuir e quem não trabalha, se distancia
ainda mais. A posse jurídica serve apenas às castas privilegiadas e não a
totalidade universal prevista nos documentos elaborados pelo poder político
social.
O trauma econômico da má gestão possessória causa o
trauma político, impondo a insegurança material e a ineficiência jurídica real.
“A multidão deve exercer a soberania por ser mais forte que a minoria; não
existe justiça nem razão nas prerrogativas pelas quais certas classe pretendem
mandar e todas as outras obedecer-lhes... A multidão poderá opor-lhes uma razão
muito justa: Nada impede que a multidão seja mais forte e mais rica que a
minoria, não individualmente, mas em massa, “leciona a doutora Cristiane
Rozicki .
Com relação a posse jurídica, a que se
limita a apresentação do tema, surge o impasse, traumatizando o funcionamento
da organização social Acrescentando-se serviços que as multidões não se valem,
pelos mesmos motivos que contrariam a justiça social, decorre daí a
insatisfação da sociedade e fica legitimada a crise que existe. Crise política
que promove a degradação social com a prevalência da insegurança jurídica,
miserabilidade em expansão e violência incontrolável. Na outra ponta, a posse
jurídica mal gerenciada por poucos que excluem muitos.
Não há com se tutelar a posse para alguns, beneficiando
grupos, castas ou sociedades diferenciadas e criando privilégios em desacordo
com a harmonia que o poder político deve impor. A sociedade política
estrutura-se de forma a limitar os seus integrantes e deixa-los alheios a
usufruir as riquezas. A revolta das massas conduz a libertação, que se
dá pacificamente em harmonia jurídica, valendo-se dos instrumentos políticos
criados pela própria sociedade, ou pela força, conduzindo a mudança da
estrutura da sociedade política e do exercício da posse jurídica. A guerra
civil disfarçada eclode no dia a dia e abre justificativas para a prática do
que a doutrina estabelece como sendo direito a revolução. Uma realidade indisfarçável que se constata diariamente no Brasil, onde a
revolta dos excluídos do direito de exercerem minimamente a posse jurídica de
bens indispensáveis a vida digna contemporânea, se dá através de “arrastões
“ promovidos por comandos criminosos entre outras tantas manifestações
sociais.
O Estado que agrega a sociedade natural como sua
criação, passa a ter direitos e obrigações a semelhança dos integrantes
do corpo social. A legitimidade de seu poder de império se dará na
proporcionalidade que esse poder for dirigido para o destino de beneficiar a
sociedade, que para tanto, dependerá da justiça social, cujo mediador sempre
será o próprio Estado. “O bem do individuo não constitui o fim último do
Estado, mas sim o bem comum” Daí, a função social da posse ter
relevante papel no equilíbrio e harmonia da sociedade política e seus
integrantes.
A diferenciação se dá igualmente com relação aos bens
imóveis. A posse jurídica não está cumprindo uma função política adequada aos
interesses gerais. “O bem-estar social é o bem comum, o bem do povo em
geral, expresso sob todas as formas de satisfação das necessidades
comunitárias. Nele se incluem as exigências materiais e espirituais dos
indivíduos coletivamente considerados; são as necessidades vitais da
comunidade, dos grupos, das classes que compõe a sociedade. O bem-estar social
é o escopo da justiça social a que se refere nossa Constituição... O apossamento de bens imóveis por poucos está levando multidões a deixarem de
ter condições mínimas para moradia urbana ou condições para terem terra
para habitar na zona rural. É a realidade econômica da posse contemporânea que
não pode passar despercebida.
A situação que se informa de elevado disparate, tem
variantes em razão das dimensões dos aglomerados urbanos, serem pequenas vilas,
cidades, metrópoles; da localização regional,encontrar-se no sul, norte,
nordeste etc. Peculiaridades próprias acentuam ou amenizam o problema, mas de
um modo geral, a concentração da propriedade urbana cada vez mais elitizada,
promove a injustiça social e a mesma crise política já referida.
No campo, a mesma situação de clamor social ocorre. Não
há justiça social em razão de ignorar-se a função social da posse. A posse
jurídica a serviço de uns, excluindo a maioria dos poucos que ainda se atrevem
a viver na zona rural. É a situação contemporânea resultada de processo
histórico, que advém muito antes do descobrimento do Brasil, revelando
claramente que a terra é sinônima de poder. Durante mil e
cem anos o feudalismo era embasado em propriedades rurais. Os nobres e a
hierarquia da Igreja Católica se apoiava no feudalismo. Os senhores feudais
comandavam pois dispunham do poder político decorrente da terra. Essa
mesma concepção foi adotada no Brasil, vinda pelos colonizadores e perdura até
os nossos dias, sem que a posse cumpra a sua função social a despeito de
normas que assim declaram de modo impositivo.
A situação levou a formação de movimentos messiânicos e
políticos para reverter, de modo organizado ou não promover a função social da
posse jurídica da terra. Assim se deu com as lutas lideradas por Antonio
Conselheiro, em Canudos; pelo Monge José Maria em Santa Catarina; pelas ligas
camponesas sob a liderança de Francisco Júlião no nordeste brasileiro e agora
mais recentemente pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra entre outras
guerras e revoltas catalogadas na história oficial.
O valor econômico da posse pode até encontrar estribo
na própria doutrina social da Igreja Católica Apostólica Romana, que se
considerar-se a opção do povo brasileiro que se declara constituir a
maior nação nessa religiosidade, encontrará a legitimação suficiente para
imediatamente se aplicar a justiça social estabelecendo critérios para o
exercício social da posse. “Ninguém tem o direito de reservar par o
seu uso exclusivo aquilo que é supérfluo, quando a outros falta o
necessário. “
Enfim, o problema fundiário urbano e rural que se
observa, provocando conflitos possessórios que estão causando traumas
diversificados e conhecidos por todos, tornando-se realidade do dia a dia do campesino
e do citadino, se apóia na posse socialmente injusta e dela decorre. Suas
causas surgem do próprio gerenciamento do poder político que se desvia da
finalidade para qual foi criado. O corpo social busca no Estado a tutela e os
instrumentos para alcançar o bem comum, no entanto, seus administradores,
instruídos pelo poder econômico, com esteio na composição da terra urbana e
rural, exercem suas atividades voltadas para o bem daqueles com quem mantém
compromissos. Por outras palavras, o Estado contemporâneo é culpado também pela
crise política porque dela participa, deu causa e não tem disposição de impor
alterações.
Imóveis públicos servem de reservas técnicas para que o
Estado promova ações deliberadamente destinadas a servir interesses que nem
sempre irão ao encontro dos interesses populares, contornando com
habilidade qualquer movimento que tenha por fim a promoção do fim social da
posse jurídica.
A posse jurídica tem por dever natural e por obrigação
reconhecida juridicamente, como já exposto, cumprir a sua função social. Logo,
a posse jurídica para cumprir a sua função social deverá atingir o fim social a
que se dispõe. Esse fim permitira o cumprimento da função social que por sua
vez, permitirá igualmente que a propriedade, com quem repete-se, deve andar
junto, cumpra a sua função social. “ A função social da posse situa-se em
plano distinto, pois, preliminarmente, a função social é mais evidente na posse
e muito menos evidente na propriedade, que mesmo sem uso, pode se manter como
tal.(...) O fundamento da função social da posse revela o imprescindível, uma
expressão natural da necessidade. “
Aliás, por essa dimensão é que a posse não pode se
limitar a um conceito simplesmente jurídico. “Antes e acima de tudo, aduz, a
posse tem um sentido distinto da propriedade, qual seja o de ser uma forma
atributiva da utilização das coisas ligadas às necessidades comuns de todos os
seres humanos, e dar-lhe autonomia significa constituir um contraponto humano e
social de uma propriedade concentrada e despersonalizada, pois, do ponto de
vista dos fatos e da exteriorização, não há distinção fundamental entre o
possuidor proprietário e o possuidor não proprietário, “ com
bastante pedagogia expõe Hernandez Gil.
Surge pois a real função da posse, que não se reduz
a simples efeito de cooptação de riquezas e conseqüentemente, de fundamentação
do poder político, sendo uma concessão à necessidade, no dizer de Luiz
Edson Fachin com destaque especial para a transformação social da
história econômica. O Estado para tanto, em prestígio a posse jurídica e ao seu
fim social, dispõe de meios jurídicos para coloca-la no rumo, quando por
desvios a rota de opção não estar na direção da consecução do fim social a que
deva se destinar. Os interditos, a desapropriação e o usucapião são exemplos
típicos desses instrumentos e do prestigio do instituto em homenagem ao fim
social.
Daí, pelo exercício do bom direito, a posse jurídica
justa, no âmbito da justiça social verdadeira, não dará condições para que haja
com legitimidade transgressões a ordem jurídica, pois o bem comum estará
privilegiado e qualquer violência jurídica ou física, inoportuna na origem, não
terá respaldo popular. Pela situação justa, não haverá saques, pois não haverá
fome; não haverá ocupações imobiliárias, pois a vida digna mínima será
democratizada, de forma que, pelo menos todos tenham sua habitação, seu
emprego, e se valham de serviços públicos mínimos.
A função social da posse jurídica se faz sentir com
maior intensidade, nas sociedades menos complexas. Prevalece o
espírito da solidariedade entre os integrantes do corpo social, sem que a
mesquinhez do tomar para si do possuidor faça com que, a posse jurídica rume em
direção da injustiça social. “ No que tange à auto-administração e
organização dessas comunidades, observarmos que a convivencia dos quilombolas
em suas comunidades é regulada por normas consuetuninárias onde a terra é
utilizada em comum. Cada família utiliza um espaço próprio respeitado por
todos. Existe assim uma individualização ideal do espaço de uso familiar (local
de moradia, horta e roça familiar ) ao lado de espaços de uso coletivo do
grupo, sobretudo onde se realizam as manifestações religiosas e culturais e
mata onde se pratica o extrativismo, que não leva porém ao parcelamento do
imóvel. “
A cultura quilombola ao longo dos tempos e do
isolamento, deu à posse jurídica o destino comunitário na essência e desse
modo, encontrou a justiça social da sociedade para os seus membros. A
solidariedade não se revela, de outra parte, somente em relação a posse
jurídica, sendo o trabalho agrícola outra expressão da comunidade aludida. Mas
o que importa ressaltar é que a posse bem direcionada, quase que em seu estado
natural primitivo, conduz a paz social. Não se quer aludir, a fantasia de
condução ao paraíso terrestre, mas a harmonia que a sociedade vive
coletivamente e os seus integrantes buscam é encontrada.
O lúcido professor Manoel Gonçalves Ferreira
Filho, leciona que modernamente a humanidade tomou consciência de novos
direitos que conduzem a qualidade de vida, os quais por falta de melhor
nomenclatura, são indicados como direitos a solidariedade, ou fraternidade,
postos no grau de direitos fundamentais. Dessa ordem que encampa de
outros pensadores modernos, refere-se inclusive ao direito ao meio ambiente,
aludindo que muitas são as Constituições que declaram o dever público da
preservação desses valores ambientais. “ Os seres humanos estão no centro
das preocupações como o desenvolvimento sustentável. Tem direito a uma vida
saudável e produtiva em harmonia com a natureza.”
Essa solidariedade que o insigne constitucionalista se
refere leva a função social da posse jurídica aqui tratada. Leva as sociedades
primitivas, como as quilombolas acima referidas, ou indígenas, ou de ciganos ou
tantas outras, espalhadas pelo planeta, que sobreviveram a complexidade própria
dos últimos séculos, e mantém a forma simples de postura política social
interna, que destinando a posse jurídica a verdadeira e natural função social,
inconscientemente conduzem a sustentabilidade da natureza, mantendo com a
solidariedade, o ser humano como principal ator do desenvolvimento social e orgânica
da comunidade.
“A Comunidade Quilombola dos Mandiras (Vale da
Ribeira – Litoral Sul de SP), habitada por remanescentes de quilombo desde o
século XVII numa área de 610 alqueires doada pela filha do senhor de escravos a
seu meio irmão negro desenvolve a atividade extrativista de ostras”. Ao seu modo peculiar, num exemplo sui generis de cooperativismo, essa
comunidade mantem os traços culturais de destinar a posse comum determinadas
coisas e ações, e a posse exclusiva para outras, como já assinalado, mas sempre
considerando a sustentabilidade, pois sabe que da natureza dependerá para a
sobrevivência contemporânea e dos sucessores de seus membros.
Não se pretende se quer insinuar que a complexidade
política ou o progresso impedem a paz social que é facilmente encontrada nas
sociedades rudimentares referidas, mas a entidades coletivas complexas, estão
tão mal conduzidas, de um modo geral, que desviadas do destino proposto, não
alcançam o bem comum, ou seja o fim do Estado e, como se percebe, não levam a
posse jurídica a função social indispensável para a justiça social e paz da
comunidade.” Para Engels, na comunidade primitiva, seja ela a gens dos
Romanos ou as tribos dos Iroqueses, vigora o regime da propriedade coletiva.
Como o nascimento da propriedade individual nasce a divisão do trabalho, com a
divisão do trabalho a sociedade se divide em classes, na classe dos
proprietários e na classe dos que nada tem, com a divisão da sociedade em
classe nasce o poder político, o Estado, cuja função é essencialmente a de
manter o domínio de uma classe sobre outra recorrendo inclusive à força, e
assim a de impedir que a sociedade dividida em classes se transforme num
estado de permanente anarquia, “ leciona Bobbio
Anote-se que nas sociedades primitivas lembradas, o
direito de propriedade é incipiente.Para terceiros, alheios ao corpo social,
prevalece o direito de propriedade, como se dá com as terras indígenas, as
sociedades remanescentes de quilombos ou até acampamentos permanentes de
ciganos, mas internamente, a posse jurídica é dominante nas relações
entre os integrantes do corpo social, de modo que se a função social fosse
apenas uma qualidade intrínseca do direito de propriedade, a harmonia social
interna desses grupos sociais não se daria como se observa.
Não se pode desprezar a idéia de que, além do Estado
contemporâneo complexo ter se desviado do fim teoricamente proposto, a
complexidade de sua governabilidade, diante do poder difuso, “cada vez
mais difícil de ser reconduzido à unidade decisional que caracterizou o Estado
de seu nascimento ao de hoje“ que permite desvios de condutas que se
propalam do nascedouro da ordem política a execução administrativa, fazendo com
que, a função social da posse, não se realize e conseqüentemente impeça a
justiça social perseguida e não propicie a harmonia e a paz social.
Enfim, a função social da posse será sempre a
sustentação da função social da propriedade, já que esta é tipicamente jurídica
e aquela fática e sobre essa função social, haverá de se apoiar, não apenas o
direito de propriedade justo, mas todo o ordenamento jurídico do Estado, de
modo igualmente justo ou não.
Roberto J. Pugliese
pugliese@puglieseadvogados.com.br
presidente da Comissão de Direito Notarial e Registros Públicos da OAB-SC
Roberto J. Pugliese
pugliese@puglieseadvogados.com.br
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