10 junho 2018

função social da posse


Função Social da Posse

A posse jurídica é de importância maior do que aparenta ser, motivando assim que a sociedade e em especial os operadores do direito, em todas as suas expressões e segmentos, tenham melhor conscientização dos motivos relevantes que levam ao Poder Público tutelar a posse jurídica, independente da propriedade.
As coisas naturais se encontram harmoniosamente cômodas à disposição da humanidade e serão reduzidas à valores econômicos quando, havendo interesse e necessidade, são apreendidas pelos homens. Se não houver interesse, não é estimado valor e desprezado pelas pessoas e pela organização social e jurídica.
 
 Com o aperfeiçoamento da engenharia e da ciência, a humanidade passou a ter interesse a bens materiais e imateriais antes jamais imaginados e a ordem jurídica passou a intervir e proteger o que até então era esquecido. Proteger esses bens que passaram a ter valores econômicos. Bens e coisas que a sociedade civil e assim também a política passou a buscar sua apreensão.
Na ordem planetária os pactos internacionais são celebrados objetivando a tutela de posse econômica de bens dispostos pelo espaço físico e etéreo ao alcance do homem, mesmo que muitas vezes são esses acordos disfarçados em objetivos outros. Mas é a sua apreensão para a utilização econômica que está em evidencia e se pretende.
Vale lembrar que a posse é constituída por dois elementos indispensáveis, o corpus e animus, porém o fator econômico está intrínseco à natureza de ambos. Ou seja, o ímpeto econômico subliminar é que conduz à posse, isto, o interesse de ter para si a coisa, tornando-se o interesse moral que constitui a posse jurídica.
De outra parte, a propriedade é ficção. Não é o fato concreto e real que a posse revela e se concretiza. É uma elucubração técnica aperfeiçoada no tempo, que visa a garantia perene e permanente do que se busca possuir.
 
 Daí, o ideal é posse  e a propriedades estarem juntas, de forma que o fato se concretize e se reconheça de modo firme e constante através da ficção, pois a posse é a expressão econômica real da propriedade.
Daí não será exagero patentear que é a posse jurídica que trata-se do verdadeiro direito natural. Do verdadeiro aspecto inerente a natureza humana que a sociedade deva garantir. Garantir a propriedade com interesse na posse.
 Não é a propriedade que irá gerar o bem comum, a vida digna proposta pelo Estado contemporâneo, mas é a posse, sua expressão concreta de riquezas. A propriedade é apenas um título, um reconhecimento jurídico.
 
 
 
A  propriedade modernamente trata-se de direito elementar a pessoa porém, por essa mesma condição, não pode ser mais encarada de modo absoluto. Conseqüentemente, a posse não pode ser exclusivamente destinada a favorecer o ser, excluindo-se o coletivo, ou destinada ao coletivo, excluindo-se o ser individual que compõe e integra o coletivo. O bem comum a que o Estado se propôs deve ser o mote, objetivado no exercício dos direitos, inclusive na posse jurídica dos bens naturais ou não.  
Fica patente que a posse  é direito verdadeiramente  natural que precede a existência jurídica do próprio instituto jurídico e deve estar ao alcance de  todos, de modo que deve cumprir um papel social.  O caráter social  desse direito justifica a sua proteção. Visto assim, não haverá porque dizer que a posse está fadada a ser ”condenada a sofrer a maldição das controvérsias” , pois pelo menos quanto a sua defesa, ficará patente que esta existe em razão da paz social e do interesse público e não pelo critério individualista do possuidor.
A função social da posse é fundamental para que a par de sua auto proteção tenha a proteção jurídica da sociedade e a sobrevivência do instituto como tal, de modo que não cumprindo essa finalidade, estará as avessas contra o direito e não poderá ter sua proteção.
Toda a proteção jurídica que o direito estabelece à propriedade, e dispensa à tutela social, harmonizando os interesses do proprietário com os da coletividade, está materializando a tutela da posse e da sua função social. Tutela o conteúdo econômico e nesse norte, por ser a propriedade como tal mais abrangente, dada a ficção jurídica que representa, a normatização é bem ampla, mas o resultado é diretamente sentido por seu aspecto econômico de utilização, que é a posse jurídica, como sempre dito.
A função social relaciona-se com o uso da propriedade, alterando, por conseguinte, alguns aspectos pertinentes a essa relação externa que é o seu exercício,  ou seja, a função social da propriedade depende da função social da posse jurídica  que é o verdadeiro centro da  função jurídico social dos direitos reais.
 
O apossamento indiscriminado de riquezas vem paulatinamente causando o trauma que está promovendo a crise política de um modo geral, no âmbito interno e sob a vista internacional, na crise continuada da paz mundial que não se atinge, a despeito de esforços de ordem jurídica e político serem ultimados nos últimos anos. 
No âmbito interno, o aspecto econômico da posse é fundamental para se compreender a crise política que atravessa o Estado nacional.
 
 
Com base na legislação, valendo-se dos preceitos legais impostos pelo mesmo poder político em crise, temos em relação aos bens, classificação tradicional que, dentre tantas categorias, os destacam em  móveis, imóveis, públicos, privados, e os sub classifica-os em rurais e urbanos, sobre os quais incide a posse jurídica. 
Assim, interessante que a análise se dê, entre a posse jurídica e os aspectos econômicos de sua incidência ou não sobre ditos bens, segundo a classificação tradicional arrolada. 
Com relação aos bens móveis, tratam-se de utilidades naturais ou produzidas pelo trabalho que nem sempre são colocadas a disposição de todos, em razão da incidência de valores que as massas populares não se situam em condições de aquisição, excluindo-as do direito natural de mínima dignidade, como estatuído na Magna Carta. 
Daí, num lance rápido, no final da ponta da escala social, surge a fome, e desta, os anseios frustrados. Quem trabalha e é mal remunerado não alcança o poder de possuir e quem não trabalha, se distancia ainda mais. A posse jurídica serve apenas às castas privilegiadas e não a totalidade universal prevista nos documentos elaborados pelo poder político social.
O trauma econômico da má gestão possessória causa o trauma político, impondo a insegurança material e a ineficiência jurídica real. “A multidão deve exercer a soberania por ser mais forte que a minoria; não existe justiça nem razão nas prerrogativas pelas quais certas classe pretendem mandar e todas as outras obedecer-lhes... A multidão poderá opor-lhes uma razão muito justa: Nada impede que a multidão seja mais forte e mais rica que a minoria, não individualmente, mas em massa, “leciona a doutora Cristiane Rozicki . 
Com relação a posse jurídica, a  que  se limita a apresentação do tema, surge o impasse, traumatizando o funcionamento da organização social Acrescentando-se serviços que as multidões não se valem, pelos mesmos motivos que contrariam a justiça social, decorre daí a insatisfação da sociedade e fica legitimada a crise que existe. Crise política que promove a degradação social com a prevalência da insegurança jurídica, miserabilidade em expansão e violência incontrolável. Na outra ponta, a posse jurídica mal gerenciada por poucos que excluem muitos.
Não há com se tutelar a posse para alguns, beneficiando grupos, castas ou sociedades diferenciadas e criando privilégios em desacordo com a harmonia que o poder político deve impor. A sociedade política estrutura-se de forma a limitar os seus integrantes e deixa-los alheios a usufruir as riquezas.  A revolta das massas conduz a libertação, que se dá pacificamente em harmonia jurídica, valendo-se dos instrumentos políticos criados pela própria sociedade, ou pela força, conduzindo a mudança da estrutura da sociedade política e do exercício da posse jurídica. A guerra civil disfarçada eclode no dia a dia e abre justificativas para a prática do que a doutrina estabelece como sendo direito a revolução. Uma realidade indisfarçável que se constata diariamente no Brasil, onde a revolta dos excluídos do direito de exercerem minimamente a posse jurídica de bens indispensáveis a vida digna contemporânea, se dá através de “arrastões “ promovidos por comandos criminosos entre outras tantas manifestações sociais. 
O Estado que agrega a sociedade natural como sua criação, passa a ter direitos e obrigações a semelhança dos integrantes do corpo social.  A legitimidade de seu poder de império se dará na proporcionalidade que esse poder for dirigido para o destino de beneficiar a sociedade, que para tanto, dependerá da justiça social, cujo mediador sempre será o próprio Estado. “O bem do individuo não constitui o fim último do Estado, mas sim o bem comum” Daí, a função social da posse ter relevante papel no equilíbrio e harmonia da sociedade política e seus integrantes.
A diferenciação se dá igualmente com relação aos bens imóveis. A posse jurídica não está cumprindo uma função política adequada aos interesses gerais. “O bem-estar social é o bem comum, o bem do povo em geral, expresso sob todas as formas de satisfação das necessidades comunitárias. Nele se incluem as exigências materiais e espirituais dos indivíduos coletivamente considerados; são as necessidades vitais da comunidade, dos grupos, das classes que compõe a sociedade. O bem-estar social é o escopo da justiça social a que se refere nossa Constituição... O apossamento de bens imóveis por poucos está levando multidões a deixarem de ter  condições mínimas para moradia urbana ou condições para terem terra para habitar na zona rural. É a realidade econômica da posse contemporânea que não pode passar despercebida.
 Está claro que contemporaneamente a função social da posse jurídica imobiliária urbana se encontra atrofiada, sendo mera balela mentirosa a sua eficácia, posto que é notória a situação de milhões de brasileiros despojados do mínimo direito de acesso a habitação digna. “Fácil concluir que, para esta função social atingir sua finalidade, devem ser assegurados, dentre outras coisas: acesso de todos à moradia; justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do processo de urbanização; urbanização da população de baixa renda; a proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e construído” Não basta mera declaração jurídica no sentido da exigibilidade da função social da propriedade, se o uso da propriedade, que se dá pela posse, sua expressão econômica, não foi democratizada nas cidades e na zona rural.
 
 
A situação que se informa de elevado disparate, tem variantes em razão das dimensões dos aglomerados urbanos, serem pequenas vilas, cidades, metrópoles; da localização regional,encontrar-se no sul, norte, nordeste etc. Peculiaridades próprias acentuam ou amenizam o problema, mas de um modo geral, a concentração da propriedade urbana cada vez mais elitizada,  promove a injustiça social e a mesma crise política já referida. 
No campo, a mesma situação de clamor social ocorre. Não há justiça social em razão de ignorar-se a função social da posse. A posse jurídica a serviço de uns, excluindo a maioria dos poucos que ainda se atrevem a viver na zona rural. É a situação contemporânea resultada de processo histórico, que advém muito antes do descobrimento do Brasil, revelando claramente que a terra é sinônima de poder.  Durante mil e cem anos o feudalismo era embasado em propriedades rurais. Os nobres e a hierarquia da Igreja Católica se apoiava no feudalismo. Os senhores feudais comandavam pois dispunham do poder político decorrente da terra. Essa mesma concepção foi adotada no Brasil, vinda pelos colonizadores e perdura até os nossos dias, sem que a posse cumpra a sua função social a despeito de normas que assim declaram de modo impositivo.
A situação levou a formação de movimentos messiânicos e políticos para reverter, de modo organizado ou não promover a função social da posse jurídica da terra. Assim se deu com as lutas lideradas por Antonio Conselheiro, em Canudos; pelo Monge José Maria em Santa Catarina; pelas ligas camponesas sob a liderança de Francisco Júlião no nordeste brasileiro e agora mais recentemente pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra entre outras guerras e revoltas catalogadas na história oficial.  
O valor econômico da posse pode até encontrar estribo na própria doutrina social da Igreja  Católica Apostólica Romana, que se considerar-se a opção do povo brasileiro que  se declara constituir a maior nação nessa religiosidade, encontrará a legitimação  suficiente para imediatamente se aplicar a justiça social estabelecendo critérios para o exercício social da posse.  “Ninguém tem o direito de reservar par o seu uso exclusivo  aquilo que é supérfluo, quando a outros falta o necessário. “ 
Enfim, o problema fundiário urbano e rural que se observa, provocando conflitos possessórios que estão causando traumas diversificados e conhecidos por todos, tornando-se realidade do dia a dia do campesino e do citadino, se apóia na posse socialmente injusta e dela decorre. Suas causas surgem do próprio gerenciamento do poder político que se desvia da finalidade para qual foi criado. O corpo social busca no Estado a tutela e os instrumentos para alcançar o bem comum, no entanto, seus administradores, instruídos pelo poder econômico, com esteio na composição da terra urbana e rural, exercem suas atividades voltadas para o bem daqueles com quem mantém compromissos. Por outras palavras, o Estado contemporâneo é culpado também pela crise política porque dela participa, deu causa e não tem disposição de impor alterações.
Imóveis públicos servem de reservas técnicas para que o Estado promova ações deliberadamente destinadas a servir interesses que nem sempre irão ao encontro dos interesses populares,  contornando com habilidade qualquer movimento que tenha por fim a promoção do fim social da posse jurídica.
 
A posse jurídica tem por dever natural e por obrigação reconhecida juridicamente, como já exposto, cumprir a sua função social. Logo, a posse jurídica para cumprir a sua função social deverá atingir o fim social a que se dispõe. Esse fim permitira o cumprimento da função social que por sua vez, permitirá igualmente que a propriedade, com quem repete-se, deve andar junto, cumpra a sua função social. “ A função social da posse situa-se em plano distinto, pois, preliminarmente, a função social é mais evidente na posse e muito menos evidente na propriedade, que mesmo sem uso, pode se manter como tal.(...) O fundamento da função social da posse revela o imprescindível, uma expressão natural da necessidade. “ 
Aliás, por essa dimensão é que a posse não pode se limitar a um conceito simplesmente jurídico. “Antes e acima de tudo, aduz, a posse tem um sentido distinto da propriedade, qual seja o de ser uma forma atributiva da utilização das coisas ligadas às necessidades comuns de todos os seres humanos, e dar-lhe autonomia significa constituir um contraponto humano e social de uma propriedade concentrada e despersonalizada, pois, do ponto de vista dos fatos e da exteriorização, não há distinção fundamental entre o possuidor proprietário e o possuidor não proprietário, “ com bastante pedagogia expõe Hernandez Gil.
  
 ( Monumento aos Sem Terras mortos no massacre de Eldorado dos Carajás )
Surge pois a real função da posse, que não se reduz  a simples efeito de cooptação de riquezas e conseqüentemente, de fundamentação do poder político, sendo uma concessão à necessidade, no dizer de Luiz Edson Fachin  com destaque especial para a transformação social da história econômica. O Estado para tanto, em prestígio a posse jurídica e ao seu fim social, dispõe de meios jurídicos para coloca-la no rumo, quando por desvios a rota de opção não estar na direção da consecução do fim social a que deva se destinar. Os interditos, a desapropriação e o usucapião são exemplos típicos desses instrumentos e do prestigio do instituto em homenagem ao fim social.
Daí, pelo exercício do bom direito, a posse jurídica justa, no âmbito da justiça social verdadeira, não dará condições para que haja com legitimidade transgressões a ordem jurídica, pois o bem comum estará privilegiado e qualquer violência jurídica ou física, inoportuna na origem, não terá respaldo popular. Pela situação justa, não haverá saques, pois não haverá fome; não haverá ocupações imobiliárias, pois a vida digna mínima será democratizada, de forma que, pelo menos todos tenham sua habitação, seu emprego, e se valham de serviços públicos mínimos.
 
A função social da posse jurídica se faz sentir com maior intensidade, nas sociedades  menos complexas. Prevalece o espírito da solidariedade entre os integrantes do corpo social, sem que a mesquinhez do tomar para si do possuidor faça com que, a posse jurídica rume em direção da injustiça social. “ No que tange à auto-administração e organização dessas comunidades, observarmos que a convivencia dos quilombolas em suas comunidades é regulada por normas consuetuninárias onde a terra é utilizada em comum. Cada família utiliza um espaço próprio respeitado por todos. Existe assim uma individualização ideal do espaço de uso familiar (local de moradia, horta e roça familiar ) ao lado de espaços de uso coletivo do grupo, sobretudo onde se realizam as manifestações religiosas e culturais e mata onde se pratica o extrativismo, que não leva porém ao parcelamento do imóvel. “ 
A cultura quilombola ao longo dos tempos e do isolamento, deu à posse jurídica o destino comunitário na essência e desse modo, encontrou a justiça social da sociedade para os seus membros.  A solidariedade não se revela, de outra parte, somente em relação a posse jurídica, sendo o trabalho agrícola outra expressão da comunidade aludida. Mas o que importa ressaltar é que a posse bem direcionada, quase que em seu estado natural primitivo, conduz a paz social. Não se quer aludir, a fantasia de condução  ao paraíso terrestre, mas a harmonia que a sociedade vive coletivamente e os seus integrantes buscam é encontrada.
O lúcido professor Manoel  Gonçalves Ferreira Filho, leciona que modernamente  a humanidade tomou consciência de novos direitos que conduzem a qualidade de vida, os quais por falta de melhor nomenclatura, são indicados como direitos a solidariedade, ou fraternidade, postos no grau de direitos fundamentais.  Dessa ordem que encampa de outros pensadores modernos, refere-se inclusive ao direito ao meio ambiente, aludindo que muitas são as Constituições que declaram o dever público da preservação desses valores ambientais. “ Os seres humanos estão no centro das preocupações como o desenvolvimento sustentável. Tem direito a uma vida saudável e produtiva em harmonia com a natureza.”
 
Essa solidariedade que o insigne constitucionalista se refere leva a função social da posse jurídica aqui tratada. Leva as sociedades primitivas, como as quilombolas acima referidas, ou indígenas, ou de ciganos ou tantas outras, espalhadas pelo planeta, que sobreviveram a complexidade própria dos últimos séculos, e mantém a forma simples de postura política social interna, que destinando a posse jurídica a verdadeira e natural função social, inconscientemente conduzem a sustentabilidade da natureza, mantendo com a solidariedade, o ser humano como principal ator do desenvolvimento social e orgânica da comunidade. 
 “A Comunidade Quilombola dos Mandiras (Vale da Ribeira – Litoral Sul de SP), habitada por remanescentes de quilombo desde o século XVII numa área de 610 alqueires doada pela filha do senhor de escravos a seu meio irmão negro desenvolve a atividade extrativista de ostras”. Ao seu modo peculiar, num exemplo sui generis de cooperativismo, essa comunidade mantem os traços culturais de destinar a posse comum determinadas coisas e ações, e a posse exclusiva para outras, como já assinalado, mas sempre considerando a sustentabilidade, pois sabe que da natureza dependerá para a sobrevivência contemporânea e dos sucessores de seus membros.
Não se pretende se quer insinuar que a complexidade política ou o progresso impedem a paz social que é facilmente encontrada nas sociedades rudimentares referidas, mas a entidades coletivas complexas, estão tão mal conduzidas, de um modo geral, que desviadas do destino proposto, não alcançam o bem comum, ou seja o fim do Estado e, como se percebe, não levam a posse jurídica a função social indispensável para a justiça social e paz da comunidade.” Para Engels, na comunidade primitiva, seja ela a gens dos Romanos ou as tribos dos Iroqueses, vigora o regime da propriedade coletiva. Como o nascimento da propriedade individual nasce a divisão do trabalho, com a divisão do trabalho a sociedade se divide em classes, na classe dos proprietários e na classe dos que nada tem, com a divisão da sociedade em classe nasce o poder político, o Estado, cuja função é essencialmente a de manter o domínio de uma classe sobre outra recorrendo inclusive à força, e assim a de impedir que a sociedade dividida  em classes se transforme num estado de permanente anarquia, “  leciona Bobbio
Anote-se que nas sociedades primitivas lembradas, o direito de propriedade é incipiente.Para terceiros, alheios ao corpo social, prevalece o direito de propriedade, como se dá com as terras indígenas, as sociedades remanescentes de quilombos ou até acampamentos permanentes de ciganos, mas internamente, a posse jurídica é  dominante nas relações entre os integrantes do corpo social, de modo que se a função social fosse apenas uma qualidade intrínseca do direito de propriedade, a harmonia social interna desses grupos sociais não se daria como  se observa.
 
 
Não se pode desprezar a idéia de que, além do Estado contemporâneo complexo ter se desviado do fim teoricamente proposto, a complexidade de sua governabilidade,  diante do poder difuso, “cada vez mais difícil de ser reconduzido à unidade decisional que caracterizou o Estado de seu nascimento ao de hoje“ que permite desvios de condutas que se propalam do nascedouro da ordem política a execução administrativa, fazendo com que, a função social da posse, não se realize e conseqüentemente impeça a justiça social perseguida e não propicie a harmonia e a paz social. 
Enfim, a função social da posse  será sempre a sustentação da função social da propriedade, já que esta é tipicamente jurídica e aquela fática e sobre essa função social, haverá de se apoiar, não apenas o direito de propriedade justo, mas todo o ordenamento jurídico do Estado, de modo igualmente justo ou não.

Roberto J. Pugliese
pugliese@puglieseadvogados.com.br
presidente da Comissão de Direito Notarial e Registros Públicos da OAB-SC 

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