NATUREZA JURÍDICA DA ORDEM DOS ADVOGADOS
DO BRASIL.
Homenageando o dia 11 de Agosto,
data que se comemora o dia do advogado, apresento parecer elaborado a pedido de
Norberto Schwartz, emérito diretor da Faculdade de Direito de Joinville, no
sentido de opinar sobre a natureza jurídica da Ordem dos Advogados do Brasil,
sendo certo que são diversos e variados as interpretações e entendimentos a
respeito.
Da natureza jurídica da OAB
Os registros históricos revelam
que o Imperador D. Pedro II, em 7 de
agosto de 1843, aprovou os estatutos do Instituto da Ordem dos Advogados
Brasileiros na presença de altas autoridades da Corte no Rio de Janeiro,
cabendo ao Conselheiro Montezuma, primeiro presidente do Instituto, discursar
já pregando a arregimentação da classe, por um grandioso objetivo, no dizer de
Rui de Azevedo Sodré, (1) de num breve espaço de tempo, desvincular a
instituição de qualquer liame com o Estado. Patente fica que a organização
criada mantinha vínculos estreitos com o Estado Imperial. Registre-se que antes
da aprovação do Instituto, a profissão era então regulada diretamente pelo
Poder Público. (2)
Daquela data em diante, os
advogados incorporados ao novel Instituto a quem cabia representar a classe,
tiveram ao longo dos anos, inúmeras iniciativas no sentido de tornar a
Corporação independente do Poder Público, a desvinculando por completo do
Estado. Os historiadores anotam que Caetano Alberto e Perdigão Malheiros, assim
também José de Alencar e Nabuco de Araújo, ainda no Império já lançavam
projetos para instituir-se a Ordem, como verdadeira corporação independente,
nos moldes da similar instituição de França. ( 1 )
Interessante que durante os
períodos de estabilidade democrática no Império e na República, todas as
iniciativas não tiveram o êxito para consolidação do intento pretendido. No
governo provisório, entrementes, por articulação política célere, incluiu-se o
artigo 17, no Decreto n.19.408 que
reorganizava a Corte de Apelação do Distrito Federal, criando-se assim, a Ordem
dos Advogados do Brasil.
A criação, como se percebe se
deu igualmente de forma institucional, de modo que, à época, não se desvinculou
do Estado. Integrante do Estado, denota-se características jurídicas que lhe
impõe as condições de entidade especial ou, como a maioria dos interpretes
ditam, lhe conferem a natureza
autárquica. A Ordem então
trata-se de serviço público federal e tem suas contas fiscalizadas pelo
Tribunal de Contas da União.
A despeito da legislação, não
foram poucos os que se insurgiram a essa condição, de forma que, ajuntando
questionamentos e posicionamentos dos mais amplos e fundamentados, já antes da metade do século passado, não mais
se reconhecia essa condição estatizada da corporação.
Em 1963 a lei 4.215 veio a ser
promulgada, cujo texto original fora encaminhado ao Congresso em 1956, expressando seu artigo 139, que nenhuma
disposição legal, referente as autarquias e entidades paraestatais, poderia ser
aplicadas a OAB. A lei vigorou até bem recentemente, atribuindo o seu conteúdo,
a missão de organizar a profissão dos advogados, impondo-lhe o dever de
fiscalizar o exercício e punir seus inscritos, bem como o de cobrar-lhes
obrigações pecuniárias pelo poder de policia e representação.
Deve ser reconhecido que os
estatutos então promulgados levavam o intérprete a divagações que permitiam considera-la
autarquia ou pelo menos autarquia especial, posto que seu artigo primeiro,
ditava tratar-se de “órgão “, em afronto os dizeres contidos no artigo 139. (2)
No dizer do Desembargador Amorim
Lima, a OAB não poderia ser enquadrada
como entidade sindical, pessoa jurídica de direito público ou privado ou
entidade autárquica ou paraestatal, estando alheia aos quadros da organização
jurídica do país. ( 1) Mesmo assim, para as autoridades públicas, a Ordem
deveria ser interpretada como autárquica, notadamente após a implantação do
regime que decorreu do golpe de 1964.
Em 1967, decreto expedido pelo
governo militar, vinculou a OAB ao Ministério do Trabalho. Sem pestanejar, de
imediato, juristas de todos os quadrantes se rebelaram, levando ao Judiciário
decidir, em plena ditadura, contra os militares que pretendiam vincular os
advogados, cassando-lhes a independência. Decreto presidencial excluiu a OAB do
Ministério, evitando o pior, no dizer do
inesquecível Laudo de Almeida Camargo. ( 1)
Não satisfeitos, a seguir, o
governo militar pretendeu vincular a
Ordem novamente no Ministério do
Trabalho, com fundamento na Lei Orgânica das Profissões Liberais. Raimundo
Faoro, brilhante causídico inesquecível foi quem lavrou parecer que derrubou
tão malsinada interpretação. (1 ) Antes, já investira em projeto de lei no
sentido de vincula-la no Ministério da Justiça, não encontrando as autoridades
ditatoriais de então respaldo bastante para esse fim.
Percebe-se nesse histórico que a
Ordem, sempre independente, teve por parte dos que temiam essa liberdade,
interpretações para considera-la uma autarquia federal, louvando-se na
ambigüidade legislativa referida. (2)
Hoje, na vigência dos estatutos
regulados pela lei 8.906/94, não há mais porque discutir-se a natureza jurídica
da Ordem. Não há razões para leva-la à qualquer vínculo estatal, atribuindo-lhe
condição autárquica, mesmo que especial.
A visão moderna do direito,
implica na salvaguarda do regime democrático pleno e conseqüentemente, da
preservação das garantias fundamentais, motivando assim, que o advogado esteja
suficientemente independente para defesa de direitos particulares e privados e
coletivos, sociais e públicos. ( 3) Não pode pois o advogado permanecer preso
ao Estado, pois sua liberdade estaria atrofiada para exercer o mister que se
lhe atribui. E a OAB é que representa esses profissionais, igualmente tem que
estar tão livre ou mais, para cumprir o múnus que se impõe à classe que
congrega. (3)
A independência, como condição
inerente a profissão, projeta-se sobre a classe de forma a exigir que a
corporação que congrega os profissionais, igualmente se destaque pela
independência e condições para exercer seu papel institucional e corporativo,
de forma a não se coadunar com qualquer aproximação de vínculo estatal. ( 4)
“A defesa da classe dos advogados, dos direitos humanos, da justiça
social e do Estado Democrático de Direito, encartada nas finalidades da OAB
previstas no art. 44 do Estatuto, pressupõe o virtual conflito com o Poder
Público”, leciona muito bem o professor Paulo Netto Lobo. (2) “O serviço público que caracteriza a Ordem é
aquele que decorre do cumprimento de seus objetivos institucionais, elencados
no inc. I do art. 44,... “( 4)
Decorre pois, que o artigo 44
dos estatutos, dispondo que a Ordem trata-se de serviço público, quer dizer que
esse serviço é gênero do qual o serviço estatal é espécie. Serviço público não
significa necessariamente, serviço estatal. (2) Anote-se que entre outras
atribuições comedidas à OAB, a sindical lhe é peculiar, o que significa, que a
independência é fundamental, nos dias atuais. ( 5 )
Enfim, valendo-me da breve
história da corporação e da legislação contemporânea, e principalmente,
apoiando-me nas lições de juristas de estirpe, entendo que a Ordem dos
Advogados do Brasil, não se trata de autarquia, mesmo que especial, outrossim,
de serviço público independente, classificado de forma sui generis, submetida ao direito público , quando no exercício do
poder de polícia interna da profissão e dos profissionais e em especial, quando exerce o múnus previsto
nos estatutos, no sentido de defesa de direitos coletivos, abstratos e gerais e
ao direito privado, quando cumpre as demais competências que lhe foram cometidas.
O entendimento exarado,
atualmente é acompanhado pelo próprio Conselho Federal da Ordem. (2) (4)
Este é, s. m. j. o meu entendimento
e o parecer que submeto a apreciação de Vossas Excelências.
São Francisco do Sul, 3 de
Setembro de 2003.
Roberto J. Pugliese
Professor.
Obras consultadas:
(1)
Rui de Azevedo Sodré
Etida
Profissional e o Estatuto do Advogado
LTR
(2)
Paulo Netto Lobo
Comentários
ao Novo Estatuto da Advocacia e da OAB
Brasília
Editora
(3)
Roberto J. Pugliese
A
Constituição, a advocacia e o advogado
Editora
Revistas dos Tribunais – Vol 713
(4)
Gisela Gondim Ramos
Estatuto
da Advocacia – Comentários Jurisprudência
OAB/
Sc - Editora
(5)
Washington Luiz da Trindade
A importância do Advogado para o Direito, a
Justiça e a Sociedade
(
as funções sindicais da Ordem dos Advogados do Brasil )
Editora
Forense
Dedicado
à lembrança do inesquecivel professor Norberto
Schwartz.
O
Expresso Vida divulga o parecer elaborado anteriormente submetendo esse
entendimento a melhor cultura e censura de seus sabidos leitores.
Por oportuno, insta lembrar que desde 1988, a OAB trata-se de instituição
prevista no texto Constitucional dada a relevância de suas atribuições e vem
sofrendo com repetidos atos e ações dos
poderes públicos, especialmente de iniciativa do Poder Executivo Federal,
sérias ameaças visando seu enfraquecimento e desmoralização dos profissionais
que integram seus quadros.
É do conhecimento público que os advogados corajosamente sempre
se entrincheiraram em defesa do bom direito e souberam com denodo combater o
bom combate, sem qualquer receio de suas posturas, as quais em momentos
históricos, foram as únicas tribunas dos mais frágeis e desvalidos. As únicas tribunas em defesa do estado
democrático de direito.
Enfim, a hora é agora para que os
cidadãos que buscam o direito em todas suas expressões fortaleçam os advogados
e a Ordem, de modo a preservar o estado
de direito e a ordem jurídica democrática.
Vale lembrar: Sem advogado não
haverá justiça !
Editor
Cidadão
cananeense
Presidente
da OAB-To-Gurupi por 2 mandatos consecutivos.
Secretário
adjunto da Comissão de Direito Notarial e Registral do Conselho Federal da OAB
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