O povoado gostava de dança e até importava tecidos ingleses. Daquele tempo, restou o cemitério
Decio Viotto
Ao som da viola e da sanfona, a comunidade se reunia na praça central, no início do século, para dançar fandango. Era um momento solene para os mais de 500 moradores de Ararapira, uma vila situada a leste do Estado do Paraná. Solene e arriscado, principalmente para as solteiras. Não podiam recusar um convite para bailar. Quem ousava fazê-lo levava um tapa no rosto. Do pai ou do pretendente. Hoje muitos desses personagens estão sepultados, lado a lado, no cemitério do vilarejo, o único testemunho dos tempos de folguedos na rua. Ararapira tornou-se uma cidade fantasma. Seu último habitante faleceu há seis meses: a sexagenária Diva Barca morreu afogada, em maio, quando seguia para Paranaguá, distante duas horas de barco – ou 80 quilômetros por terra. Uma tempestade virou a canoa. A casa da derradeira moradora permanece intacta e fechada desde o dia de sua morte. As residências que não estão abandonadas exibem portas e janelas cerradas. A Igreja de São José, construída no fim do século XIX, ainda conserva os bancos de madeira e as imagens no altar singelo. Mas não há missas, nem padres, nem fiéis. O vilarejo foi fundado em 1850, quando quatro famílias se estabeleceram na região, um beco geograficamente estratégico: de um lado do braço de mar está Ararapira, no Paraná; de outro, a Ilha do Cardoso, em São Paulo. No apogeu, entre as décadas de 40 e 50, a vila oferecia até tecido inglês no armazém. O forte era a comercialização de farinha, arroz e peixe seco, levados para os municípios paranaenses de Guaraqueçaba e Paranaguá. O lugar era também reduto de bêbados, que de tempos em tempos lotavam a única cela da delegacia. Na festa do padroeiro, São José, em 19 de março, eles passavam dos limites. Ararapira mergulhou numa irremediável decadência com a construção do Canal do Varadouro, em 1953, para a formação da ilha artificial de Superagüi. Em 1989 a área foi transformada em parque nacional e dez anos depois declarada Patrimônio Natural da Humanidade. A região é uma das mais bem conservadas da Mata Atlântica. Integra o Complexo Estuário Lagunar de Cananéia–Iguape–Paranaguá. O rigor das leis de preservação e a inexistência de projetos turísticos restringem as possibilidades de sobrevivência no local. A situação persiste desde que as águas invadiram o vilarejo, forçando famílias a seguir para outras cidades. Muitos comerciantes e pescadores tornaram-se favelados, mas fazem questão de ser sepultados em Ararapira. Foi o caso de Maria Pires, enterrada em agosto, aos 87 anos. O cemitério é o único elo entre a vila e seus ex-habitantes. Dias antes do feriado de Finados, eles capinam a trilha. Retornam no dia 2 para acender velas e rezar para os mortos. E partem de novo
Conselho Editorial (inspirado) Carlos H. Conny, presidente; M. Covas, Miguel S. Dias, W. Furlan, Edegar Tavares, Carlos Lira, Plínio Marcos, Lamarca, Pe. João XXX, Sérgio Sérvulo da Cunha, H. Libereck, Carlos Barbosa, W. Zaclis, Plínio de A. Sampaio, Mário de Andrade, H. Vailat, G. Russomanno, Tabelião Gorgone, Pedro de Toledo, Pe. Paulo Rezende, Tabelião Molina, Rita Lee, Izaurinha Garcia, Elza Soares, Beth Carvalho, Tarcila do Amaral, Magali Guariba, Maria do Fetal,
25 outubro 2011
Ararapira, a cidade fantasma - por Décio Viotto.
Advogado, paulistano, professor de direito, defensor de direitos humanos. Bacharel pela PUC -SP em 1974, pós graduado em Direito Notarial, Registros Públicos e Educação Ambiental. Defensor de quilombolas, caiçaras, indígenas, pescadores artesanais... Edita o Expresso Vida.
Autor de diversos livros jurídicos.São incontáveis os artigos jurídicos publicados em revistas especializadas, jornais etc. Integra a Academia Eldoradense de Letras,Academia Itanhaense de Letras. Titular da cadeira nº 35 da Academia São José de Letras. Integra o Instituto dos Advogados de Santa Catarina. É presidente da Comissão de Direito Notarial e Registros Públicos da OAB-Sc. Consultor nacional da Comissão de Direito Notarial e Registraria do Conselho Federal da OAB.Foi presidente por dois mandatos da OAB-TO - Gurupi. Sócio desde 1983 do Lions Clube Internacional. Diretor de Opinião da Associação Comercial de Florianópolis. Sócio de Pugliese e Gomes Advocacia. CIDADÃO HONORÁRIO DA ESTANCIA DE CANANÉIA, SP.
www.pugliesegomes.com.br
Residente em Florianópolis.
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