16 dezembro 2015

O Brasil parou: até quando?


 

OMELETE HOMÉRICO.

 

Com o privilégio de transcrever o texto como sempre bem elaborado pelo professor Sérgio Sérvulo da Cunha, o Expresso Vida mostra aos ilustrados leitores a abordagem jurídica a respeito da missão que cumpre ao Excelso STF em examinar a ação proposta pelo Partido Comunista do Brasil, lembrando que o comentarista foi autor da peça judicial-política que culminou com o pedido e processamento de impedimento do presidente Collor.

 

Vamos ao texto:

 

A ADPF 378

Ao dispor sobre a responsabilização do presidente da República, a Constituição brasileira (1988) mandou que se editasse uma lei, definindo os crimes de responsabilidade, e estabelecendo as normas do respectivo processo e julgamento (art. 85, parágrafo único).

Essa lei não foi feita até hoje.

No processo de responsabilização do presidente Collor (1992), aplicou-se a lei 1.079/1950, editada na vigência da Constituição de 1946. Provocado pelo acusado, em mandados de segurança, o STF entendeu que essa lei poderia ser aplicada, a não ser nos pontos em que fosse incompatível com a Constituição de 1988.

O mesmo poderá ser dito agora, no processo de responsabilização da presidente Dilma.

Alega-se também que essa lei é lacunosa; por exemplo: ela não diz como se elegem os membros da Comissão Especial da Câmara, se por voto ostensivo ou por voto secreto. Parece-me que, seja havendo, seja não havendo, tecnicamente, o que se chama de lacuna, incide na hipótese o Regimento Interno da Câmara, que manda utilizar, em toda eleição, o voto secreto. O que está discussão não é qual o sistema mais conveniente, mas qual a norma que incide.

Durante seu processo de responsabilização, o presidente Collor impetrou cinco mandados de segurança perante a Suprema Corte. Como é sabido, o mandado de segurança é uma garantia individual, assegurada constitucionalmente, para a defesa de direito líquido e certo ofendido por ato de autoridade. 

Acontece que no dia 3 de dezembro último, o Partido Comunista do Brasil ajuizou uma arguição de descumprimento de preceito fundamental (esse instrumento de controle da constitucionalidade, que só pode ser utilizado perante o STF, não estava disponível em 1992, e só veio a ser disciplinado em 1999, com a lei 9.882).

Em longa petição (74 páginas), depois de apontar várias inconsistências da lei 1.709, o PC do B formulou seu pedido, que assim resumiu: “o propósito da presente ADPF é, sobretudo, pedir que a Corte realize a adequada harmonização entre os sistemas constitucional e legal, esclarecendo quais normas se mantêm em vigor e quais foram revogadas, bem como a forma como as remanescentes devem ser interpretadas para se adequarem ao que dispõe a Constituição da República.”

Esse pedido desdobra-se em dezesseis itens, cada um dos quais exigirá acurado exame por parte dos senhores ministros, no momento do julgamento. Ao apreciá-lo, o STF não excederá sua competência se não inovar normativamente, limitando-se a estabelecer a harmonização que está sendo requerida.

Entretanto, o que irá a julgamento na 4ª. feira, dia 16, não é a ADPF em sua totalidade, mas apenas uma parte, embutida nela, em que se pede uma medida cautelar, a qual, por sua vez, se desdobra em onze itens. Também irão a julgamento dois outros pedidos de cautelar, ajuizados posteriormente. Entre eles se inclui a questão do voto, e outra, que vem sendo realçada na imprensa, sobre a indicação dos membros da Comissão Especial da Câmara (se pelos partidos, se pelos blocos partidários reconhecidos).

Também se pede que o curso do processo, na Câmara, seja sustado até a decisão do STF sobre essa matéria. O ministro Fachin, relator da ADPF e das medidas cautelares, concedeu essa suspensão até o dia 16, mas certamente esse prazo será prorrogado, porque o STF dificilmente conseguirá concluir o julgamento em uma única sessão. O ministro Fachin também manteve os atos praticados até aqui pelo presidente e pela Mesa da Câmara, mas também essa matéria será discutida.

O melhor cenário é que as medidas cautelares sejam decididas com presteza, de modo que possa prosseguir, em breve tempo, o processo de responsabilização. O pior cenário é um omelete homérico, que projete para todo o ano de 2016, tanto o processo de responsabilização quanto a instabilidade política que estamos vivendo, com reflexos nefastos na economia. ( Sérgio Sérvulo da Cunha )”

O mesmo comentarista tece noutro bem elaborado texto, considerações a respeito da Comissão Especial da Câmara e a relação com a Corte Maior.

 

         O impeachment, a comissão especial  da Câmara e o STF

 

1.   Diz a lei 1.079/1950, que dispõe sobre o crime de responsabilidade e o respectivo processo:

Após ser recebida pelo presidente da Câmara, a denúncia contra o(a) presidente da República é enviada a uma comissão especial eleita, da qual participem, observada a respectiva proporção, representantes de todos os partidos (o que significa, atualmente, 65 deputados, distribuídos proporcionalmente pelos vários partidos). A essa comissão, depois de, em 48 horas, eleger seu presidente e relator, cabe emitir parecer, dentro de dez dias, sobre se a denúncia deve ser ou não considerada objeto de deliberação. Quarenta e oito horas após sua publicação oficial, esse parecer deve ser incluído na ordem do dia, em primeiro lugar, para uma discussão única. Então, cinco representantes de cada partido podem falar, durante uma hora, sobre o parecer, podendo o relator responder a cada um. Encerrada a discussão, e submetido o parecer a votação nominal, a denúncia é arquivada, se não fôr considerada objeto de deliberação. No caso contrário, é remetida ao denunciado, que em vinte dias pode contestá-la.

A lei 1.079/1950 não diz como se faz a eleição da comissão especial. Incide, nesse caso, o regimento interno da Câmara, segundo o qual toda eleição se faz mediante voto secreto. A lei 1.079, é verdade, fala em voto nominal, mas apenas na votação do parecer da comissão, e não no momento da sua composição.

2. No início da República brasileira, era extensa a lista de atos “injusticiáveis”, tanto do legislativo quanto do executivo. Em outras palavras, eram atos considerados “questões políticas”, ou “questões interna corporis”, incluídos na discricionariedade desses poderes, não podendo, por isso, ser apreciados pelo judiciário.

Essa lista foi paulatinamente diminuindo, vindo-se a admitir mandados de segurança impetrados por parlamentares contra atos da respectiva Mesa.

Durante o processo de responsabilização do presidente Collor, o Supremo Tribunal Federal, por cinco vezes, admitiu, processou e julgou mandados de segurança impetrados, pelo acusado, contra atos de direção daquele processo; entendeu-se competente desde que se alegasse “lesão ou ameaça a direito”.

Nesses mandados de segurança discutiu-se se, no processo de responsabilização do presidente, incidia a lei 1.079/1950, anterior à nova Constituição; alguns artigos dessa lei foram tidos então como inaplicáveis, dada sua incompatibilidade com as novas disposições constitucionais; por exemplo: ao contrário do que diz a lei 1.079, entendeu-se ser competente, o Senado, para formular a acusação (juízo de pronúncia), de tal modo que a decisão da Câmara corresponderia apenas a um juízo político de admissibilidade. Quanto ao modo de escrutínio, decidiu-se pela incidência do art. 23 da lei 1.079/50, que prevê votação nominal na deliberação sobre o parecer da Comissão Especial da Câmara.

O processo de responsabilização da presidente Dilma Roussef, segundo tudo indica, será mais tumultuado do que foi aquele. Será ainda mais judicializado. E nada garante que sejam mantidas, pelo STF, posições definidas anteriormente.

Agora, por despacho liminar do ministro Edson Fachin (proferido não em mandado de segurança, mas em pedido de medida cautelar, interposta incidentalmente, no curso de argüição de descumprimento de preceito fundamental) acaba de ser sustado aquele processo, até manifestação do plenário. Sem adentrar outras considerações, o ministro entende prudente “evitar a prática de atos que eventualmente poderão ser invalidados pelo Supremo Tribunal Federal”.  

A medida cautelar proposta pelo PCdoB pretende, entre outros pedidos, que seja ostensiva – e não secreta, como se fez – a votação para escolher os integrantes da Comissão Especial.

A meu ver, seu argumento mais forte é quanto à formação de chapas para a eleição da comissão. Para o PC do B, o correto (segundo o art. 19 da lei 1.079) é que os postulantes a membros da comissão sejam indicados pelos líderes dos partidos, e não por representantes de blocos parlamentares.

Ante o despacho do ministro Fachin, o processo de responsabilização da presidente Dilma fica suspenso até a próxima 4ª. feira, dia 16 de dezembro. Mas bastará que o julgamento do STF se estenda além disso, ou que haja um pedido de vista, para que a suspensão dure mais.(Sergio Servulo da Cunha )”

E a nosoutros só resta aguardar. E ao que parece a lenga lenga irá se projetar bom longos meses, com a sociedade na espectativa aguardando que tudo se resolva para que o país volte a funcionar.

 

Roberto J. Pugliese
Cidadão Cananeense.
Autor de Direito das Coisas, Leud, 2005.

 

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