Memória nº 99
A miséria exacerbada.
Durante
alguns anos seguidos Lourenço foi coordenador geral do Instituto de Defesa da
Cidadania e Direitos Humanos com sede em São Francisco do Sul. No exercício do
cargo teve muitas e muitas atuações, a maioria das vezes contra o Poder Público
ou grandes personagens da comunidade local ou estadual. Aconteceram diversos
enfrentamentos em defesa da cidadania e dos direitos humanos, inclusive com
frequência contra agentes da policia civil e militar por abuso de direito.
Certa
vez, mandaram para o escritório de Lourenço uma senhora miserável que estava na
iminência de vir a ser despejada de seu barraco. Era costume na cidade
indicarem o seu escritório para tentar resolver problemas de pessoas
fragilizadas que não tinham à quem se socorrer e ela foi mais uma.
A
mulher, cujo nome era Catarina ou Sabrina era do interior do Estado e há quase
dez anos residia com duas crianças, seus filhos, dentro do páteo do Colégio
Estadual, nos fundos do espaço destinado ao recreio dos alunos à beira de um
córrego.
O
colégio estava passando por reforma e ao
derrubarem o mato, perceberam a existência do deplorável barracão e mandaram
mudar.
Corre
daqui e dali bateu no escritório de Lourenço que se apiedou profundamente do
drama da mãe solteira que habitava área pertencente aos domínios do Estado de
Santa Catarina.
Depois
de ter certeza da miserabilidade moral e financeira de Catarina, ou Sabrina, e
ter conhecimento que não haveria outro recurso imediato, promoveu, para ganhar
tempo um interdito em defesa da posse, por sinal injusta na forma da lei,
pedindo a proteção do barracão e seus pertences, enquanto ela iria buscar outro
canto para se arranjar com as crianças.
Na
audiência de justificação, com a presença do procurador do Estado, Magistrado e
Promotor Público, a autora deixou claro que não tinha para onde ir e que seus
familiares no interior eram muito pobres e que ela não teria como pedir
auxilio. Teria que se virar por São Francisco do Sul mesmo.
O
Magistrado consciencioso, a despeito de pressionado pelo Ministério Público e
pelo representante do Estado, deu prazo de 60 dias para que desocupasse,
explicando que o terreno era público e não haveria condição de indenizar-se
etc...
A
mulher prometeu que iria atrás de alguma solução insolúvel, e durante o mês que
seguiu voltou algumas vezes ao escritório para dizer que não tinha como
resolver.
(...)
Numa
tarde, por acaso ou coincidência, Lourenço encontrou com Dalila ou Marília, não
tem certeza do nome, que noutra ocasião havia resolvido algum problema e
lembrou-se que explorava um bar nas proximidades do porto e que, mesmo pobre
exercendo a profissão de cafetina, era de boa índole e poderia ajudar Catarina
ou Sabrina e seus filhos.
Pediu
que passe na manhã seguinte ao escritório para esclarecer melhor a situação e
tentar convencê-la em ceder um espaço no bar, pelo menos por algum tempo, para
evitar que Catarina ou Sabrine e as
crianças fossem jogadas à rua.
Também
aproveitou para pedir ao juiz do processo que desse mais trinta dias de prazo
pois, praticamente esgotado e a solução não acontecera. Levou a petição em mãos
para o despacho.
-
Doutor entendo o drama da Autora e das crianças, porém o senhor sabe que a lei
não ampara. Dou mais quinze dias e não vou mais deferir mais prazo...
Para
a alegria de Lourenço, Catarina ou Sabrina se acertou com Dalila ou Marilia, a
dona do meretrício e em tempo hábil, aquela desocupou o barracão e mudou-se.
(...)
Passado
uns três ou quatro meses, por acaso, Lourenço encontra na rua com Catarina ou
Sabrina e questiona sobre a nova morada e fica pasmo.
Sabia
que Dalila ou Marília era cafetina, que o bar era uma casa de prostituição nas
imediações do porto, junto aos estacionamento de caminhões, do páteo de manobra
dos trens e garagem de contêineres, mas desconhecia que o lugar era fedido, em
razão de soja molhada, que a frequência de homens era constante pela madrugada
à fora e que o bar era muito sujo pondo em risco a saúde de seus habitantes.
-
Não aguentei. Agradeci e estou morando...
Mudara-se
com as crianças de lá.
-
Tinha escorpiões nas frestas do quarto. Não havia lugar para as crianças
ficarem em paz. De vez enquanto havia brigas, a policia aparecia e assustava
todos...
Enfim,
um drama para a mãe e os filhos miseráveis.
Lembrança
triste que retrata a pobreza da cidade de São Francisco do Sul e de certo modo,
de Santa Catarina, já que por longa data, a mulher e seus filhos residiram
dentro do colégio e ninguém se apercebera... Aliás, é o bastante para
conclusões. É o bastante para refletir sobre a ilusão e a mentira. O bastante
para concluir que a propaganda que se propala é inverídica...
Por
esse motivo e inúmeros outros que revela a pobreza de espírito que assombra a
velha cidade histórica, Lourenço recusou tornar-se fundador, junto com outros
convidados, da Academia Francisquense de Letras, pois sem modéstia, entendeu
que se viesse a aceitar estaria prestigiando um grupo de pessoas de um lugar
culturalmente pobre que não merece o seu prestigio, quer pela arrogância, quer
pela ignorância, quer pelo egoísmo da maioria de seu povo.
Roberto J. Pugliese
Membro
da Academia Eldoradense de Letras
Membro
da Academia Itanhaense de Letras
Titular
da Cadeira nº 35 da Academia de Letras de São José.
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