Memórias nº 102
Recordações dos tempos do ginásio.
O Colégio Arquidiocesano de
São Paulo da congregação dos Irmãos Maristas, situado num imponente prédio
próximo à Igreja da Saúde, à Avenida Domingos de Moraes, foi marcante na
formação de Lourenço.
Ingressou no 4º ano primário,
cursou o Admissão, ou 5º ano Primário, por não ter conseguido ingressar direto
no Ginásio e cursou todo o Segundo Grau até sair para ingressar no Colegial no
Instituto Mackenzie, no qual matriculou-se no Curso Clássico, então
existente,diferenciado do Curso Científico, com enfoques distintos. Nessa época, talvez 1959, conheceu Correa, e
logo a seguir Antenor, cujas amizades ainda cultiva com alegria e saudades. Lá
se vão mais de cinquenta anos.
Correa torcedor do São Paulo Futebol
Clube muitas vezes o levou ao Pacaembu para assistirem jogos, junto com o seu
tio e padrinho Pedro, também são paulino. Certa vez assistiam na arquibancada
do velho Pacaembu, ao tempo da charmosa Concha Acústica, uma peleja entre o tricolor
e o Esporte Clube Corinthians e por muito pouco o tio Pedro não foi às vias de
fato com um torcedor adversário. Discussão feia que Lourenço nunca esqueceu.
Correa morava perto de sua
casa. Uns três ou quatro quarteirões separavam as duas residências. Lourenço na
Senna Madureira e Correa na Professor Frontino Guimarães, uma alameda frondosa,
sem saída, onde costumavam jogar futebol num larginho... Também jogavam taca.
Na casa do amigo, por longos
anos, Lourenço participou de campeonatos de botão, o tradicional futebol de
mesa, tão jogado pelas crianças e jovens daqueles anos. Havia o “quartão”
nos baixos, espécie de dispensa
ou porão, onde entre bicicletas, brinquedos e um montão de trecos da
família, as paredes eram enfeitadas por fotografias de cavalos e de charretes.
Correa chegou a convida-lo
para irem à Sociedade Paulista de Trote,
assistirem corridas que à época eram aos domingos e quintas feiras à noite. Porém
nunca cumpriu a promessa. E nem irá cumprir, porque a entidade fechou. O Dr.
René, o pai do amigo, cientista na área veterinária, era proprietário de um
laboratório veterinário e dava assistência a equinos e outros animais.
Recorda-se que o laboratório era então numa casa nas proximidades. Uma pequena
casa à Rua Joaquim Távora, que se transformou num complexo de proporções
ímpares instalado na região metropolitana da capital.
Eram sócios do Tênis Clube Paulista
e chegaram a ir juntos algumas vezes. Passavam o dia por lá. O pai de Lourenço
levava e voltavam à pé, no final da tarde. Caminhavam desde à rua Nilo na Aclimação e sem
muita pressa, galgavam a rua do Paraíso, a íngreme subida em direção à fábrica
de cervejas e seguiam pela avenida Domingos de Moraes...
Correa era sócio do Hotel Miami do Sul, erguido nas
proximidades da Cama de Anchieta, na Praia dos Sonhos, em Itanhaém. Mas chegou
a hospedar-se em algumas oportunidades durante algumas semanas durante as
férias escolares na casa de Lourenço.
Ao tempo que Lourenço residiu
junto à Vila Clementino, à hoje movimentadíssima avenida Senna Madureira, era apenas projeto em construção, pois uma
das vias àquela época não havia sido pavimentada. Nos dias de chuva,
aproveitava a lama e a enxurrada para construir barragens.
Recorda-se que eram suas
vizinhas duas gêmeas que vieram de Lins: Lúcia e Lígia, que ficavam na janela
vendo os jogos de futebol que praticavam no quintal existente nos fundos da
casa. Tem bem vivo na mente quando numa tarde de algum dia de novembro, sua mãe
saiu da cozinha e disse para a criançada que brincava no quintal:
- Mataram o presidente
Kennedy.
As meninas, que acompanhavam
o movimento do quintal, falaram qualquer coisa e desapareceram...
Próximo a sua casa havia uma
biblioteca pública municipal, na qual com certa frequência Lourenço ia estudar
geografia política ou história, fugindo das aulas de física, matemática,
biologia e outras chatices, ministradas no Colégio. Na biblioteca viajava nos
seus pensamentos lendo mapas e atlas do Pe. Geraldo Azevedo ou livros didáticos
da história de São Paulo e do Brasil. Também nas imediações havia o Museu Lasar
Segall que visitou algumas vezes.
Entre o Arqui, abreviação
carinhosa do Colégio referida pelos seus
quase três mil alunos, e a biblioteca da
Senna Madureira, residia Antenor, um dos filhos de uma família bem
grande. Maria Cristina, Gil, Roberto, Geraldo, Maria Helena eram os irmãos do
amigo... Eram de Araraquara e sócios do Ipê Clube. O pai ao tempo que estudavam
juntos era presidente do Conselho
Federal de Farmácia e pessoa de muito respeito e autoridade. A família residia numa
vila, junto à Rua Diogo de Faria, próximo ao Liceu Pasteur.
Não acompanhavam futebol.
Eram fãs de basquete e recorda-se bem que àquela época Amauri, Sucar e outros
grandes jogadores despontavam. Lembra-se bem que muitas vezes assistiu Roberto,
Gil e o Antenor batendo bola nas quadras do Arqui.
Foi na casa do Antenor, na
sala de visita que Lourenço começou a se simpatizar com o novo ritmo musical
que tomava conta do mundo: A bossa nova. Lá manteve contato com Manfredo Fest,
Paulinho Nogueira, Ed Lincoln e outros tantos através de long plays dos irmãos
do amigo.
Quando o então presidente
Charles De Gaulle esteve no Brasil foi
ao Liceu Pasteur, colégio de origem francesa, situado nas imediações, entre a
casa da família Landgraf e de Lourenço. O professor Meyer, então era o diretor,por
coincidência, o pai de seu amigo, Alexandre, que morava em Santana, bairro bem
longe, na zona norte da Capital, que também frequentava Itanhaém. Lourenço
ainda priva da amizade do velho amigo,
cuja mãe e alguns tios participaram ativamente da Revolução de 1932. Coincidência
também que Lourença, sua mulher, quando criança, residindo também no bairro de
Santana, foi aluna da mãe do Alexandre, quando estudou no colégio de freiras na
qual dona Guiomar era professora.
Numa grande capital, então
com seus cinco ou seis milhões de habitantes chama atenção essas coincidências.
Antenor, Correa e Lourenço sempre
iam ao Liceu Pasteur ver as meninas que frequentavam aquele colégio que era
misto. Meninos e meninas juntos na mesma escola e na mesma sala, situação rara
e invejada. Com frequência razoável deixavam de lado as aulas maçantes de
física, química, biologia e principalmente matemática e gazeteavam nos
arredores do Liceu Pasteur ou do Colégio Rosário, também nas imediações,
pertencente à freiras onde só estudavam meninas.
Lourenço recorda-se que foi
na capela do Colégio Arquidiocesano que foi Crismado por um dos bispos
auxiliares da diocese de São Paulo e que certa vez, junto com todos os professores
e alunos convocados para a solenidade oficial, ficou perfilado por horas no
pátio interno, junto à gruta de Nossa Senhora de Fátima, aguardando o presidente Janio Quadros que fora
visitar o irmão Amandino, seu ex professor e conferir-lhe a Ordem do Cruzeiro
do Sul...
O Presidente da República
estudara no Colégio do Carmo à época que Lourenço Pai também estudou e foram
alunos do referido Irmão Marista, bem velhinho ao tempo dos estudos de
Lourenço. Um velhinho que já estava aposentado e não mais lecionava.
Interessante e inesquecível,
talvez para todos que estudaram por anos em Colégio Marista é a comemoração do
dia 6 de junho. No mundo inteiro há festividades nesses estabelecimentos de
ensino em homenagem ao fundador da congregação, o hoje santificado Marcelino Champangnat.
Nesta data era feriado escolar, com diversas atividades esportivas, culturais e
de laser, com presença obrigatória e alta frequência de professores e
convidados.
Também uma vez por ano o
Colégio promovia excursão à Chácara dos Maristas, situada junto a uma das
represas, próximo à via Anchieta. Lembra-se que Antenor ficava bem atento aos bichos engaiolados criados
pelos Irmãos e caseiros daquela chácara. Também se entretinha com as plantações
existentes.
No mês de Junho ou Julho
também anualmente era promovida uma festa caipira, com uma fogueira que era
acesa no pateo interno, com altura considerável. Barraquinhas,danças típicas,
sorteios e todo o fuzuê típico desse evento tradicional.
Estudou durante quatro anos
com Antenor. Eram colegas de classe e
geralmente iam juntos de castigo, por uma ou por outra razão pertinente.
Lembra-se bem que entre os professores havia o Sebastião que falava com sotaque
nordestino e lecionava português; o Serafim, cujo filho também estudava por lá
era professor de geografia e todas as tardes havia aula de religião. Foi aluno
do Irmão Leão, do Irmão Francisco Dematé, tio de um rapaz que anos depois foi
seu aluno em Joinville; também do irmão Getúlio e Irmão Aristides. Irmão
Caetano e irmão Isidoro também eram professores...
O professor Hudson, de
educação física, esteve com Lourenço em 2005. Ao lançar o Direito das Coisas, livro
que compilou as aulas que lecionou na Faculdade, fez questão de procurar seus
professores e convidar para a sessão de autógrafos, e o velho Hudson foi
localizado e compareceu com a mulher. Foi um acontecimento à parte, já que
muitos dos convidados haviam sido seus alunos, inclusive seu irmão, que ao
tempo do colégio, teve muita participação e estreitara amizade com o professor.
Carlos Lourenço então aplicado desportista era ginasta e bastante dedicado nos
estudos e na prática esportiva.
O professor Bragato, outro
professor daquela época, com deficiência visual, usava elevado grau nos seus óculos e perceptível a
dificuldade que tinha para visualizar longe. Quando terminavam as aulas no
Arqui tinha que tomar às pressas condução
para o Cambuci, bairro mais ao centro da Capital, onde lecionava no Colégio
Glória, também dos Maristas.
O ônibus que o conduzia para as aulas da noite se
assemelhava ao que Lourenço tomava as vezes para sua casa. Branco com alguma
tonalidade rosa ou vermelha desbotada, ambos talvez da mesma empresa, seguiam
destinos diferentes: Um seguia a avenida em direção à Lins de Vasconcelos e de
lá, Aclimação e Cambuci e outro, virava para a Vila Clementino e seguia em
diração do Ibirapuera.
Não foram poucas as vezes que
Lourenço induziu o professor ao equivoco, fazendo com que ao perceber o engano
ficasse abatido e nervoso, buscando descer e trocar de condução... Lourenço
provavelmente encontrava nessa situação a forma de vingar-se das aulas e exposições
de fotossínteses, Mendel e outros temas bem distantes de seu interesse. Aulas
de biologia que também não gostava...
Próximo ao colégio havia uma pequeníssima
bodega de um turco que vendia esfihas abertas e cigarros avulsos para as
crianças que fumavam escondidos.
São inúmeras as histórias e
as recordações que guarda com muito carinho e saudades do colégio e de seus
colegas daqueles anos que seguiram até 1965. Sem preocupação e no desfrute de
uma cidade então elegante e promissora, onde todos os dias o guarda civil, com
o seu tradicional terno azul marinho e luvas e chapéu branco, com educação e
galhardia ajudava os alunos atravessarem as duas pistas da Avenida Domingos de
Moraes, cujo canteiro central era destinado aos bondes.
Bons tempos ! Bons tempos
distantes e inesquecíveis.
Roberto J. Pugliese
Titular
da cadeira nº 35 da Academia São José de Letras.
Consultor
da Comissão de Direito Notarial e Registros Públicos do Conselho Federal da
OAB.
Adorei suas recordações que também são minhas. Estudamos juntos no Arqui.
ResponderExcluirWanderley Hee