O Politizado.
O
politizado sabe tudo. Informa-se de tudo. Le tudo a respeito de tudo. É assinante da revista Veja; assiste
diariamente o Jornal Nacional, discute economia com investidores da bolsa,
escuta a rádio CBN e gosta dos comentários sobre a economia do país, proferidos
pela Mirian Leitão e Merval Pereira.
Atualmente costuma ler os editoriais do O
Globo na internet. Também de O Estado
de São Paulo, mas não diariamente. No escritório, quando sobra tempo, lê a Folha de São Paulo.
O
politizado é culto: Vai ao cinema três ou quatro vezes por ano no lançamento de
algum filme recomendado pelos críticos. Normalmente le a respeito dos artistas,
diretores e a indústria que assumiu a responsabilidade. Gosta das produções de Hollywood e odeia filme
nacional. Não vai ao teatro porque as
peças são ideológicas e escritas por comunistas na sua grande maioria. Nem à bibliotecas. Mas passeia regularmente
pelo Google e pela Wikipedia ficando sempre atualizado.
Quando
se revolta com algum fato costuma mandar carta para ser publicado na sessão dos
leitores de alguns jornais. Escreve longas laudas que nunca são publicadas.
Lamenta
que a maioria das pessoas não tem o seu conhecimento e não está a altura de
qualquer debate sobre qualquer assunto. Principalmente política.
O
politizado tem o carro do ano para
impressionar. Preferencialmente quatro portas, com ar condicionado e sempre
limpo. Não tira da garagem durante a semana. Corre no parque nos finais de semana. Mesmo que chova
costuma ir e se encontrar com as mesmas pessoas que cumprimenta sem dar muita
atenção.
Mesmo
tendo passado o tempo, ainda se relaciona com alguns colegas da faculdade. São
pessoas cultas e importantes que faz questão de não perder o
contato e as boas relações.
Já
levou seus filhos à Disney duas vezes.
Comprou o passeio à prazo e ainda está pagando. Entende que para a cultura
de seus pimpolhos a viagem tinha que se realizar. Gostaria de morar em Miami e
nas férias de verão costuma passar o réveillon na casa de um amigo, de um
parente ou junto com o sogro. Não viaja sozinho. Não hospeda-se em hotel. Acha
que esses hotéis e pousadas cobram caro e não oferecem o mesmo serviço que pode
adquirir indo para a Flórida ou para Califórnia.
Nos
finais de semana prolongados, vai à praia no horário que todo mundo vai e volta
no horário que todo mundo volta, usando o mesmo trajeto que todo mundo usa e
fica revoltado com o transito e a falta de rodovias suficientes. Já estudou à
respeito desse drama e tem a solução que já expos a um deputado seu amigo.
Costuma ir à casa de amigos, pois não irá investir numa casa de praia ou
apartamento, pois não compensa. Costuma calcular tudo que faz para não ter
surpresas.
Se
considera um bom motorista pois nunca foi multado. Leva regularmente seu carro
à concessionária para fazer a revisão. Inclusive calibra os pneus nestas
oportunidades. Nos túneis faz o que ninguém costuma fazer: Acende o pisca-alerta
para chamar atenção. Respeita a sinalização: Só anda na faixa da esquerda na
velocidade máxima permitida. Os incomodados que ultrapassem pela direita, pois
ele cumpre as normas, costuma justificar a quem indaga sobre seu comportamento.
O
politizado mora no apartamento que está pagando religiosamente sua prestação há
sete anos. Tem três filhos e a esposa é secretária de multinacional. Foi
promovido à gerente na empresa que trabalha há 4 anos e costuma fazer horas
extras. Acha que os colegas o admiram e o chefe o respeita. Acha. Mas tem
certeza que fazer regularmente os cerões é uma forma boa para colaborar com a
empresa, agradar o patrão e ganhar um troquinho extra.
O
politizado faz sua própria declaração de
imposto de renda porque sabe tudo. Le bulas de remédios e discute com
médicos à respeito das doenças de seus filhos. Afinal tem conhecimento suficiente
para orientar arquitetos e o veterinário do seu gato. Já foi à Aparecida do
Norte acender vela para agradecer graça recebida, à Bom Jesus de Pirapora pelos
mesmos motivos e também costuma ir, às vezes, à Igreja Universal. Já leu O
Pequeno Príncipe e atualmente não tem tempo para leitura. É assinante da
Seleções do Reader’s Digest. Fica encantado com os FLAGRANTE DA VIDA REAL, uma
das tantas sessões dessa publicação de oringem norte-americana que tanto
aprecia. Fala inglês fluentemente mas continua no curso, frequentando aulas
todas as terças feiras à noite. Morre de medo que os comunistas implantem o
imposto sobre grandes fortunas.
Seus
filhos tem tablet, telefone celular e
microcomputador. Estudam no colégio particular, cuja mensalidade arrebata quase
todo o minguado salário de sua mulher. As crianças vão e voltam com perua
contratada. Corta o cabelo dos meninos cada quinze dias quando vai e também os
leva ao barbeiro. No sábado costuma fazer compras no supermercado pela manhã. O
mais velho é escoteiro como ele foi na adolescência. Ainda guarda no
criado-mudo de seu quarto a medalha que ganhou pelo heroísmo que demonstrou ao
salvar uma esquila que caíra num lago...
O
politizado acha absurdo ter eleições cada dois anos. Para ele, no tempo dos
militares era bem melhor. Recorda saudoso que não havia, àquele tempo, a
violência e a corrupção que existe atualmente. Lembra que havia respeito, que o
povo punha a mão no peito e tirava o chapéu quando a bandeira brasileira era
hasteada e tocado o hino nacional. E com essas lembranças e teses costuma
discorrer nas reuniões de família.
Enfim,
o politizado no ônibus, ao voltar para casa numa tarde de outono, com visão de
lince profetizou publicamente, falando alto ao cobrador:
-
Vote no AECIO. ( ... por isso e por aquilo )
E se empolgou de tal modo que não percebeu que passara o seu endereço.
Roberto J. Pugliese
Titular da Cadeira nº 35 da Academia São José de Letras, São José, Sc.
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