29 outubro 2014

Lições de vida.


O Politizado.

 

O politizado sabe tudo. Informa-se de tudo. Le tudo a respeito de tudo.  É assinante da revista Veja; assiste diariamente o Jornal Nacional, discute economia com investidores da bolsa, escuta a rádio CBN e gosta dos comentários sobre a economia do país, proferidos pela Mirian Leitão e Merval  Pereira. Atualmente costuma ler os editoriais do O Globo na internet. Também de O Estado de São Paulo, mas não diariamente. No escritório, quando sobra tempo, lê a Folha de São Paulo.

 

O politizado é culto: Vai ao cinema três ou quatro vezes por ano no lançamento de algum filme recomendado pelos críticos. Normalmente le a respeito dos artistas, diretores e a indústria que assumiu a responsabilidade.  Gosta das produções de Hollywood e odeia filme nacional. Não vai  ao teatro porque as peças são ideológicas e escritas por comunistas na sua grande maioria.  Nem à bibliotecas. Mas passeia regularmente pelo Google e pela Wikipedia ficando sempre atualizado.

 

Quando se revolta com algum fato costuma mandar carta para ser publicado na sessão dos leitores de alguns jornais. Escreve longas laudas que nunca são publicadas.

 

Lamenta que a maioria das pessoas não tem o seu conhecimento e não está a altura de qualquer debate sobre qualquer assunto. Principalmente política.










 

 

O politizado tem  o carro do ano para impressionar. Preferencialmente quatro portas, com ar condicionado e sempre limpo. Não tira da garagem durante a semana. Corre no  parque nos finais de semana. Mesmo que chova costuma ir e se encontrar com as mesmas pessoas que cumprimenta sem dar muita atenção.

 

Mesmo tendo passado o tempo, ainda se relaciona com alguns colegas da faculdade. São pessoas cultas e importantes que faz questão de  não perder o  contato e as boas relações.

 

Já levou seus filhos à Disney duas vezes.  Comprou o passeio à prazo e ainda está pagando. Entende que para a cultura de seus pimpolhos a viagem tinha que se realizar. Gostaria de morar em Miami e nas férias de verão costuma passar o réveillon na casa de um amigo, de um parente ou junto com o sogro. Não viaja sozinho. Não hospeda-se em hotel. Acha que esses hotéis e pousadas cobram caro e não oferecem o mesmo serviço que pode adquirir indo para a Flórida ou para Califórnia.

 

Nos finais de semana prolongados, vai à praia no horário que todo mundo vai e volta no horário que todo mundo volta, usando o mesmo trajeto que todo mundo usa e fica revoltado com o transito e a falta de rodovias suficientes. Já estudou à respeito desse drama e tem a solução que já expos a um deputado seu amigo. Costuma ir à casa de amigos, pois não irá investir numa casa de praia ou apartamento, pois não compensa. Costuma calcular tudo que faz para não ter surpresas.

 

Se considera um bom motorista pois nunca foi multado. Leva regularmente seu carro à concessionária para fazer a revisão. Inclusive calibra os pneus nestas oportunidades. Nos túneis faz o que ninguém costuma fazer: Acende o pisca-alerta para chamar atenção. Respeita a sinalização: Só anda na faixa da esquerda na velocidade máxima permitida. Os incomodados que ultrapassem pela direita, pois ele cumpre as normas, costuma justificar a quem indaga sobre seu comportamento.

 

O politizado mora no apartamento que está pagando religiosamente sua prestação há sete anos. Tem três filhos e a esposa é secretária de multinacional. Foi promovido à gerente na empresa que trabalha há 4 anos e costuma fazer horas extras. Acha que os colegas o admiram e o chefe o respeita. Acha. Mas tem certeza que fazer regularmente os cerões é uma forma boa para colaborar com a empresa, agradar o patrão e ganhar um troquinho extra.

 

O politizado faz sua própria declaração de  imposto de renda porque sabe tudo. Le bulas de remédios e discute com médicos à respeito das doenças de seus filhos. Afinal tem conhecimento suficiente para orientar arquitetos e o veterinário do seu gato. Já foi à Aparecida do Norte acender vela para agradecer graça recebida, à Bom Jesus de Pirapora pelos mesmos motivos e também costuma ir, às vezes, à Igreja Universal. Já leu O Pequeno Príncipe e atualmente não tem tempo para leitura. É assinante da Seleções do Reader’s Digest. Fica encantado com os FLAGRANTE DA VIDA REAL, uma das tantas sessões dessa publicação de oringem norte-americana que tanto aprecia. Fala inglês fluentemente mas continua no curso, frequentando aulas todas as terças feiras à noite. Morre de medo que os comunistas implantem o imposto sobre grandes fortunas.







 

 

Seus filhos tem tablet, telefone celular e microcomputador. Estudam no colégio particular, cuja mensalidade arrebata quase todo o minguado salário de sua mulher. As crianças vão e voltam com perua contratada. Corta o cabelo dos meninos cada quinze dias quando vai e também os leva ao barbeiro. No sábado costuma fazer compras no supermercado pela manhã. O mais velho é escoteiro como ele foi na adolescência. Ainda guarda no criado-mudo de seu quarto a medalha que ganhou pelo heroísmo que demonstrou ao salvar uma esquila que caíra num lago...

 

O politizado acha absurdo ter eleições cada dois anos. Para ele, no tempo dos militares era bem melhor. Recorda saudoso que não havia, àquele tempo, a violência e a corrupção que existe atualmente. Lembra que havia respeito, que o povo punha a mão no peito e tirava o chapéu quando a bandeira brasileira era hasteada e tocado o hino nacional. E com essas lembranças e teses costuma discorrer nas reuniões de família.

 

Enfim, o politizado no ônibus, ao voltar para casa numa tarde de outono, com visão de lince profetizou publicamente, falando alto ao cobrador:

 

- Vote no AECIO. ( ... por isso e por aquilo )  E se empolgou de tal modo que não percebeu que passara o seu endereço.
 
Roberto J. Pugliese
Titular da Cadeira nº 35 da Academia São José de Letras, São José, Sc.

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