MANSÕES PODEM. Ninguém incomoda.
Cananéia, Estancia balneária
paulista que disputa com São Vicente a primazia de tratar-se da primeira cidade
fundada em solo brasileiro, situada no litoral sul, junto à divisa do Paraná, é
um município constituído por incontáveis ilhas, formando um aprazível
arquipélago com várias praias, enseadas, manguezais ocupados por moradores
tradicionais, caiçaras que habitam meandros da Mata Atlantica há séculos a
mantendo preservada, como assim está preservada a mais autentica cultura tradicional
do litoral paulista.
Inúmeros parques e reservas
se encontram no seu território, com destaque para o PEIC – Parque Estadual da
Ilha do Cardoso, criado em 1962 em área pertencente à União, que abrange a ilha
do mesmo nome e seu entorno.
A sede da Comarca e do
município é a ilha de Cananéia, atualmente ligada ao continente por ponte
construída com recursos municipais e inaugurada há pouco mais de 30 anos,
situada na sua extremidade norte, no lugar onde o Mar de Irariaia é mais
estreito, formando o canal espremido junto a Aroeira, na orla continental. São
mais de 200 metros de vão.
Ao longo da estrada municipal
que da ponte segue em direção ao sul para a sede municipal, são inúmeras as construções
existentes em sítios tradicionais espalhados por bairros rurais também
urbanizados. Sítios que pertencem ou pertenceram a caiçaras que constituem
famílias tradicionais do município ou que foram transferidos para terceiros que
ocupam esses imóveis para pequenas lavouras e recreios junto ao canal leste ou
oeste da ilha.
Sítios e chácaras preservadas
com a cobertura vegetal original na maioria de seus espaços, nas quais
construções humildes e simples abrigam pessoas interessadas apenas nas arvores
frutíferas naturais, rama, mandioca e criações para o próprio consumo. Alguns
bares e empórios insignificantes, onde se encontram peixes e ostras frescas à
venda; cachaça envasada com folhas de cataia, as tradicionais mesas de
bilhares... Nada que possa agredir o meio ambiente, salvo os pequenos arranhões
típicos da presença humana. O Vale do Ribeira no seu todo continua
ambientalmente impoluto.
Na cidade, ao longo do Mar de
Cananéia, o canal que separa a Ilha Comprida da Ilha de Cananéia, onde outrora
fora o aeroporto municipal, o Retiro das Caravelas é o loteamento eletizado,
que abriga a fina flor do bom gosto que frequenta a histórica cidade. Nele
foram construídos hotéis e pousadas, casas erguidas pela classe media alta
local, por turistas e investidores.Nos
últimos 30 anos, as vias principais foram asfaltadas, e são inúmeras as mansões
e garagens náuticas erguidas à beira mar. Até posto de combustível náutico e
heliponto o nobre loteamento dispõe, já que proprietários de iates e pessoas de
alto poder aquisitivo, que mantem palacetes para usufruírem nos finais de
semana e feriados prolongados se valem desses serviços.
Industriais e comerciantes de
peso da paulicea, do interior do Estado, do Paraná entre outros cantos, mantém
suas casas de finais de semana, compartilhando o lazer com renomados
profissionais liberais da medicina, da advocacia e outras atividades, inclusive
empresariais.Palacetes e mansões soberbas de alto luxo se espalham pelo
requintado loteamento.
A violência jurídica no
bairro é claramente perceptível aos que são atentos. Junto à orla do mar no
projeto de loteamento foi previsto a abertura de avenida que daria continuidade
à avenida Beira Mar, logradouro que se inicia na Praça Martim Afonso de Souza e
segue em direção norte ladeando o canal. No entanto, os proprietários de
imóveis junto a orla do bairro, nessa área pública, projetada e constante dos
registros de loteamento e arquivos da prefeitura, sem qualquer pudor ergueram
garagens náuticas para suas lanchas, construíram piscinas, trapiches e
deprezando as limitações de seus lotes, avançam nos terrenos de marinha e na
avenida projetada. Areas públicas privatizadas a revelia de qualquer autoridade
que sempre fez vistas grossas.
Grileiros de terras públicas
que ocupam terrenos da municipalidade e da União ignorando leis e posturas
devidas a toda sociedade.
O centro da cidade, de outra
parte, é cortado pelo Piranga, um filete
ou córrego de águas salobras que parte do brejo existente nas imediações
do cemitério e segue tortuoso em direção ao rio Olaria onde deságua. Trata-se
de vertedouro natural que brinda a cidade captando as águas dos baixios e as
encaminhando para o mar, fazendo com que o entorno se firme em terra seca.
No final dos anos LXX do
século passado, à época da construção da ponte General Euclides Figueiro
aludida acima, nas proximidades da Igreja Católica Matriz da Paróquia de São
João Batista, no baixio lamacento que encharcava a orla do Corrego Piranga,
próximo a sua foz, a prefeitura municipal que promovia ação discriminatória
para legalizar as terras devolutas municipais, alienou todo aquele brejo, onde
atualmente, se encontra erguida construção na qual se explora pequeno centro de
vendas, com restaurante e estação rodoviária entre outra lojas.Ao lado a grande
beneficiadora de pescados, que industrializa produtos do mar, se instalou e se
encontra funcionando há décadas.
Crime ambiental oficial nunca
apurado.
Os proprietários da industria e do centro comercial aterraram o brejo, canalizaram o corrego e ignoraram as
restrições urbanísticas e ambientais adequadas ao desenvolvimento sustentável,
obtendo todos os carimbos das repartições públicas que foram necessários para
implantação do empreendimento comercial.
No PEIC, são incontáveis as
pousadas, acampamentos e empórios explorados pelos caiçaras naturais ou que
imigraram e por lá se estabeleceram. No entanto, autorizados que estão pela
administração coletiva do Parque, não conseguem oficializar seus
empreendimentos pois a Prefeitura nega a concessão de alvarás, impedindo assim
que tenham cadastros fiscais no município, estado e união.
Há anos essa luta. Há anos
que sobrevivem explorando o comercio cuja receita fiscal é renunciada pelas
autoridades competentes. Há anos as autoridades públicas ignoram a situação
ilegal desses pontos comerciais que não estão registrados nos cadastros
fiscais.
Cananéia reflete de modo
apertado o que vem ocorrendo no país. Hoje, ao longo da Estrada da Ponte, como
é conhecida a rodovia municipal José Herculano Rosa acima apontada, tramitam no
fôro local diversas ações demolitórias para que os proprietários de bares,
empórios e pequenos sítios derrubem suas construções humildes e reconstituam a
flora natural já harmonizada há décadas. São condenados por violarem a
legislação posterior às suas ocupações.
Um hotel e seus equipamentos
e acessórios está no rol dos imóveis condenados e assim também o prédio de cooperativa
de ostricultores administrada por descendentes de quilombolas, que anos atrás
foi inaugurado solenemente pelo ministro do meio ambiente.....
Proprietários e posseiros
desses imóveis são acionados e respondem ações civis públicas e sofrem
inquéritos penais acusados de agredirem o meio ambiente. Perplexidade
inexplicável para ilhéus que sempre preservaram o eco sistema local.
De outra parte, as
construções irregulares do Retiro das Caravelas, de propriedade de granfinos são
ignorados. Mais do que se encontrarem pendurados na orla oceânica, ocupam
espaço público destinado à avenida projetada. Assim como a violência que se deu
sobre o córrego Piranga com as construções referidas e o silencio de quem
deveria agir se perpetua. Ninguém ousa agir contra o poder econômico instalado
à revelia da legislação.
E a renúncia fiscal
oficializada pelas autoridades públicas que se negam a reconhecer as atividades
comerciais em atividades há mais de 30 anos na Ilha do Cardoso, também são
ignoradas. Ninguém denuncia, reclama ou ultima medidas para regularizar. Não se
discute e mantem-se a situação ilegal como se legal fosse mante-la.
Cananéia é uma pipeta do que
é ó país. É um laboratório que mostra como o país se encontra oficialmente sem
norte. Revela a distancia existente entre os anceios da sociedade e as ações do
estado. O quanto prevalece a demagogia e a impunidade dos que detem poder econômico
e político. E assim o descrédito popular nas instituições só promove a
desconfiança e a insegurança jurídica, afastando as pessoas anônimas de
investimentos que poderiam estar promovendo o desenvolvimento sustentável do
lugar.
Falta autoridade para cumprir
a lei também para os poderosos.Sobra autoridade para exigir dos fracos e dos
anônimos.
É preciso mudar.
Roberto J. Pugliese
Autor
de Terrenos de Marinha e seus Acrescidos. Letras Jurídicas, 2009.
Vereador
à Câmara Municipal da Estância de Cananéia em 1983.
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