Memórias nº 112.
Lembranças da advocacia.
A militância profissional por
longos anos provoca incontáveis situações das mais variadas conseqüências,
inclusive folclóricas, merecedoras de serem lembradas, ou por serem cômicas ou
até em razão da relevância dos acontecimentos e suas conseqüências.
Pois no exercício da
advocacia Lourenço aguardava o início de audiência numa das varas cíveis de
Joinville, Santa Catarina, conversando com a estagiária que era estudante de
direito em estabelecimento outro ao que ele era professor. Conversa vai e vem,
explicou que tivera o privilégio de ser ao seu tempo aluno do grande civilista
de Areias, o professor Washington de Barros Monteiro, quando o magistrado
adentrou à sala e questionou sobre a conversa.
- Será que ele ainda vive?
Lourenço esclareceu que dado
vínculos diversos saberia se estivesse falecido, pois seu pai e seus colegas de
turma tinham bastante proximidade com grandioso magistrado... E deram por
encerrada a conversa.
Mais tarde, chegando em casa
por volta das 23 horas ou mais, foi avisado que seu pai telefonara e queria
falar, motivando assim ligar para S. Paulo, mesmo com o adiantado da hora.
- ... então sabe quem
faleceu? O professor Washington...
Passado alguns dias
retornando a Joinville, onde lecionava Direito das Coisas, foi ao gabinete do
mesmo magistrado contar o que acontecera.
O Juiz de Direito que estava
sentado num sofá perdido num monte de papéis e anotações o cumprimentou
gentilmente e aguardou fosse esclarecido os motivos da presença do advogado.
- Pois é doutor: Lembra-se
que estive aqui a semana passada e conversamos a respeito do professor Washington
e o senhor questionou se ainda estava vivo... Lembra-se? Pois ele morrera naquela manhã.(...)
Meses depois encontraram-se
na fila de um banco na cidade e o fato foi novamente lembrado pelo Juiz de
Direito que ficou impressionado com o que acontecera.
Outra situação marcante foi o
que se deu em Cananéia.
Residente em Itanhaém
distante 200 km. do foro, Lourenço àquela época mantinha diversos clientes na
região e uma ou duas vezes por mês ia à cidade à trabalho. A maioria dos casos
de que cuidava dizia respeito a questões fundiárias.
A Comarca de Cananéia
recentemente instalada era palco de grandes conflitos envolvendo de um lado
caiçaras e pequenos posseiros e de outro empresas agrícolas ou especuladores de
terras. Inclusive muitas demandas envolviam imóveis situados na Ilha Comprida,
então com parcela de seu território integrante àquele município.
Numa ocasião foi à uma
audiência de instrução e julgamento e no desenrolar dos trabalhos teve
discussão calorosa com o advogado da outra parte. De pé falou grave, firme e
bravo. Gritaram e ambos discutiram de modo grosseiro, ignorando às
determinações da Magistrada que pedia que acalmassem...
Terminada a solenidade ao
descer para o cartório foi avisado pelo escrivão que a Magistrada ficara muito
nervosa e que seria conveniente ir justificar àquela postura agressiva. O
escrivão sugeriu à ele, por ser habitual e freqüentador do foro e tratar-se de
advogado parceiro de todos os funcionários.
Lourenço foi ao gabinete e a Juíza
de Direito estava sentada bebendo água e após conversarem um tanto ela se
justificou esclarecendo que pensara que ambos iriam partir para as vias de fato
e que no prédio não havia segurança.
(...)
Passado uma semana Lourenço
retornou à Cananéia para realizar outra audiência.
Aguardava o inicio dos
trabalhos quando a Magistrada ingressou na sala e deparando-se com a figura de
Lourenço, mudou o semblante, revelando-se preocupada e, com serenidade pediu a
todos:
- Senhores, peço que
levantem-se e vamos fazer uma pequena oração para que os trabalhos se realizem
da melhor forma e possamos fazer justiça...
Roberto J. Pugliese
Autor de Direito das Coisas,
Leud, 2005.
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