15 março 2015

Pitoresco forense. ( memória nº 112 )


Memórias  nº 112.
Lembranças da advocacia.

 

A militância profissional por longos anos provoca incontáveis situações das mais variadas conseqüências, inclusive folclóricas, merecedoras de serem lembradas, ou por serem cômicas ou até em razão da relevância dos acontecimentos e suas conseqüências.

 

Pois no exercício da advocacia Lourenço aguardava o início de audiência numa das varas cíveis de Joinville, Santa Catarina, conversando com a estagiária que era estudante de direito em estabelecimento outro ao que ele era professor. Conversa vai e vem, explicou que tivera o privilégio de ser ao seu tempo aluno do grande civilista de Areias, o professor Washington de Barros Monteiro, quando o magistrado adentrou à sala e questionou sobre a conversa.

 

- Será que ele ainda vive?

 

Lourenço esclareceu que dado vínculos diversos saberia se estivesse falecido, pois seu pai e seus colegas de turma tinham bastante proximidade com grandioso magistrado... E deram por encerrada a conversa.

 

Mais tarde, chegando em casa por volta das 23 horas ou mais, foi avisado que seu pai telefonara e queria falar, motivando assim ligar para S. Paulo, mesmo com o adiantado da hora.

 

- ... então sabe quem faleceu? O professor Washington...

 

Passado alguns dias retornando a Joinville, onde lecionava Direito das Coisas, foi ao gabinete do mesmo magistrado contar o que acontecera.

 

O Juiz de Direito que estava sentado num sofá perdido num monte de papéis e anotações o cumprimentou gentilmente e aguardou fosse esclarecido os motivos da presença do advogado.

 

- Pois é doutor: Lembra-se que estive aqui a semana passada e conversamos a respeito do professor Washington e o senhor questionou se ainda estava vivo... Lembra-se? Pois ele morrera  naquela manhã.(...)  

 

Consternado e um tanto abalado o magistrado levantou-se e convidou Lourenço a rezar uma Ave Maria




 
Meses depois encontraram-se na fila de um banco na cidade e o fato foi novamente lembrado pelo Juiz de Direito que ficou impressionado com o que acontecera.

 

Outra situação marcante foi o que se deu em Cananéia.

 

Residente em Itanhaém distante 200 km. do foro, Lourenço àquela época mantinha diversos clientes na região e uma ou duas vezes por mês ia à cidade à trabalho. A maioria dos casos de que cuidava dizia respeito a questões fundiárias.

 

A Comarca de Cananéia recentemente instalada era palco de grandes conflitos envolvendo de um lado caiçaras e pequenos posseiros e de outro empresas agrícolas ou especuladores de terras. Inclusive muitas demandas envolviam imóveis situados na Ilha Comprida, então com parcela de seu território integrante àquele município.






Numa ocasião foi à uma audiência de instrução e julgamento e no desenrolar dos trabalhos teve discussão calorosa com o advogado da outra parte. De pé falou grave, firme e bravo. Gritaram e ambos discutiram de modo grosseiro, ignorando às determinações da Magistrada que pedia que acalmassem...

 

Terminada a solenidade ao descer para o cartório foi avisado pelo escrivão que a Magistrada ficara muito nervosa e que seria conveniente ir justificar àquela postura agressiva. O escrivão sugeriu à ele, por ser habitual e freqüentador do foro e tratar-se de advogado parceiro de todos os funcionários.

 

Lourenço foi ao gabinete e a Juíza de Direito estava sentada bebendo água e após conversarem um tanto ela se justificou esclarecendo que pensara que ambos iriam partir para as vias de fato e que no prédio não havia segurança.

 

(...)

 

Passado uma semana Lourenço retornou à Cananéia para realizar outra audiência.

 

Aguardava o inicio dos trabalhos quando a Magistrada ingressou na sala e deparando-se com a figura de Lourenço, mudou o semblante, revelando-se preocupada e, com serenidade pediu a todos:

 

- Senhores, peço que levantem-se e vamos fazer uma pequena oração para que os trabalhos se realizem da melhor forma e possamos fazer justiça...

 

Roberto J. Pugliese
Autor de Direito das Coisas, Leud, 2005.

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