08 dezembro 2012

O dia que o povo de Cananéia chorou!


 
Cananéia Chorou.

Num dos infinitos aprazíveis sítios o próprio João Baptista avisou que lá encontrariam o amigo chegante. Lugar bucólico, cortado por cachoeira do estilo das que se encontram nas encostas da Serra do Mar, no qual vicejam flores coloridas que exalam perfumes inebriantes, onde se escutam pássaros  exóticos cujo cenário singular, a par de lembrar recantos do Lagamar, traz àqueles que para lá são convidados, o sentido de paz silenciosa e envolvente, aos moldes do próprio paraíso onde se encontram.

Por ordem de Pedro, o Gerentão, João Baptista foi ao encontro de cada um, informando quando ele chegaria, para que todos por lá estivessem para saudá-lo e dar-lhe as boas vindas tradicionais. Deveria ser em Março, como outros que eram do mesmo grupo... Mas foi antecipada.

Pouco a pouco estão chegando, vindo dos infinitos lugares nos quais se alojam por ordem da Suprema Chefia, trazendo cada um na lembrança, recordações peculiares de tempos outros e a vontade  de abraçar o amigo. Querem dar vivas ao chegante que, há boa data não se vêem. Alguns há anos estão por lá. Outros chegaram recentemente. Todos se conhecem e tem muitas histórias em comum.

Próximo à calçada, num dos cantos do jardim encantado, com uma vassoura de piaçava entre um dos braços, Maurício encostado num dos ipês amarelos, conversa pausadamente com Basílio, o comerciante que se fez importante, trabalhando duro na cidade de Santos, mas que ao longo da sua trajetória, nunca abandonou suas origens. São amigos de jornadas pitorescas e quando se encontram, trocam recordações.

No outro canto a rodinha atenta escuta o professor Eduardo Ramos descrever descoberta recente: Uma nova espécie de mangue será apresentada e surgirá no repente do nunca de todos os tempos, na orla alagadiça da Juréia. Atentos, Otávio, que fora comerciante em Cajati, negociando bicicletas e o sempre Deputado Rubens Lara, reconhecido defensor da ecologia caiçara, se diz surpresos com a evolução das espécies, narrando algumas experiências já vividas. Discordando, Pe. João 30 explica com argumentos nem sempre inteligíveis, naquela língua enrolada meio caiçara, meio holandesa, que não concorda por isso e por aquilo.

As conversas seguem animadas enquanto os amigos vão chegando. Kovaciks, carregando seus aparelhos de medição, justifica que atrasou, pois foi chamado pelo Supremo Chefe para medir um asteróide que saiu do prumo e deu um nó no zodíaco, causando-LHE preocupação. Fugira do seu controle e, foi um DEUS NOS ACUDA, que não LHE serviu para nada, já que, na condição de Supremo Chefe, não tem à quem apelar. O prestativo austro caiçara fora junto com Delmar Simões,  que chegou a ser superintendente da  Sudelpa, nos velhos e áureos tempos da autarquia, pois dada a complexidade das medições o experiente parceiro ajudaria bastante.

- Logo ele chega, explica. Foi tomar banho. O alojamento dele é na projeção de Pariquera Açu.

Bernardo Paiva que acabara de chegar procura pelo Firmo do Marujá. Comerciantes que foram costumam lembrar  histórias do tempo que tudo era difícil por lá... Só os barcos da Sorocabana que traziam mercadoria...

Longe dali, bem longe, nas imediações de seu terno habitat, sem muita pressa, passeia como se despedindo de tudo e de todos. Emocionado vê seus filhos e amigos ainda atônitos e sem saber direito o que fazer. Vê sua mulher, seus parentes que ainda vivem por lá... mesmo com seus mais de 100 kg, sente-se leve, e um tanto ridículo dentro de um camisolão de algodão branco. Também usa uma toca.

Silencioso sente-se on line, com agilidade impar, que nunca teve e numa despedida silenciosa, vai até o ABC visitar o pessoal de São Bernardo do Campo, onde residiu por alguns anos. Circula por toda a metrópole e lembra-se de parceiros e amigos do sul: Num suspiro profundo, já avista Florianópolis e o Consulado de Cananéia, com a bandeira a meio pau. De lá, passa por Joinville, Curitiba e segue para o Jaú do Tocantins.

No trajeto, passa rapidamente na Escola de Polícia da USP e, distraído, dá um aceno ao professo  Marcos Gama, que  incrédulo, pensa que avistara algum fantasma. ( - Deve ser o calor, pensou com os seus botões. )

O tempo passa para os que ficam. Para ele, a eternidade se apresenta. Não adianta ter pressa, pois o tempo deixara de ser a essência passando a não mais valer.  Sobra e sobrará tempo eternamente.

Mas a noticia corre e com o passar do tempo, cada um ao seu modo, vai reagindo aos costumes. Uns se emudecem. Para outros sobram lágrimas. Outros, tentam copiá-lo, e riem. Fazem graça... mas a tristeza é geral.

- Perda irreparável !

Sem pressa e cuidadosamente olhando e relembrando passagens do tempo que ficara para trás, vai se despedindo de gente e de lugares. Sentia-se ainda disposto a ficar por lá. Imaginava que era cedo e que houvera algum equivoco, mas no silencio do éter, sabia que o Supremo Chefe não se equivoca e que a hora era aquela.

E nesse vai e vem para lá e para cá, livre, leve e solto, dentro do camisolão fingia não ouvir os chamados repetidos e persistentes vindos da portaria principal.  Até que o Gerentão surgiu com sua autoridade e, educadamente, pediu que se apressasse.

- Vamos. Tenho que trancar as portas. Meu horário está para terminar. Vou render minha vigília e tenho que encerrar o relatório logo mais.

Como nunca ficara sem graça, ao contrário, sempre fez graça, fosse com quem fosse, sem faltar o respeito, até porque não sabia bem onde estava pisando, ( aliás não estava pisando há algumas horas ) explicou que pretendia aguardar, se fosse possível, alguns dias mais por lá, pois pretendia assistir a final da Copa Sul Americana.

- Como o Senhor deve saber  eu sou torcedor do time do Morumbi...

O Gerentão, quase nem deixou que terminasse a frase e já retrucou:

- É o seguinte, é bom que você saiba. Inicialmente nunca mais me chame por esse pronome de tratamento que é privativo do único Senhor, o Chefe. O Supremo Chefe.

- Sim Senhor. Ou, melhor, desculpe. Sim, sim, emendou sem graça.

E continuou o Gerentão, já um tanto mais calmo:

- O jogo que você quer assistir será, no calendário da Terra, na próxima 4ª feira.  Até lá, já aconteceram exéquias, missas, orações e muito bla, bla, bla inclusive choradeiras de carpideiras reais e hipócritas, como é do seu conhecimento. Portanto entre já. Aqui tem um camarote especial, que vai lhe permitir assistir como se estivesse por lá, e estará junto com o próprio Paulo, o verdadeiro dono do time e muitos dos seus ídolos também estarão ao seu lado.

A explicação foi detalhada. Disse que estariam presentes no recinto entre outros, Mauro Ramos de Oliveira, Jurandir, Roberto Dias, Canhoteiro, José Poy, Rui, Bauer, Noronha... uma penca de grandes ídolos de todos os tempos.

- E o Tele Santana?

Assim, num lance de obediência, que não estava acostumado, passou pela catraca eletrônica e orientado pelo próprio Gerentão, seguindo instruções, caminhou, ou melhor, vuou, ou apenas se deslocou para onde estavam seus amigos os aguardando para dar as boas vindas.

Enquanto isso, Cananéia chorava sua ausência. Seus amigos, parentes, conhecidos, enfim, por lá e por onde estivera, ao longo de seus mais de seis dezenas de anos, choravam pela grande perda.

E na unanimidade dos que ficaram, sabiam que nenhuma homenagem póstuma atingiria o mérito de quem partira. Não seria uma rua, uma escola, uma praça... enfim, nem a estatua ou o busto, haveria de simbolizar o que fora para a cidade e para o seu povo enquanto vivera. O intelectual do Vale do Ribeira, que pacientemente elaborara um dicionário do linguajar caiçara deixara aqueles que sempre amara e sua terra querida onde vivera.

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Caminhando, on line, no éter,como se pisasse em ovos, seguia cuidadosamente em direção ao sítio onde encontraria velhos amigos. E durante a trajetória, estranhava que gente de todos os lugares, dos cantos e recantos, grotões e rocios, o saudavam. Gente que nem sabia quem era, antigos clientes de seu escritório, amigos de infância, pessoas que se quer lembrava ter conhecido algum dia, de modo sereno, o cumprimentava.

( ? )

E nessa jornada leve e saudável, Antonio Paulino de Almeida lhe abraçou forte, parabenizando pela sua trajetória e com emoção, disse que o ajudará a escrever o inédito dicionário. Disse que procurara àquela época, facilitar sua pesquisa. Tentou inspirar suas pesquisas comentou.

Adiante foi interpelado:

- Parabéns ! Seja bem vindo. Terás um bom lugar próximo ao Supremo Chefe, fique tranqüilo. Sempre guiei teus passos e o segui orgulhoso de sua trajetória. Parabéns !

- Quem é o Sen, digo, você?

- Há, desculpe, sou o mestre Cosme Fernandes,  esclareceu  o caricato português sem graça, vestido numa fantasia verde, vermelho, na qual um misto de bermuda de veludo com suspensórios e meias três quartos, que mais parecia um antigo bandeirante seiscentista, boina preta, com pena de pavão... e algumas medalhas penduras no peito coberto por camisa de babado branco.

- Como você sabe, eu  fundei, com os Carijós, a nossa querida São João Baptista de Cananéia. Vivi por lá e dominei as terras desde São Vicente até quase Buenos Aires. Bons tempos.

Surpreso, sem acreditar, balbuciou tremulo: -Voce é o  Bacharel de Cananéia ?

- Sim, meu caro Edegar. Seja bem vindo, aqui é o seu merecido lugar. Sua pousada já foi erguida próximo ao trono do Supremo Chefe.

A seguir, dobrou algumas esquinas, fez algumas curvas, passou subidas, descidas e avistou milhares de acenos e cumprimentos, até que chegou ao destino, sendo recebido com aplausos e abraços.

Bem vindo. Aqui é o seu lugar, falaram em coro os anjos, anjas e demais membros da comissão de recepção, introduzindo-o ao sítio encantador onde o esperavam seus queridos amigos, parentes, familiares próximos e alguns conhecidos que o antecedera na chegada.

Roberto J. Pugliese
www.pugliesegomes.com.br

( Modesta homenagem ao inesquecível amigo. )

6 comentários:

  1. Bela homenagem, caríssimo Dr. Pugliese. Com sua licença, repercutirei esse texto em ambientes que ele frequentava.

    Antonio Severino dos Santos - Cananéia

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  2. Olá, Dr. Pugliese!

    Quero cumprimentá-lo pela homenagem feita através deste maravilhoso e histórico texto, bem como, pela grande amizade demostrada ao meu saudoso primo Edegar.

    Wagner Guimarães Teixeira

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    1. Prof. Wagner.

      É o mínimo que ele merece.
      Abraços, feliz natal e muita saúde, justiça e paz no ano que vai chegar.

      Abraços, Roberto

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  3. Aristoteles dos Santos24/12/12 15:12

    Simplesmente linda! E o nosso "Edgarfield" merece, e onde ele estiver, tenha a certeza que ficará muito feliz com sua homenagem. Parabéns.

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  4. Caro Aristóteles,

    Obrigado.

    Abraços, feliz ano novo.

    Roberto

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  5. Anônimo5/1/13 15:46

    Em nome da família Teixeira agradeço o imenso carinho que vocês (Roberto, Claudia e Betito) sempre dedicaram ao meu pai Edegar e a nossa família e também por essa linda homenagem a ele feita. Quando puder vir a Cananéia será uma enorme prazer lhe agradecer pessoalmente. Abraços, Marcelo

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