INSTRUÇÕES IMPORTANTES - post mortem.
- Ele morreu ! E agora?
Será um Deus nos acuda.
Tumulto no quarto, na casa, na vizinhança. Ninguém sabe o que fazer. Um manda
poupar a madrinha, outro manda avisar o tio... Cada um decreta uma sentença.
- O que fazer com ele?
Avisa a mãe. Avisa os filhos.
Avisa a esposa, a secretária... Avisa o banco. Ninguém sabe o que fazer. Avisa o dono da escola. Avisa o patrão. O
professor de inglês era tão amigo dele. Não fala nada com o Zé da Farmácia,
porque ele esta devendo por lá, alguém lembra e decreta.
– Era tão bom!
Ninguém sabe o que fazer.
Correm para lá. Correm para cá. Sobem, descem, chamam o médico, não sabem bem
como fazer. Alguns choram. Outros mais presentes ajudam. Outros atrapalham.
Outros fogem. Alguns fingem: Fingem que ajudam, fingem que choram, fingem que
estão à disposição. Fingem, fingem, fingem... Tem os que telefonam dando
pêsames. Ligam. Falam. Choram...
Alguém pergunta quem irá velar o corpo
durante a noite.
- É perigoso, podem
assaltar... Dizem os mais experientes. Sempre tem os mais experientes. Sabem
tudo. Sabem da vida e sabem da morte. No fundo, no fundo, são uns bobões que não sabem nada. Nem da vida, nem da
morte. Quanto mais do morto.
- Que merda? ( o sentido pode
ser o mais amplo possível ). Ele morreu. Eu gostava tanto dele.
- Avisa o padre. Não, ele era
espírita... Acho que protestante. Avisa quem?
A verdade é única: Todos
morrem!
- Ele nem fechou a
torneira... Que bárbaro! Uma
infelicidade.
Cada morte é uma tragédia. Um
fato pitoresco e singular. O certo é que todos, sem exceção morrem.
E na morte, a maioria das
vezes o protagonista sai à francesa e os que ficam quase morrem perplexos. São
pegos de surpresa e se atrapalham. Ficam desorientados e no afã da surpresa, às
vezes se desesperam ou agem contra os interesses de quem morreu. A verdade é
que todos morrem e precisam, os mais próximos, saber como agir. Porque a
verdade é sabida por todos: Não há exceção, todos morrem, inclusive o oficial
público que lavra o óbito para juridicizar o evento natural e o ministro
religioso que prepara a última benção.
Todos morrem.
Gente ruim, perversa e maus
elementos morrem. Brasileiros, japoneses e italianos morrem. Crianças
malcriadas morrem. Todos um dia se vão. Homens e mulheres vão e não levam nada.
Alguns deixam saudades, outros, o alívio da ausência. Mas todos morrem,
simplesmente morrem. Até senador, delegado de polícia, pastor de igreja
evangélica, funcionário do IBGE, professora de matemática: Não sobra ninguém
para contar a história. Magistrado corrupto morre. Deputado corrupto morre.
Corrupto morre, mesmo sendo síndico de prédio de três andares que não tem
elevador. Coveiro morre. Parteira, trapezista e curandeiros também.
Pessoas boas também morrem um
dia. As que ouvimos falar ser boas e as que nos disseram que eram muito boas e
até aquelas muito boas mesmo. Pessoas ótimas morrem. Crianças de berço também
morrem. Gente rica e gente pobre, todos, sem exceção, morrem. Morrem as que
conhecemos pouco e aqueles com quem convivemos. Morrem pessoas santas e
piedosas.
Mas o pior são os amigos
quando morrem.
Ao longo de tantas e tantas
décadas vividas ele já perdera uns
tantos. Saudades. Deixaram saudades para muita gente. Sente a falta, a ausência
o vazio deixado. Quantas lembranças. Histórias inesquecíveis que participaram
juntos. Um foi outro ficou.
Muitos foram embora cedo.
Aliás, verdade seja dita, ele não gostou que tivessem morrido, pois tinham,
entre muitas, uma grande qualidade: Eram seus amigos e deixaram muitas saudades
e lembranças inesquecíveis. Mas se foram e restou o vazio inexplicável da
ausência.
O finado virou espólio. ( Tem
bens ) Era paulistano. Fora criado na
metrópole mais acolhedora e solidária que existe. Privilégio nascer e viver na
cidade de São Paulo de Piratininga. Por si, já é o melhor aprendizado.
Desde criança, sempre esteve
pelo litoral. Férias, feriados, finais de semana: Sobe a serra, desce a serra,
sobe a serra, desce a serra... Boas lembranças. Via Anchieta. Caminho do Mar.
Imigrantes. Rodovia da Banana. Tamoios.
Todas as rotas levam à orla.
Morou em Itanhaém e lá marcou
presença, fez histórias e amigos. Quantas lembranças: Praia dos Sonhos,
Cibratel, Caixa d’água, Convento... Iate Clube, noites quentes de verão. Sol,
sal, mar, barco, rio Itanhaém (Amazônia paulista). Inesquecível. Namoradinhas,
jogos de futebol na praia, banho de mar, banho de rio, banho de cavalo no
jardim. Bicicleta, buggy, intermináveis lembranças. Queimada, finca, futebol de
mesa, taco, amboré, baiacu, robalo, camarão, piu-pardo.(?)
Também em Cananéia. Morou por
lá. São João Baptista de Cananéia, a vila mais antiga do país. Lá foi muito bem
acolhido. Foi eleito. Lá foi aplaudido e adotado. Lá pode aplaudir o caiçara.
Saberes achados na brisa do mar. Universidade da vida. Laboratório vivo de
sabedoria popular. Conhecimentos perdidos pelo Lagamar. Cheiro salgado de sal.
Aplaudiu, fui ovacionado.
Emocionou-se. Lutou, brigou e aprendeu.
Nascera para brilhar, mas nem
sempre brilhou. Ocasiões brilhara, noutras foi ignorado. Noutras bateram
palmas, deram diplomas, abraços. Noutras ciúmes, inveja e temor ( infelizes )
apagaram o brilho que merecia. Coisas da vida. Foi vaiado algumas vezes. Por
ignorância, incompetência ou males entendidos, foi injustiçado diversas vezes.
Errou, mas acertou mais. Muito mais. Não se
arrepende: Fecha o balanço da vida no lucro das boas ações e
acertos.
Soube saborear a vida.
Saboreou com prazer os detalhes da vida.
Fora um relâmpago passageiro que nunca se assentou. Não se acomodou.
Transitou o quanto pode: Navegou nas
águas calmas do Lagamar, desceu o Ribeira de Iguape, subiu às cabeceiras do Rio
Itanhaém. No encontro das águas vibrou emocionado naquela curva do Negro com o Solimões: Viu
nascer o Amazonas! Esteve em Xingó e na foz do Velho Chico. Esteve em ilhas
distantes: Bananal, Marajó e outras tantas. Nunca parou. Aportou por cautela na
Ilha da Casca... 15 de Novembro de 198... dia de vacinação.
Ilha Grande, Ilhabela,
Paquetá, Queimada Grande... Sempre navegando, se aventurou pelo mundo colorido
da picotada costa brasileira. Foi a onde pode. No tempo precioso que dispôs:
Noronha, Itaparica, Ilha do Mel...Quantas !
Subiu às alturas escalando o
Pico da Bandeira e desceu às profundezas das grutas e cavernas de Iporanga.
Cidade encravada num parque florestal, estagnada e comprimida à serviço do meio
ambiente. Conheceu um ‘cadinho’ de tudo. ”Vivere navigare est”
e assim, nos limites do que foi permitido continuou rodando, navegando,
voando em busca do saber. Navegar é preciso, MORRER NÃO É PRECISO!
Morrer não é preciso, mas ele morreu.
Correu atrás. Correu o país: Tocantins, onde o sol brilha e
a terra queima. Povo desbravador.
Companheiros, solidários, amigos da verdade. Noites enluaradas. Saudades
tantas... Gente brava, do trabalho que sabe construir. A visão de Don Bosco é
verídica e se concretiza no Oeste tupiniquim. Palmas a mais nova Capital. Boi,
boiada, buchada, coisas do cerrado queimado. Provou licor de piqui. Deixou por
lá sua marca. E que marca !
Esteve no sul. Morou por lá.
Nunca parou. Santa Catarina... Lugar frio. Povo frio. Joinville, terra de gente
alemoa: desconfiada, altiva e organizada. Lugar de soldadinhos de chumbo que
não cantam samba e aloirados ficam ruborizados com a ginga faceira brasileira.
Terra de gente obediente, muda, que não dá bom dia ou pede licença. Pequenos
robôs austro-germanicos apáticos. Por lá ficou. Por lá estava quando vivo.
São Francisco do Sul: - Que
decepção. Povinho pequeno. Baia da Babitonga, paisagem exuberante, visual
ímpar, povo pequeno, soberbo, decadente, infeliz. Cidade pobre de espírito e
renda alta. Concentração de poder.
Floripa bela
encantadora terra de manés. Paisagem especial: praias de águas frias,
ostras, berbigões, ponte Hercílio Luz, Lagoa da Conceição, pitoresco natural.
Desfile feminino encantador.
- Viva Santa Catarina, o único
estado menina!
Viveu, simplesmente viveu.
Degustou pausadamente à sombra do sopro da vida, os prazeres que lhe foi proporcionado. Valeu viver. Relacionou-se
ao longo do tempo com milhares de pessoas. E por mercê divina, na Sua infinita
bondade, conquistou grandes amigos que estão espalhados por aí... Amigos,
simplesmente amigos. Grandes amigos. Os que restaram, pois muitos se foram.
Alguns sem se despedir. Amigos apressados, teimosos, estúpidos que merecem
cascudos. Lamentável.
Foi uma porção de coisas...
Tentou ser outras tantas. Dentro da
cotação generosa de uma apuração de valores medíocres talvez, crê que tenha
dado certo. Sabe bater à maquina, jogar xadrez, trocar lâmpada,pilotar barco.
Escreveu livros. Vários livros de notas, testamentos e procurações. Plantou
árvores. ( Na Enseada da Baleia ergueu
uma floresta ). Criou um filho.
Apenas um. Fez o mínimo e mais algumas tantas coisas: Trocou pneu de carro,
passou vaselina, competiu, amou, chorou de alegria, chorou de emoção,
chorou escondido. Ganhou, perdeu,caiu ,
levantou, viveu. Usou óculos Ray-ban,
cuecas samba canção, luvas, toucas e babador. Foi instrumento da Justiça e
cumpriu o papel que a vida lhe apresentou! Lutou pelo direito.
Nome de Praça. Nome de rua,
vila... Nem beco sem saída. Nunca pleiteara tamanha honraria para si. Para os
amigos sim. Seria portanto esquecido em breve: Duas gerações no máximo. Em pouco tempo ninguém mais se lembrará. Não
saberão se foi bom, mau, ou gente.
Sem levar a sério, com
sarcasmo trazia a minuta. Elaborava regras. Dizia que isso e aquilo seria conseqüência de sua
morte.
- Custos haverá. Tudo custa.
Até a morte: Cartório, certidão, atestado médico, roupa para eternidade,
transporte do féretro...
- Enfim, darei mais esse
prejuízo. Mas será o último. (Nesse plano ) Aliás, à essa altura, sabia
que já estará provocando atenções outras
noutro estágio se tudo não se extinguir antes.
No entanto, implorava para
que levassem o corpo para São Paulo. - -
- Não esqueçam: Jazigo
perpétuo da família
Recomendou ainda que, dentro das possibilidades, despedissem por ele das rodas que tinha circulado: Levem meu abraço para os advogados, servidores da justiça, time completo do escritório, magistrados, delegados, promotores, procuradores da república, policiais de todas as forças e fardas. Participem os alunos que ajudei a formar por 25 anos... Avisem os caiçaras desse inebriante litoral. Ilhéus de todas as ilhas e ilhotas que passei. Dêem meu adeus ao pessoal do Lions Clube Internacional. Meu adeus ao pessoal da PUC, aos parentes e aos que perguntarem por mim. Dentro da razoabilidade, avisem um ou outro, pois será o bastante. Noticias fúnebres se espalham. ( internet, blog, face book, pombo correio, garrafa, tambor... ) Deixe patente que não gostaria de ter ido, porém, já não estarei mais presente para protestar.
Diga a todos que se existir
algum lugar, nesse lugar algum estarei por lá de braços abertos esperando um
por um... ESTAREI SAUDOSO.
Dizia que se existisse
realmente o outro lado da vida, pois se
trata de expectativa histórica da humanidade, gostaria de poder se encontrar
com os que já estiverem por lá e deixaram por aqui saudades.
Pessoas queridas. Muito
queridas.
Pessoas que teria admirado,
que as conhecera em São Paulo e noutros sítios, dos tantos que vivera. Pessoas
que admirara, mas nunca teve oportunidade de estar próximo. Artistas de todas
as artes; cientistas de todas as ciências; personalidades com quem não pode
conversar. Pessoas do esporte que não cumprimentara, não abraçara e não pudera
estar perto.Gente que um dia, da platéia, o fez levantar e aplaudir.Gente que vira de longe.
Sua esperança, se outra vida
existisse, dizia com olhar umedecido,
era saber que poderia abraçar velhos amigos apressados que se aventuraram
pelo desconhecido. Que foram para o éter
e se escondem entre planetas e asteróides. Meninas que se tornaram estrelas
reluzindo azuis nas noites quentes do Delta do Parnaíba. Meninas cintilantes que dançam inocentes sobre a Ilha
das Cabras. Meninas nuas, eróticas e perversas que brincam de roda na praia dos
Castelhanos, no Saco de Mamanguá, junto ao maciço da Juréia, na restinga do
Marujá.
Ficava feliz porque poderia
abraçar seu pai: Saudoso, terno, insubstituível e indispensável. Fonte de sabedoria
e generosidade impar.
Enfim, taxativo rogava
constantemente que os responsáveis pelos seus restos mortais, deveriam
memorizar seu pedido e levarem aquele corpo deixado em qualquer lugar, para a
campa do Araçá.
Diversas vezes pediu.
Implorou.
Enfim, o fim. Morreu.
Não houve hinos, flores,
visitas e condolências habituais. Os seus mais próximos, tristes talvez, o
levaram,rezaram e enterraram.
- E para não dizer que não
falei de flores... Serve de alerta, emenda Lourenço, que narra o episódio trágico
de um fim: Todos seguirão o mesmo caminho. Com
testamentos, codicilos, cartas ou guias... Todos irão. Até os supersticiosos
que temem por orientar os sucessores...
- Lembrem-se e vivam a vida intensamente até o dia do
juízo. Vivam porque a eternidade os aguarda. Noutra dimensão desconhecida.
Roberto J. Pugliese
presidente da Comissão de Direito
Notarial e Registros Públicos –OAB-Sc
Despedida em tom de Machado em Brás Cubas; ou de Mario de Andrade. Mas, fique certo amigo, tudo será cumprido. Se for antes, espere-me com cerveja e camarão. Abraços.
ResponderExcluirVitor Hugo Noroefé
Tá antecipando o que ninguém quer?????
ResponderExcluirSe cuida meu amigo. Ainda há muita lenha para queimar nesta caldeira...
Abs.
Fidelis