Memória 27
Aurita, Fenix, Miramar e os batelões.
Conceição de Itanhaém só teve
ligação terrestre com São Vicente a partir
de 1912 com a inauguração do ramal da Estrada de Ferro Sorocabana que foi
construída em cumprimento ao audacioso projeto de ligar o porto de Santos ao
Paraguai, passando pelo Vale do Ribeira e adentrando em direção ao norte
paranaense. O ramal limitou-se a chegar à Juquiá, então um aglomerado de
construções pobrezinhas, pertencentes ao município de Iguape...seguindo pela
orla até Peruíbe, então uma aglomerado de choupanas sede de uma tribo Guarani.
Por volta de 1970 ou um pouco
antes talvez, a Rodovia Padre Manoel da Nóbrega, Sp 55, que da Via Anchieta
seguia também para os lados de Juquiá, atingiu o município trazendo mudanças
culturais e sociais radicais. Itanhaem estava ligada por rodagem à Capital e ao
porto de Santos.
Até então, se alcançava
Itanhaém apenas de trem ou pela praia. O elo rodoviário de ligação era a Praia
Grande, com seus 42 Km. de extensão. Apenas motoristas experientes se
aventuravam a atravessá-la, administrando o fluxo das marés, enfrentando
ribeirões e riachos... Era um desafio conquistado quase diariamente por um
micro ônibus amarelinho que fazia a linha até São Vicente. Havia também umas
peruas Dodge que fazia o mesmo trajeto.
É preciso lembrar que desde o
boqueirão da Praia Grande, não havia nada. Era uma imensidão deserta e que
qualquer vacilo consumava-se a tragédia. Não foram poucos os automóveis que
atolados foram sugados pela fúria do mar... São inúmeras as histórias trágicas
que os ousados motoristas vivenciaram atravessando a praia em direção à
Itanhaém.
Àquela época o município de
Itanhaém era grande produtor de bananas. A fruta era cultivada em fazendas
situadas no pé da serra, em baixadas
ribeirinhas isoladas, que tinham no Rio Itanhaém o único caminho para
atingi-las. Essas bananas eram produzidas em Itanhaém e levadas à Santos, que
de navio eram exportadas para a Argentina.
Lourenço recorda-se bem.
Havia três rebocadores, que puxavam batelões, carregados de bananas, que faziam
esse transporte. Puxavam cada um dos rebocadores três ou quatro batelões e de Itanhaem levavam
para Santos. Pitoresco tradicional.
O Aurita pertencia à Fazenda
Áurea, tinha as cores azuis e era menor. Outro era o Fenix e o maior de todos
era o Miramar. Esses dois eram bi colores: preto e branco. Faziam, junto com os
batelões, que eram escuros, talvez cinzas ou pretos, parte da imagem da cidade.
Quando subiam o rio Itanhaém
ou das fazendas retornavam costumavam parar ao largo do rio próximo ao Porto
Novo. Talvez por causa do fluxo das marés ou outra razão, costumavam pernoitar
ancorado por lá, oportunizando visita de
Lourenço aos rebocadores e esticar conversa com os seus marinheiros.
Doce lembrança: Entrava,
visitava as máquinas, o convés, a cabine do capitão, a cozinha... e imaginava
um dia conseguir permissão para ir até Santos numa das costumeiras viagens.
Outra lembrança é que ao
viajarem pela praia, dada a falta de estrada, não foram poucas as vezes que viu
navegando o Fenix ou o Miramar puxando os batelões em direção à Santos ou à
Itanhaém. Não se recorda de ter avistado o Aurita.
O tempo passou. A estrada
facilitou a exportação das bananas e os rebocadores foram aposentados com os
batelões... Caminhões substituíram as embarcações e Lourenço não realizou o
sonho de poder navegar até Santos.
Passaram os anos. Por volta
de 1980 incorporou um edifício em Praia Grande, próspero município que se
emancipara de São Vicente e tinha no mercado imobiliário grande procura de
investidores. Um condomínio na Vila Caiçara foi erguido sob sua
responsabilidade. Não teve dúvida, e ao
decidir sobre o nome a atribuir ao
edifício de 4 andares e 36 apartamentos, batizou de MIRAMAR.
Condomínio Edifício Miramar,
símbolo de uma doce lembrança dos tempos dos três rebocadores e da romântica
cidade de Itanhaém. Resumo de um pedaço especial de sua vida.
Roberto J. Pugliese
presidente da Comissão de Direito
Notarial e Registros Públicos –OAB-ScMembro da Academia Eldoradense de Letras
Membro da Academia Itanhaense de Letras
Titular da Cadeira nº 35 – Academia São José de Letras
Autor de Terrenos de Marinha e seus Acrescidos, Letras Jurídicas
Autor de Direitos das Coisas, Leud
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