06 outubro 2013

Edificio Miramar. ( memória nº 27)


 Memória 27

Aurita, Fenix, Miramar e os batelões.

 

Conceição de Itanhaém só teve ligação terrestre com São Vicente  a partir de 1912 com a inauguração do ramal da Estrada de Ferro Sorocabana que foi construída em cumprimento ao audacioso projeto de ligar o porto de Santos ao Paraguai, passando pelo Vale do Ribeira e adentrando em direção ao norte paranaense. O ramal limitou-se a chegar à Juquiá, então um aglomerado de construções pobrezinhas, pertencentes ao município de Iguape...seguindo pela orla até Peruíbe, então uma aglomerado de choupanas sede de uma tribo Guarani.

 

Por volta de 1970 ou um pouco antes talvez, a Rodovia Padre Manoel da Nóbrega, Sp 55, que da Via Anchieta seguia também para os lados de Juquiá, atingiu o município trazendo mudanças culturais e sociais radicais. Itanhaem estava ligada por rodagem à Capital e ao porto de Santos.

 

Até então, se alcançava Itanhaém apenas de trem ou pela praia. O elo rodoviário de ligação era a Praia Grande, com seus 42 Km. de extensão. Apenas motoristas experientes se aventuravam a atravessá-la, administrando o fluxo das marés, enfrentando ribeirões e riachos... Era um desafio conquistado quase diariamente por um micro ônibus amarelinho que fazia a linha até São Vicente. Havia também umas peruas Dodge que fazia o mesmo trajeto.

 

É preciso lembrar que desde o boqueirão da Praia Grande, não havia nada. Era uma imensidão deserta e que qualquer vacilo consumava-se a tragédia. Não foram poucos os automóveis que atolados foram sugados pela fúria do mar... São inúmeras as histórias trágicas que os ousados motoristas vivenciaram atravessando a praia em direção à Itanhaém.

 

Àquela época o município de Itanhaém era grande produtor de bananas. A fruta era cultivada em fazendas situadas no pé da serra, em  baixadas ribeirinhas isoladas, que tinham no Rio Itanhaém o único caminho para atingi-las. Essas bananas eram produzidas em Itanhaém e levadas à Santos, que de navio eram exportadas para a Argentina.

 

Lourenço recorda-se bem. Havia três rebocadores, que puxavam batelões, carregados de bananas, que faziam esse transporte. Puxavam cada um dos rebocadores  três ou quatro batelões e de Itanhaem levavam para Santos. Pitoresco tradicional.

 

O Aurita pertencia à Fazenda Áurea, tinha as cores azuis e era menor. Outro era o Fenix e o maior de todos era o Miramar. Esses dois eram bi colores: preto e branco. Faziam, junto com os batelões, que eram escuros, talvez cinzas ou pretos, parte da imagem da cidade.

 

Quando subiam o rio Itanhaém ou das fazendas retornavam costumavam parar ao largo do rio próximo ao Porto Novo. Talvez por causa do fluxo das marés ou outra razão, costumavam pernoitar ancorado por lá, oportunizando  visita de Lourenço aos rebocadores e esticar conversa com os seus marinheiros.

 

Doce lembrança: Entrava, visitava as máquinas, o convés, a cabine do capitão, a cozinha... e imaginava um dia conseguir permissão para ir até Santos numa das costumeiras viagens.

 

Outra lembrança é que ao viajarem pela praia, dada a falta de estrada, não foram poucas as vezes que viu navegando o Fenix ou o Miramar puxando os batelões em direção à Santos ou à Itanhaém. Não se recorda de ter avistado o Aurita.

 

O tempo passou. A estrada facilitou a exportação das bananas e os rebocadores foram aposentados com os batelões... Caminhões substituíram as embarcações e Lourenço não realizou o sonho de poder navegar até Santos.

 

Passaram os anos. Por volta de 1980 incorporou um edifício em Praia Grande, próspero município que se emancipara de São Vicente e tinha no mercado imobiliário grande procura de investidores. Um condomínio na Vila Caiçara foi erguido sob sua responsabilidade.  Não teve dúvida, e ao decidir sobre  o nome a atribuir ao edifício de 4 andares e 36 apartamentos, batizou de MIRAMAR.

 

Condomínio Edifício Miramar, símbolo de uma doce lembrança dos tempos dos três rebocadores e da romântica cidade de Itanhaém. Resumo de um pedaço especial de sua vida.

 

Roberto J. Pugliese
presidente da Comissão de Direito Notarial e Registros Públicos –OAB-Sc
Membro da Academia Eldoradense de Letras
Membro da Academia Itanhaense de Letras
Titular da Cadeira nº 35 – Academia São José de Letras
Autor de Terrenos de Marinha e seus Acrescidos, Letras Jurídicas
Autor de Direitos das Coisas, Leud

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