Memória
nº 31
Odila Pereira. Enigma.
Poderia ser adolescente ou
mulher já feita. U’a mulher menina. Tinha vários nomes de batismo e apelidos: Missaca, Juju, Peninha e outros, mas todos elegeram a chamar
simplesmente de Odila, numa alusão a uma delas. Poderia ser Maria José, a negra
ou Dedé, a morena, poderia ser qualquer uma delas. Mas Odila se tornou a referencia.
Talvez a mais bonita ou mais charmosa ou simplesmente a que melhor atendia
quando a procuravam... Nem todas eram caiçaras, nem todas eram de lá, algumas
aloiradas outras oxigenadas e a maioria colorida pelo sol e o sal das praias
ainda preservadas de Conceição de Itanhaém.
Enigmática, Odila Pereira
existia após as 21 horas. Uma fada que surgia na calada da noite. Antes não.
Ignorada pelos mesmos que a cortejavam, sempre a encontravam na solidão e às
escuras das praças e vielas perdidas espalhadas pela cidade.
Surpreendente era o brinde
que procuravam. Era a paz das noites escuras e a sombra das enluaradas.
Não se fazia de rogada.
Sempre muito generosa estava à disposição e com muita disposição se aventurava
nas caronas escondidas, direto para o Cibratel ou para o Suarão. Não
interessava para onde, valia a companhia e o interesse que lhe dedicava quem a
cortejava. Mas se estivesse à pé, a pedida era à Praia do Tombo, ou a beira do
rio, ou para qualquer lugar que abreviasse a chegada.
Sempre alegre e convidativa,
ora era seduzida pelos meninos amantes. Ora era quem na verdade seduzia. Sorria,
ria, cantava e se deixava levar. Sua alegria, talvez, era saber que o menino
homem ou o homem menino a convidara passear no carro do pai ou no próprio fusquinha tala larga e volante estreito,
no topo da moda 65. Mas valia também o charme de ser acompanhada para casa,
mesmo à pé, se o galanteador fosse de fora...
Raramente a levavam à Santos.
Muito pouco à Praia Grande. As vezes levavam à Peruíbe passar à noite e
degustar o charme do jantar dançante. Mas
sempre às escuras, no silencio, às escondidas...
Longe das rodas sofisticadas
das debus do Iate Clube não se
ofendia ou negava a esses convites escusos. Sabia que seria assim. Tinha que
ser assim. Era Odila Pereira a anfitriã
das noites enluaradas nas quebradas daqueles guetos silentes. Era simplesmente
Odila, a rainha cheia de charme a rolar sob o manto de estrelas pontilhando o
céu da prainha dos Pescadores ou da Praia das Saudades, desde que na mais restrita
discrição do anonimato.
Amassos daqui e dali com as
filhas meninas das tradicionais famílias
que tinham casas de praia, e passavam dias sonolentos ou fogosos em Itanhaem. Meninas que se mantinham recatadas no cumprimento de regras hipócritas e levavam
os galantes persuadores após os namoricos ingênuos, bailinhos e festinhas de
bolinações escondidas e beijinhos furtados, aos braços, amassos e duetos
pecaminosos com Odila Pereira. Delírios surdos ao som do silencio. Silencio de
espumas do mar em noites de luas e de estrelas. Discretos encontros às escuras
das madrugadas geladas e úmidas.
Sempre Odila a interpretar
com o corpo a solidão da alma.
Sempre Odila para as noites
quentes e enluaradas de verão. Sempre Odila também nas frias e chuvosas madrugadas.
Não importava quando. Tão pouco a onde. Havia Odila para todos os gostos: Com
sotaque de caipira, com jeitos e trejeitos das professorinhas concursadas;
silentes e carentes; com ternura e frases monossilábicas das orientais hospedadas no Miami do Sul e as
ousadas e sabidas vindas de lugares
distantes: Londrina, Buenos Ayres, Rio de Janeiro... E adjacências. Mas a
verdadeira Odila era caiçara, filha de Itanhaém, de trajes simples e fáceis de
serem despidas. Enigma guardado às setes
chaves na sociedade e palco de considerações, às vezes exageradas e
inverídicas, daqueles que do trato
carinhoso de Odila se orgulhavam dessas conquistas escuras.
Foram muitas as Odila’s em
Itanhaém. Serão sempre inesquecíveis as Odila´s de Itanhaém. As noturnas Odila´s
espalhadas nas praias, esquinas e lugares esquecidos de todas as férias,
feriados e finais de semana em Itanhaém.
Passados anos que
se foram, Lourenço e os amigos da velha
Conceição de Itanhaem nas casuais recordações falam com carinho e saudades da
generosa Odila Pereira.
Odila que não se
importava em não tomar sorvete, em não comer pipoca e não ir ao bang bang bagunçado do Cine Jangada...
Odila inesquecível
Pereira de sempre!
Roberto J. Pugliese
www.pugliesegomes.com.brMembro da Academia Eldoradense de Letras
Membro da Academia Itanhaense de Letras
Titular da Cadeira nº 35 – Academia São José de Letras
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