A Súmula 84 DO STJ E A INSEGURANÇA JURÍDICA
Trabalho jurídico elaborado por Juliana Wiese Dallabona e
publicado com sua autorização.
Roberto J. Pugliese
Presidente da Comissão de Direito Notarial e Registros
Públicos da OAB-Sc.
“ A
SÚMULA 84 DO STJ E A INSEGURANÇA JURÍDICA
Juliana Wiese Dallabona[1]
RESUMO
O
presente artigo tem como objetivo o estudo acerca da insegurança jurídica a que
os credores que buscam a cobrança de seus créditos estão sujeitos, desde a
edição da súmula 84 do Superior Tribunal de Justiça que aparentemente deu qualidade de direito real ao
promitente comprador desidioso, que não leva seu título a registro,
contrariando a determinação do art. 1.417 do Código Civil, equiparando e
salvaguardando seus direitos tal qual ao promitente comprador zeloso, ao
admitir a oposição de embargos de terceiro fundados em alegação de posse
advinda de compromisso de compra e venda de imóvel, ainda que desprovido de
registro. O trabalho inicia-se com a análise de alguns aspectos importantes da
propriedade, como o seu conceito e sua evolução histórica e constitucional, a
função social prestigiada pela Carta Magna de 1988, as diferentes formas de
aquisição, conceito de posse e diferenças existentes entre os institutos. Em
seguida, o foco do estudo passar a ser o registro imobiliário, resgatando sua
raiz histórica e a evolução da matéria, discorrendo acerca dos princípios
norteadores, principalmente os princípios da publicidade, presunção da validade
dos atos e da fé pública, prioridade, continuidade, especialidade, concentração
e legalidade. No último e derradeiro capítulo analisa-se os precedentes que
deram azo à edição da referida súmula 84, seu objetivo, requisitos e
exigências, cotejando a redação da súmula com as disposições do Código Civil e
Lei de Registros Públicos (n°
6.015/73), e as razões a que levaram o Superior Tribunal de Justiça a
prestigiar a posse do promitente comprador, flexibilizando a exigência de
registro do título translativo da propriedade.
Palavras-chave: Propriedade. Posse. Aquisição de propriedade.
Registro de imóvel. Escritura pública. Instrumento particular. Instrumento
público. Contrato de compra e venda. Promessa de compra e venda. Embargos de
terceiro. Fraude à execução.
ABSTRACT
This article aims at the study of the legal uncertainty that
creditors seeking recovery of their claims are subject, since the edition of 84
docket of the Superior Court who apparently gave quality real right to the
prospective buyer careless that does not take title to your record, contrary to
the determination of art. 1417 of the Civil Code, equating and safeguarding
their rights just as zealous to the prospective purchaser, by accepting the
opposition embargoes third grounded in ownership arising from purchase and sale
of property claim, albeit devoid of registration. The work starts with the
analysis of some important aspects of the property, as the concept and its
historical and constitutional development, prestigious social function by the
1988 Constitution, the different forms of acquisition, concept of ownership and
differences between institutes. Then the focus of the study become the property
registration, rescuing its historical roots and evolution of matter, talking
about the guiding principles, especially the principles of publicity, the
presumption of validity of acts and public faith priority, continuity,
specialty, concentration and legality. In the last and final chapter analyzes
the precedents that led to the publication of that docket 84, your goal,
requirements and demands, comparing the wording of the scoresheet with the
provisions of the Civil Code and Public Records Act (n° 6.015/73), and the
reasons that led the Supreme Court to honor the possession of the prospective
buyer by relaxing the requirement of registration of the translative title
property.
Keywords: Property. Possession.
Acquisition of property. Registration of property. Deed. Particular instrument.
Public instrument. Purchase and sale agreement. Purchase and sale. Embargoes
third. Fraud enforcement.
SUMÁRIO
1 Introdução – 2 Desenvolvimento: 2.1 Propriedade; 2.1.1 Evolução
histórica e constitucional da propriedade; 2.1.2 O Código Civil e a aquisição
de propriedade imóvel - Aquisição pelo registro do título; 2.1.3 Diferenças
entre propriedade e posse; 2.2 Registro Imobiliário; 2.2.1 Evolução histórica e
origem do registro; 2.2.2 Princípios do direito registral imobiliário; 2.2.3
Dos títulos registráveis; 2.3 Súmula 84 do Superior Tribunal de Justiça – 3
Considerações Finais – 4 Referências Bibliográficas – Termo de Isenção de
Responsabilidade
1 INTRODUÇÃO
A dinâmica social de circulação de bens
móveis, imóveis, mercadorias, desde a Idade Média é globalizada, não
encontrando barreiras naturais, linguísticas ou de nacionalidade. Com o passar
dos anos a mercância intensificou-se, modificando-se apenas a forma de fazer os
negócios, outrora pessoalmente, e hoje virtualmente, graças à internet. Mais e
mais tem-se comprado e vendido bens, a uma velocidade surpreendente e
inimaginável, negócio que desfalcado de segurança põe em cheque a sobrevivência
de alguns negócios, compra e venda pela rede mundial de computadores,
importação e exportação, compra e venda de imóveis.
O foco do presente trabalho é a compra e
venda de imóveis, no que se refere à relação havida entre contrato de compra e
venda e propriedade, a qual segundo o art. 1.245 do Código Civil só se
transfere com o registro do título translativo no Registro de Imóveis.
No entanto, a súmula 84 do Superior Tribunal
de Justiça possibilita ao promitente comprador que não teve o contrato de
promessa de compra e venda, em que não foi previsto arrependimento, registrado
na matrícula do imóvel, comprovada a ausência de fraude à execução, a defesa e
o resguarde da posse e deste bem perante os credores do promitente
vendedor-devedor, mediante embargos de terceiro. E é essa garantia atribuída ao
promitente comprador, que desde a edição de referida súmula, tem pego de
surpresa credores que após a indicação de bem imóvel à penhora, desimpedido e
livre de ônus, descobrem que este foi prometido a venda a terceiro, que detém
sua posse, impossibilitando-o de ter seu crédito quitado.
2 DESENVOLVIMENTO
2.1 Propriedade
O direito à propriedade, no Brasil, é uma cláusula
pétrea, garantia fundamental (CONDEIXA, 2014), constitucionalmente assegurado
no art. 5º, inciso XXII da Constituição da República Federativa do Brasil de
1988, e é regulamentado e restringido por uma série de diplomas jurídicos,
dentre eles a própria Constituição Federal (art. 5º, XXIII), o Código Civil de
2002 (Lei n° 10.406/2002), Decreto-lei n° 25/1937 e o Estatuto das Cidades (Lei
n° 10.257/2001).
Conforme lembra Washington de Barros Monteiro (2007, 3
v., p. 84) sua clássica definição surgiu com o Código de Napoleão (art. 544):
“O direito de gozar e dispor das coisas da maneira mais absoluta, desde que
delas não se faça uso proibido pelas leis e regulamentos”. Tal conceituação
sofreu uma série de críticas por graduar o absoluto, contrariando a lógica e a
semântica (PEREIRA, 2012, p. 74).
O Código Civil preferiu enunciar os direitos do
proprietário a conceituá-la (art. 1.228): “O proprietário tem a faculdade de
usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer
que injustamente a possua ou detenha”. A
propriedade constitui o “mais amplo dos direitos reais, o chamado direito real
por excelência, ou o direito real fundamental” (RIZZARDO, 2009, p. 169). E em
seguida completa o conspícuo doutrinador,
Em todos os campos da atividade humana
e no curso da vida da pessoa, sempre acompanha a idéia do ‘meu’ e do ‘teu’,
desde os primórdios das manifestações da inteligência, o que leva a afirmar ser
inerente à natureza do homem a tendência de ter, de adonar-se, de conquistar e
de adquirir.
No entanto, sua conceituação é deveras complexa, haja vista
tratar-se de um direito complexo, sendo é necessário ter conhecimento de seus
caracteres e elementos constitutivos
(MONTEIRO, 2007, 3 v., p. 84). Arnaldo Rizzardo (2009, p. 170) relembra a lição
de Orlando Gomes que conceitua a propriedade em três dimensões:
1°) O conceito sintético, que
corresponde à submissão de uma coisa em todas as suas relações com a pessoa.
2°) O conceito analítico, com o
direito de usar, fruir e dispor de uma coisa, e de reavê-la de quem quer que
injustamente a possua.
3°) O conceito descritivo, que abrange
o direito complexo, absoluto, perpétuo e exclusivo, pelo qual uma coisa fica
submetida à vontade de uma pessoa, com as limitações da lei.
E por ser absoluto é oponível erga omnes, como também
pleno, caracterizando como o direito mais completo e extenso dos direitos
reais, constituindo a parte nuclear ou central dos “demais direitos reais, que
pressupõem, necessariamente, o direito de propriedade, do qual são modificações
ou limitações, ao passo que o direito de propriedade pode existir
independentemente de outro direito real em particular” (MONTEIRO, 2007, 3 v.,
p. 84).
2.1.1
Evolução histórica e constitucional da propriedade
Entretanto, a propriedade nem sempre foi tratada como
privada. Nos primórdios da civilização ela era coletiva, modificando-se pouco a
pouco em individual, pela necessidade de dominação, gerando ambições e
conflitos, suscitando a necessidade de regramento jurídico (PEREIRA, 2012, p.
67).
Conta-nos Caio Mário da Silva Pereira (2012, p. 68) que
no Direito Romano a propriedade sempre foi individual, e com a invasão dos
bárbaros, esta passou aos poderosos nobres, em troca de segurança e proteção.
Com a eclosão da Revolução Francesa (1789) à propriedade restabeleceu-se o seu
princípio quase que absoluto, como bem se observa no artigo anteriormente
citado do Código Napoleônico, apelidado de Código da propriedade (FORNEROLLI,
2006, p. 3).
O modelo hoje conhecido nos países democráticos de regime
capitalista foi forjado a partir das guerras e movimentos sociais, surgidos em
resposta à opressão sofrida pela massa popular que reclamava por reformas
assegurando-lhes direitos nunca antes imaginados. Assim, nasceu o Estado Social
“a partir do modelo adotado pela Constituição mexicana de 1917 e pela da
Alemanha (Constituição de Weimar) de 1919” (FORNEROLLI, 2006, p. 4). Este
modelo, como pincelado linhas acima, trouxe restrições à propriedade, outrora
absoluta, em benefício do bem comum. “Os bens são dados aos homens não para que
deles extraiam o máximo de benefício e bem-estar com sacrifício dos demais,
porém, para que os utilizem na medida em que possam preencher a sua ‘função
social’”, ou seja, “o exercício do direito de propriedade há de ter por limite
o cumprimento de certos deveres e o desempenho de tal função” (PEREIRA, 2012,
p. 71). Como bem obtempera Luiz Antônio Zanini Fornerolli
a importância dada à propriedade e sua
destinação social foi de tal magnitude que o constituinte fez inseri-la como
princípio da atividade econômica, no capítulo que trata sobre a ordem econômica
e financeira, garantindo a todos a existência digna, conforme os ditames da
justiça social (CF, art. 170, incs. II e III).
Observa-se, por oportuno, que o direito à propriedade,
ainda que protegido constitucionalmente distanciou-se da propriedade originária
do Direito Romano, por ter o seu uso, gozo e disposição restringida por
disposições constitucionais ao lado de outras normativas, prestigiando os
direitos sociais em detrimento dos meramente individuais.
2.1.2
O Código Civil e a aquisição de propriedade imóvel – Aquisição pelo registro do
título
O Código Civil de 2002 disciplina a aquisição da
propriedade imóvel a partir do art. 1.238, inserido no Livro III (Direito das
Coisas), Título III (Da propriedade), Capítulo II (Da aquisição da propriedade
imóvel). Neste capítulo são tratadas as formas de aquisição da propriedade,
dividido-se em Seção I (Da usucapião), Seção II (Da aquisição pelo registro do
título) e Seção III (Da aquisição por acessão). Em que pese não previsto neste
artigo, o legislador ainda previu art. 1.784 deste código a aquisição de
propriedade pela transmissão desta propriedade pelo direito hereditário.
De acordo com o Código Civil de 2002 a aquisição da
propriedade imóvel através do registro do título em cartório competente está
disciplinada nos artigos 1.245 ao 1.247. Disciplina o art. 1.245 do Código
Civil de 2002 “Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do
título translativo no Registro de Imóveis.”.
Assim, para a aquisição da propriedade imóvel não basta a
confecção de contrato de compra e venda entre vendedor e comprador, é
necessário ainda o registro deste contrato no Registro de Imóveis. Como bem
resume Washington de Barros Monteiro (2007, 3 v., p. 101):
Dois são, portanto, os requisitos para
a aquisição de bem imóvel: I – acordo de vontades entre adquirente e
transmitente, o qual deve constar obrigatoriamente de escritura pública, se de
valor superior ao legal o bem transmitido (Cód. Civil de 2002, art. 108); II –
registro do título translativo na circunscrição imobiliária competente (Lei n.
6.015, de 31-12-1973).
Até o advento do Código Civil de 1916 a escritura pública
de compra e venda tinha o efeito de transferir a propriedade (PEREIRA, 2012, p.
100). Relembra Caio Mário da Silva Pereira (2012, p. 101) que Teixeira de
Freitas e Lafayette defendiam a necessidade de reforma do nosso direito, a fim
de normatizar a obrigatoriedade de transcrição como elemento de transmissão da
propriedade, tal qual no sistema alemão.
Ao elaborar o projeto do Código Civil de 1916 Clóvis
Beviláqua inspirou-se na doutrina germânica, adequando-o às carências e
condições da propriedade no Brasil, atribuindo ao registro presunção juris tantum, admitindo prova em
contrário. Pelo sistema alemão o registro, indispensável e obrigatório, tem
presunção juris et de iure. Como dito
linhas acima, no direito brasileiro o contrato não tem efeito de transferir a
propriedade do bem, gerando apenas direito pessoal. O direito real só é
alcançado com o registro do título no Registro de Imóveis da circunscrição do
bem. Obtempera Caio Mário da Silva Pereira (2012, p. 103) que
dentro de nossa sistemática, o
registro como modo de aquisição não tem a natureza de negócio jurídico
abstrato, como no germânico. É, então, um ato
jurídico causal, porque está sempre vinculado ao título translatício
originário, e somente opera a transferência da propriedade dentro das forças, e
sob condição da validade formal e material do título.
Assim, prepondera em nosso ordenamento jurídico o “modelo
alemão, por se perfectibilizar a propriedade com o ato do registro” (RIZZARDO,
2009, p. 305).
2.1.3 Diferenças entre propriedade e posse
Atualmente os sistemas legislativos mais modernos adotam
a teoria objetiva da posse desenvolvida por Ihering, que segundo ele “para constituir
a posse basta o corpus, dispensando o animus,
elemento de escasso valor, longe de ser essencial” (MONTEIRO, 2007, 3 v., p.
18). Tal conceituação foi elaborada em contraposição à teoria subjetiva de
Savigny que entendia ser necessário o animus,
ou seja, de ter a coisa como sua, objetivando exercer sobre ela direito de
propriedade.
Como já adiantado, a teoria objetiva foi a adotada pelo
Código Civil de 2002 (art. 1.196), como também pelo de 1916 (art. 485):
“Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não,
de algum dos poderes inerentes à propriedade”.
Vicente Ráo assim a conceitua, diferenciando-a da
propriedade, citado por Arnaldo Rizzardo (2009, p. 17)
A posse é o poder de fato;
a propriedade é o poder de direito. Ambas, conjuntamente, podem estar com o
proprietário, mas dele também podem separar-se por dois diversos modos: ou
quando o proprietário transfere a outrem, conservando a propriedade, ou quando
a posse lhe é arrebatada contra a sua vontade.
Conforme dispõe o Código Civil, detém a posse
aquele que exerce um ou todos os poderes de proprietário, uso ou gozo, admitindo-se até mesmo o de
reaver a coisa em poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha, como
por exemplo, pelos embargos de terceiro, reintegração e manutenção de posse
(art. 1.210 c/c art. 1.228, ambos do Código Civil).
Não se admite, todavia, a disposição do bem, alienação,
oneração ou destruição (RIZZARDO, 2009, p. 18).
Enquanto a transmissão da propriedade se dá através do
registro de um título, a posse constitui-se com o seu exercício fático, não
havendo possibilidade de registro de posse pura, diferenciando-se portanto do
registro dos direitos reais limitados de gozo ou fruição, como por exemplo o
usufruto. Conforme antigo ditado popular, “só é dono quem registra”.
2.2 Registro Imobiliário
Os serviços notariais e de registro, na dicção do art. 1°
da Lei dos Notários e Registradores (Lei n° 8.935/1994), tem como função
garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos.
Tais serviços são prestados pelo notário, ou tabelião, e oficial de registro,
ou registrador, os quais são profissionais do direito, dotados de fé pública, a
quem é delegado o exercício da atividade notarial e de registro (Lei n°
8.935/1994, art. 3°).
Com relação ao registrador de imóveis “compete
notadamente a prática de registro de direitos reais relativos a imóveis
situados em determinada circunscrição geográfica, além da prática de outros
atos previstos no art. 167 da Lei 6.015/1973” (LOUREIRO, 2012, p. 230).
Por oportuna, para melhor compreensão do tema, é salutar
resgatar a evolução histórica do registro de imóveis no direito brasileiro.
2.2.1 Evolução histórica e origem do registro
O prenúncio do registro de imóveis surge com a edição da
Lei Orçamentária n° 317 (art. 35), de 21/10/1843, ainda no Brasil Império, no
reinado de Dom Pedro II, que instituiu o registro geral de hipotecas, com o
fito de dar publicidade ao seu registro (BALBINO FILHO, 2012a, p. 17). Referida
lei foi regulamentada pelo Decreto n° 482, de 14/11/1846.
Entretanto, efetivamente a história do registro de
imóveis inicia-se com o Registro do Vigário, com a Lei n° 601, de 18/9/1850 e
seu Regulamento n° 1.318, de 30/1/1854, “quando a posse passou a ser
reconhecida perante o Vigário da Igreja Católica [...] e se fazia na freguesia
da situação do imóvel. O efeito desse registro era meramente declaratório, para
diferenciar o domínio particular do domínio público”, como lembra Décio Antônio
Erpen e João Pedro Lamana Paiva (2012).
Com a instituição da Lei n° 1.237/1864 criou-se “o
registro geral para a transcrição dos títulos de transmissão de imóveis
sujeitos à hipoteca e a inscrição de hipotecas.” (LOUREIRO, 2012, p. 230). Esta
lei disciplinou que somente o registro da transmissão entre vivos de bens
sujeitos a hipoteca e a instituição de ônus reais operaria efeitos em relação a
terceiros, desde a sua data. Além disso, “exigiu a escritura pública como da
substância do contrato” (BALBINO FILHO, 2012b, p. 63).
O Decreto n° 370, de 2/5/1890, incluiu “entre os atos
sujeitos a registro, a transmissão do domínio entre vivos” (BALBINO FILHO,
2012b, p. 63), os quais antes serem transcritos geravam apenas direitos
pessoais.
Com a edição do Código Civil de 1916, e das leis n°
4.827/1924 e 18.542/1928, e do Decreto n° 4.857/1939, o registro imobiliário
passou a constituir “espelho fiel das mutações jurídico-reais pelas quais passa
a propriedade imóvel, seja por ato entre vivos, seja causa mortis, seja por
força de atos judiciais.” (LOUREIRO, 2012, p. 231). Entretanto, “os
assentamentos ainda eram centrados no indicador pessoal, observada a
preponderância da série das pessoas intervenientes em negócios imobiliários”
(CENEVIVA, 2010, p. 587).
Relembrando a lição de Clóvis Beviláqua, trazida por Luiz
Guilherme Loureiro (2012, p. 231):
O registro de imóveis é o
instrumento da publicidade das mutações da propriedade e da instituição dos
ônus reais sobre imóveis. A lei anterior denominava-o geral; mas fora
organizado com referência à hipoteca. O Código Civil aproveita o mesmo
aparelho, dando-lhe maior amplitude.
Seguindo esta linha, no entanto promovendo
importantes progressos com foco nos princípios da especialidade e publicidade,
foi editada a Lei n° 6.015/73 que instituiu uma matrícula individual para cada
imóvel (art. 176, I) abandonando a transcrição, consagrando o princípio da
unitariedade matricial (BALBINO FILHO, 2012b, p. 120). Conforme
previsto no art. 167 de referida lei, “na matrícula deverão ser registrados
todos os atos que implicam constituição, transferência, alteração ou extinção
de direitos reais (além de outros que a lei considera relevantes)” (LOUREIRO,
2012, p. 233).
2.2.2 Princípios do direito registral imobiliário
Vários são os princípios em que se baseiam o
sistema registral, dentre eles da publicidade, da fé pública, da rogação ou
instância, da prioridade, da qualificação, da territorialidade, da
continuidade, da disponibilidade, da especialidade, da inscrição, da
legalidade, da presunção de validade dos atos, da oponibilidade, da eficácia
predeterminada, da não-sucedaneidade dos órgãos, do não-saneamento, da
propriedade formal, da sucessividade, da retificação, da concentração e da
cindibilidade (ERPEN; PAIVA, 2004, p. 174-184).
Não obstante a grande gama de princípios existentes
ater-se-á aqueles diretamente relacionados ao tema em discussão, limitado o
registro, em poucas linhas, de seus conceitos.
Como dito alhures, o princípio da publicidade
foi um dos preceitos que nortearam a criação dos Registros Públicos no direito
brasileiro, e a necessidade de sua maior abrangência culminou com a edição da
Lei n° 6.015/73.
O art. 17 da Lei n° 6.015/73 garante que
“qualquer pessoa pode requerer certidão do registro sem informar ao oficial ou
ao funcionário o motivo ou interesse do pedido”. Ou seja, todos têm
“possibilidade de conhecer o que nele se contém, como direito autônomo,
próprio, pouco importando se há ou não, em acréscimo, outro direito relacionado
com o bem ou direito correspondente ao registro” (CENEVIVA, 2010, p. 94).
Com relação aos princípios da presunção da
validade dos atos e da fé pública oportuno relembrar o esclarecedor e sintético
ensinamento de Afrânio de Carvalho, anotado por Nicolau Balbino Filho (2012a,
p. 204), de que
Cada qual destes dois
princípios tem seu significado próprio, mas foram amalgamados durante certo
tempo no nosso país por uma corrente da doutrina que pretendeu dar ao primeiro,
previsto na lei, a eficácia do segundo, omitido nela. O primeiro reforça a
eficácia da inscrição, sem a tornar saneadora, pois mantém o primado final do
direito subjetivo. O segundo abre uma brecha nesse primado ao admitir a
inscrição saneadora relativamente ao terceiro de boa-fé que, confiando nela,
adquire o direito. A regra é a tutela do direito subjetivo, ou a segurança
jurídica; a exceção é a tutela do terceiro de boa-fé, ou a segurança do
comércio.
Pelo princípio da prioridade ao primeiro que
apresentar o título para registro confere-se preferência na realização do ato
e, “assim, a prioridade do direito real oponível erga omnes. Vale a máxima que diz: O Direito não socorre quem dorme.” (ERPEN; PAIVA, 2004, p. 175).
Assim, em caso de “duplicidade de registro, sobre o mesmo bem, considera-se
nulo aquele feito por último, mesmo que envolva compromissos de compra e venda”
(RIZZARDO, 2009, p. 310).
O princípio da continuidade exige o
“encadeamento entre assentos pertinentes a um dado imóvel e às pessoas dele
interessadas” (RIZZARDO, 2009, p. 309). Este princípio está previsto nos arts.
195, 196, 197, 222, 223, 225, 228, 229 e 237 da Lei n° 6.015/73.
Pelo princípio da especialidade “todo imóvel
que seja objeto de registro deve estar perfeitamente individualizado”
(LOUREIRO, 2012, p. 255), assim como o titular dos direitos e da dívida
garantida sobre o imóvel, caso haja.
Décio Antônio Erpen e João Pedro Lamana Paiva
bem sintetizam (2004, p. 183) a exigência do princípio da concentração,
consagrado nos arts. 167, II, item 5, e 246, ambos da Lei n° 6.015/73, como de que
todas as informações referente ao imóvel devem constar na matrícula do imóvel,
qualquer “fatos e atos que possam implicar alteração jurídica do bem, mesmo em
caráter secundário, mas que possam ser oponíveis, sem a necessidade de se
buscar alhures informações outras”.
E por fim, o princípio da legalidade
determina a análise prévia do oficial de registro antes de sua transcrição dos
títulos a ele apresentados, quanto à legalidade e validade do título, a fim de
apurar a existência de vícios que tornem o título nulo ou anulável (RIZZARDO,
2009, p. 312).
2.2.3 Dos títulos registráveis
Nosso sistema registral, assim como o
espanhol, trata-se de um sistema de registro de direitos, e não meramente de
títulos. Estes, depois de protocolados são inscritos no Registro de Imóveis.
Assim, enquanto os títulos constituem o ponto de partida para registro ou
averbação, o direito real e/ou sua titularidade consubstanciado no título
representada o ponto de chegada (LOUREIRO, 2012, p. 275-276).
Ou seja, somente os direitos consignados nos
títulos tem acesso ao fólio real. No entanto, existem requisitos a serem
atendidos por esses títulos, como o atendimento às formalidades legais, devendo
conter “ato ou negócio jurídico registrável [Lei n° 6.015/73, art.167], com a
perfeita descrição e identificação do objeto e das partes”, como pondera Luiz
Guilherme Loureiro (2012, p. 276).
De acordo com o art. 221 da Lei n° 6.015/73 somente são
admitidos registro:
I - escrituras públicas, inclusive as lavradas em consulados
brasileiros;
II - escritos particulares
autorizados em lei, assinados pelas partes e testemunhas, com as firmas
reconhecidas, dispensado o reconhecimento quando se tratar de atos praticados
por entidades vinculadas ao Sistema Financeiro da Habitação;
III - atos autênticos de países
estrangeiros, com força de instrumento público, legalizados e traduzidos na
forma da lei, e registrados no cartório do Registro de Títulos e Documentos,
assim como sentenças proferidas por tribunais estrangeiros após homologação
pelo Supremo Tribunal Federal;
IV - cartas de sentença, formais
de partilha, certidões e mandados extraídos de autos de processo.
V - contratos ou termos administrativos, assinados com a União,
Estados, Municípios ou o Distrito Federal, no âmbito de programas de
regularização fundiária e de programas habitacionais de interesse social,
dispensado o reconhecimento de firma. (Redação dada pela Lei nº 12.424,
de 2011)
Nosso ordenamento jurídico estabelece no art.
108 do Código Civil de 2002 de que a escritura pública é
essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição,
transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor
superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País. Entretanto a
regra é excepcionada pela primeira parte do dispositivo que estabelece que a
necessidade de escritura pública pode ser afastada por lei especial.
Conforme lição de Leonardo Brandelli (2011,
p. 373) escritura pública “é o ato notarial mediante o qual o tabelião recebe
manifestações de vontade endereçadas à criação de atos jurídicos. [....] É o
instrumento (público-notarial) que contém em si um ato jurídico”. Lembra o
conspícuo doutrinador (2011, p. 377) que “dentre as exceções à regra do art.
108 do Código Civil, temos o compromisso de compra e venda que, embora
constitua direito real após o registro, poderá ser lavrado por instrumento
particular, nos termos do art. 1.417 do mesmo Código”.
Oportuno lembrar que os requisitos da
escritura pública estão dispostos no art. 215 do Código Civil, na Lei n° 7.433/85, no Decreto n° 93.240/86, e ainda, nas
normas editadas pelas Corregedorias-Gerais de Justiça de cada Estado.
Já o escrito particular registrável é “aquele
ao qual a lei dá força declaratória, translativa ou extintiva, de direito real
sobre o imóvel, e que satisfaça os requisitos formais indicados no artigo”
(CENEVIVA, 2010, p. 573).
2.3 Súmula 84 do Superior
Tribunal de Justiça
Como já assentado, somente o registro público
do título tem o condão de transferir a propriedade, atribuindo ao proprietário
o poder de proteger o seu patrimônio nas formas previstas em lei.
Consequentemente a falta de registro em cartório público apenas gera efeitos e
obrigações entre os contratantes, não produzindo qualquer efeito perante
terceiros.
Nada obstante, está pacificado na
jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, desde a edição da súmula 84 (DJ
2/7/1993), a possibilidade, em processo de execução, de proteção de bem imóvel
penhorado por meio de embargos de terceiro, por promitente comprador que não
tenha registrado título translativo de propriedade na matrícula do imóvel, e
que detém a sua posse, mesmo estando o imóvel registrado em nome do promitente
vendedor.
Relembrando o conceito de embargos de
terceiro dado por Pontes de Miranda (in
CUNHA, 1986, p. 2):
Os embargos de terceiro
são a ação do terceiro que pretende ter direito ao domínio ou outro direito,
inclusive a posse, sobre os bens penhorados ou por outro modo constritos. O
usufrutuário, por exemplo, é senhor; o locatário é possuidor. Se a penhora não
lhes respeita o direito, um ou outro pode embargar como terceiro.
No entanto, até a edição da súmula 84 pelo
Superior Tribunal de Justiça esta tese não era admitida, existindo súmula com
conteúdo diametralmente oposto publicada pelo Supremo Tribunal Federal (621, DJ
de 29/10/1984), a qual enuncia que “não enseja embargos de terceiro à penhora a
promessa de compra e venda não inscrita no registro de imóveis.”.
O entendimento do Supremo Tribunal Federal
prestigiava o art. 22 do Decreto-lei n° 58/37, estando de acordo com toda a
legislação pátria, mantida nos dias de hoje, em que pese a não
contemporaneidade. Seus precedentes não discutiram a existência ou não de posse
(CUNHA, 1986, p. 3).
No primeiro precedente que proporcionou a
construção da súmula em exame [84], o relator Min. Sálvio de Figueiredo votou
pelo provimento do recurso, confirmando a súmula 621 do STF, no que foi
acompanhado pelo Min. Barros Monteiro, registrando em seu voto:
Destarte, a inscrição no
Registro Público do contrato preliminar de compra e venda de imóvel imprime ao
direito do adquirente o efeito que decorre do próprio domínio: oposição a
todos. Enquanto não efetuada a inscrição, existe apenas o direito obrigacional
do comprador, cujo inadimplemento, como é curial, se resolve em perdas e danos
entre as partes, em outras palavras, somente gera efeitos inter partes.
[...]
Com a inobservância pelos
embargantes do sistema legal para transmissão de propriedade, no momento em que
o credor recorreu ao Poder Judiciário, para satisfazer seu crédito, encontrou o
imóvel inserido no patrimônio do devedor, posto que somente o registro opera a
transferência do domínio (art. 530, I, CCB).
De outra parte, cumpre
salientar que o mesmo sistema legal põe à disposição dos embargantes os
mecanismos jurídicos de proteção ao seu direito, quer seja através da inscrição
da promessa de compra e venda no registro imobiliário para valer contra
terceiros, quer seja pela adjudicação compulsória do bem, ao final do
pagamento, quando a decisão judicial supre a vontade do alienante que se recusa
outorgar escritura definitiva. Compete,
pois, ao interessado provocar o Judiciário em busca da defesa de seus
interesses, porquanto é sabido que dormientibus
non sucirrit jus. (REsp 188 PR 1989/0008421-6 , j. 8/8/1989, DJ 31/10/1989,
pg 16557)
Entretanto, os demais ministros, Bueno de
Souza, Athos Carneiro e Fontes de Alencar votaram pelo não provimento do
recurso. Em seu voto o Min. Bueno de Souza fez uma retrospectiva das decisões
do STF contraditórias a sua própria súmula (621), a partir de 1963, as quais
baseavam-se unissonamente na possibilidade de defender-se a posse do promitente
comprador por meio de embargos de terceiro, em caso de não comprovada fraude à
execução.
Em um dos votos avocado pelo Min. Bueno de
Souza (voto-vista proferido no RE 76.769-GB, Primeira Turma, j. 19/11/1973), o
Min. Rodrigues Alckmin destacando do relatório do Min. Luiz Gallotti transcreve
lição do mestre Pontes de Miranda:
O direito, que se supõe no
art. 707, turbado ou esbulhado (“prejudicado, melhor fora dito), não é o
direito a que se referia a Ordenação do Livro III, Título 81, ao falar do
direito de apelar, que tem o terceiro, porque alí se tratava da intervenção na relação
jurídica processual, na discussão da pretensão à sentença, e não da
execução, ou, em geral, da constrição: é o direito do terceiro, que foi objeto
de constrição judicial. Ora, os bens arrestáveis, sequestráveis, depositáveis,
penhoráveis, etc., não são só os que são objeto de propriedade (senso estrito),
de direito das coisas. São também direitos, pretensões, ações. Portanto, sempre
que a constrição judicial apanhou “direito” (títulos de crédito, direitos,
pretensões, ações, art. 930, II e V) está autorizado o emprego de embargos de
terceiro prejudicado – terceira espécie do art. 707, sendo que o legislador
preferiu considerá-la compreensiva dos embargos de terceiro senhor. Quando a
eficácia do ato judicial fere a órbita do direito, pretensão, ou ação do
terceiro, constringe-o.
Do estudo dos acórdãos que deram ensejo à
edição da súmula 84, vê-se que o Superior Tribunal de Justiça prestigiou a
defesa do direito a posse do promitente comprador, exercida em decorrência da
pactuação de instrumento particular de promessa de compra e venda, embora não
registrado. Destarte, preferiu o Tribunal prestigiar a posse e relativizar a obrigatoriedade
do registro.
O Min. Luiz Fux, quando ainda no STJ,
confirmou e assentou a necessidade de registro do título translativo no
Registro de Imóveis como providência a transmissão da propriedade. No entanto,
em seu voto afirmou que a posição adotada pelo Tribunal, de flexibilização da
exigência do registro no Registro de Imóveis, tem como fim a realização da
justiça:
PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS
DE TERCEIROS. IMÓVEL PENHORADO DE PROPRIEDADE DE EX-CÔNJUGE ESTRANHO À EXECUÇÃO
FISCAL. AUSÊNCIA DE REGISTRO DO FORMAL DE PARTILHA. [...]
1. A transmissão da
propriedade de bem imóvel, na dicção do art. 1.245 do Código Civil, opera-se
com o registro do título translativo no Registro de Imóveis, sem o qual o
alienante continua a ser havido como dono do imóvel.
2. A Lei 6.015, a seu turno, prevê a
compulsoriedade do registro e averbação dos títulos ou atos constitutivos,
declaratórios, translativos e extintivos de direitos reais sobre imóveis
reconhecidos em lei, inter vivos ou mortis causa, quer para sua constituição,
transferência e extinção, quer para sua validade em relação a terceiros, quer
para a sua disponibilidade.
3. Deveras, à luz dos
referidos diplomas legais, sobressai clara a exigência do registro dos títulos
translativos da propriedade imóvel por ato inter vivos, onerosos ou gratuitos,
porquanto os negócios jurídicos, em nosso ordenamento jurídico, não são hábeis
a transferir o domínio do bem. Assim, titular do direito é aquele em cujo nome
está transcrita a propriedade imobiliária.
4. Entrementes, a jurisprudência
do STJ, sobrepujando a questão de fundo sobre a questão da forma, como técnica
de realização da justiça, vem conferindo interpretação finalística à Lei de
Registros Públicos. Assim é que foi editada a Súmula 84, com a seguinte
redação: "É admissível a oposição de embargos de terceiro fundados em
alegação de posse advinda de compromisso de compra e venda de imóvel, ainda que
desprovido do registro". [...] (REsp 848.070/GO, rel. Ministro Luiz Fux,
Primeira Turma, julgado em 3/3/2009, DJe 25/3/2009)
Neste ínterim, não obstante a opinião de João
Pedro Lamana Paiva e Tiago Machado Burtet em artigo publicado no IRIB (2003), é
impossível concluir que a súmula 84 do STJ perdeu sua validade ante a edição do
Código Civil de 2002, pela clareza do texto da lei civil ao reforçar “a idéia
de que há a necessidade do registro da promessa para gerar um direito real”.
Por fim, do exame dos julgados proferidos
pelo STJ denota-se, também, a exigência de prova de inexistência de fraude à
execução, hipótese que acaso reconhecida impõe a improcedência dos embargos de
terceiro e autoriza a alienação ou adjudicação do bem penhorado, p.e.
Não obstante esteja consagrado na
jurisprudência a admissão de defesa da posse do promitente comprador por meio
de embargos de terceiro, tal segurança conferida ao comprador acaba por
esvaziar os registros oficiais, enfraquecendo o sistema registral que não
espelha a realidade. De mais a mais, esta prática, cria “uma subespécie de
propriedade, a informal”, que possibilita a “evasão de divisas, lavagem de
dinheiro e sonegação” (ERPEN; PAIVA, 2004, p. 180).
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A problemática tratada neste trabalho foi
acerca da insegurança jurídica a que os credores que buscam a cobrança de seus
créditos estão sujeitos, desde a edição da súmula 84 do Superior Tribunal de
Justiça. A súmula em estudo aparentemente outorgou direito real ao promitente
comprador desidioso, que não registrou seu título translativo de propriedade ou
de compromisso de compra e venda no Registro de Imóveis, equiparando e
salvaguardando seus direitos tal qual ao promitente comprador zeloso, ao
admitir a oposição de embargos de terceiro fundados em alegação de posse
advinda do compromisso de compra e venda de imóvel, ainda que desprovido de
registro, expandido a oponibilidade legalmente conferida a contrato não
registrado, inter partes.
O espírito da súmula foi de salvaguardar o
direito à posse do promitente comprador, que não levou seu contrato a registro,
não exigiu a outorga de escritura definitiva de compra e venda, ou não se
utilizou dos meios legais para requerer a adjudicação do imóvel (Código Civil
art. 1.418). Entretanto, consequentemente, acabaram por desprestigiar e
enfraquecer ainda mais o registro imobiliário brasileiro. Isto porque, ao lado
da situação de que os registros no direito brasileiro possuem presunção juris
tantum, ou seja, admitem prova em contrária, está a não realidade que espelha
os registros, ante a difusão da celebração de negócios por meio de contratos
particulares de compra e venda desprovidos de registro.
Ao prestigiar um direito em detrimento de
outro, quer-se que os ministros tenham se utilizado do princípio da
razoabilidade. Nos acórdãos analisados, aqueles que deram causa a publicação da
súmula 84 pelo Superior Tribunal de Justiça, viu-se a análise da ausência de
má-fé e de comportamentos que induziriam à fraude à execução. Em um dos
julgados, o relator Ministro Fontes de Alencar (REsp 696/RS, j. 17/10/1989, DJ
20/11/1989, PG: 17296), destacou no despacho de admissão do recurso que a
providência de levar o contrato a registro competia à promitente vendedora,
além de serem os promitentes compradores pessoas simples, p.e.
No entanto, inúmeros são os casos julgados em
que se invoca o mesmo direito, direito a oposição de embargos de terceiro
fundados em alegação de posse advinda do compromisso de compra e venda de
imóvel, ainda que desprovido do registro. Destarte, há que se questionar o
motivo do não registro dos contratos e compromissos, alguns realizados
inclusive por escritura pública. Desconhecimento ou sonegação de imposto? Os
julgados não se manifestam sobre o tema, enxergando o promitente comprador como
terceiro de boa-fé, olvidando a real intenção dos negociantes, prestigiando um
direito (posse) em detrimento de outros (propriedade, pagamento de impostos,
segurança dos registros imobiliários), inclusive em prejuízo de toda a
sociedade, fragilizando e distanciando ainda mais o alcance da almejada
segurança jurídica e publicidade, ansiada desde a edição da Lei Orçamentária n°
317 (art. 35), de 21/10/1843, ainda no Brasil Império, que previu o registro
das hipotecas no Brasil Imperial.
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TERMO DE ISENÇÃO DE
RESPONSABILIDADE
Declaro, para todos os fins de direito e que se fizerem
necessários, que isento completamente a Universidade Anhanguera-Uniderp, a Rede
de Ensino Luiz Flávio Gomes e o professor orientador de toda e qualquer
responsabilidade pelo conteúdo e idéias expressas no presente Trabalho de
Conclusão de Curso.
Estou ciente de que poderei responder administrativa,
civil e criminalmente em caso de plágio comprovado.
São José, 13 de março de 2013
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