Direito Ambiental – Processo
administrativo.
O Expresso Vida publica trabalho jurídico importante que aborda processos
administrativos ambientais que não obedecem regras constitucionais elementares.
O texto foi elaborado por Rafael Matthes, e publicado em
Agosto de 2014.
Vale a leitura.
“ O cerceamento de defesa no
processo administrativo ambiental sob a perspectiva jurisprudencial brasileira
Sob o prisma da constatação
prática de aplicação do princípio do contraditório e da ampla defesa, a
presente pesquisa tem como objetivo refletir sobre o devido processo legal
administrativo descrito no Decreto 6.514/08.
Introdução
Com a promulgação da
Constituição Federal, no ano de 1988, inaugurou-se um novo capítulo na história
do ordenamento jurídico brasileiro. A partir de então, os direitos e garantias
fundamentais, que estavam amordaçados pelo período ditatorial, ganharam relevo
e alçaram à condição de protagonistas.
Além dos direitos civis e
políticos e dos direitos sociais, econômicos e culturais, direitos de primeira
e de segunda gerações[1], respectivamente, a Carta Magna
consagrou os chamados direitos difusos, cujo exemplo mais significativo é o
direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado.
É com o espírito de
prevalência aos direitos e garantias fundamentais, em suas três gerações, que o
presente ensaio buscará responder ao problema de pesquisa consubstanciado na
seguinte indagação: há, na prática, observância ao primado da ampla defesa, no
decorrer do procedimento administrativo de apuração de responsabilidade por
danos ao meio ambiente?
O panorama jurídico da
proteção ambiental e a sua faceta administrativa será o ponto de partida desta
pesquisa e servirá de referencial teórico para a análise da prática
jurisdicional.
Apesar de se estar diante de
um ensaio, cuja pesquisa ainda será mais aprofundada, serão trazidas, ao final,
algumas considerações ou mesmo recomendações com vistas à concretude das
garantias previstas na Constituição no âmbito administrativo e judicial.
1. A consagração do meio
ambiente como um direito fundamental e as esferas de proteção
A Constituição descreveu a
proteção do meio ambiente em seu artigo 225, determinando ao poder público e à
coletividade o dever de preserva-lo para as presentes e futuras gerações. Além
disso, consignou que as condutas e atividades consideradas lesivas sujeitam os
infratores a responderem nas esferas penal, administrativa e civil.
Em que pese haver previsão
constitucional de responsabilização nas três esferas, não havia, ainda, à
época, regulamentação quanto aos crimes e infrações administrativas. A Lei
6.938/81, que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente, não supria essa
lacuna apesar de seu importante papel de aplicação no âmbito da
responsabilidade reparatória (civil).
Foi apenas em 1998, com a
publicação da Lei 9.605, que passou a vigorar no país uma norma específica sobre
os crimes e infrações administrativas ao meio ambiente. Esta lei foi
regulamentada pelo Decreto 6.514/08, o qual inseriu, definitivamente, um
procedimento próprio para apuração das infrações ao meio ambiente.
2. O procedimento
administrativo de apuração de infrações ambientais e o princípio do
contraditório e da ampla defesa
Com a publicação do Decreto
6.514/08 o processo administrativo federal para apuração das infrações ao meio
ambiente ganhou contornos próprios. A partir de então, a autoridade administrativa,
para aplicar a julgar as sanções descritas no artigo 3º, deverá levar em
consideração diversas previsões normativas específicas.
Primeiramente, após constatar
uma infração ao meio ambiente, a autoridade deve lavrar o chamado auto de
infração, que dentre outras especificidades descritas no artigo 4º, deve
aplicar a sanção levando em considerações as atenuantes e agravantes da pena.
Cientificado da autuação, o administrado tem prazo de 20 dias para oferecer
defesa.
O Decreto garante ao autuado
a produção de todas as provas que tenha alegado em sua defesa (art. 118). Por
outro lado, permite que a autoridade julgadora requisite a produção de provas
necessárias à sua convicção (art. 119). O administrado, antes do julgamento de
sua defesa, tem ainda prazo máximo de 10 dias para apresentar alegações finais
(art. 122).
Da decisão, que deve ser
motivada, rebatendo os argumentos aduzidos na defesa e indicando todos fatos e
fundamentos jurídicos em que se baseia, o autuado pode ainda apresentar recurso
administrativo em 20 dias (art. 127). São duas as esferas recursais: para a
autoridade superior e para o CONAMA (art. 130).
As notificações que sejam
endereçadas ao autuado deverão cumprir os passos descritos no artigo 96, por
meio do qual, o administrado será intimado, primeiramente, de forma pessoal ou
por intermédio de seu advogado. Em não sendo cumprida, expede-se carta
registrada com aviso de recebimento e, em terceiro lugar, estando o infrator em
lugar incerto, não sabido ou se não for localizado no endereço, é notificado
por edital.
Todas essas previsões foram
indicadas expressamente no texto legal em respeito ao primado do contraditório
e da ampla defesa, que apesar de ser indicado no artigo 95, sua aplicação já
era implícita, já que a própria Constituição Federal determinou, em seu art.
5º, LV, que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos
acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios
e recursos a ela inerentes”.
Conforme ensina Freitas
(2010, p. 219), no processo administrativo regulado pelo decreto em apreço,
“não poderá a administração restringir-lhe o direito de defesa sob pena de
infringir a norma constitucional do devido processo legal e, com isso,
acarretar a nulidade do procedimento administrativo”. Esta brevíssima análise
da inserção do meio ambiente na Constituição Federal, garante referencial
teórico para ingressar na análise dos precedentes firmados sobre o assunto.
3. A jurisprudência dos
tribunais e o cerceamento de defesa no processo administrativo para apuração de
infrações ao meio ambiente
Conforme preceitua o artigo
95 do Decreto 6.514/08, o processo administrativo para apuração de infrações ao
meio ambiente é norteado por diversos princípios, dentre os quais se destaca o
contraditório e a ampla defesa. Em que pese sua indicação expressa, o que se
percebe, na prática, é que diversos procedimentos desconsideram a sua
aplicação, resultando em verdadeiro cerceamento de defesa ao autuado.
Neste exato sentido, é
possível destacar que a Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio
Grande do Sul se deparou com um auto de infração lavrado sem a indicação do
prazo para o administrado apresentar defesa. Para o Tribunal, o auto de
infração apresentado é nulo e ineficaz, por violação ao contraditório e à ampla
defesa[2].
O Tribunal Regional Federal
da 3ª Região – TRF3, por sua vez, julgou demanda em que o agente do IBAMA, ao
descrever a violação cometida, enunciou nos autos de infração, como causa que o
conduziu à aplicação das medidas punitivas, o desmatamento de "floresta
nativa de domínio de mata atlântica". Ocorre, contudo, que após análise
das provas periciais, restou demonstrado que a área estava inserida no bioma
cerrado[3].
Aplicando a teoria dos
motivos determinantes[4], a Desembargadora Federal
Mairan Maia entendeu pela nulidade dos autos de infração aplicados, já que, em
suas palavras: “são inválidos os atos administrativos lavrados por vício quanto
à motivação”.
Apesar de não se tratar de um
caso de índole ambiental, o Superior Tribunal de Justiça também já se
manifestou sobre a nulidade dos processos administrativos, quando houver
violação ao contraditório e a ampla defesa. Decisão, esta, que pode ser
utilizada como paradigma em todos os demais procedimentos administrativos.
De acordo com a Primeira
Turma, ao analisar demanda em que a parte não foi regularmente notificada,
entendeu pela nulidade do processo administrativo, já que “a notificação
administrativa deve observar as exigências legais, de molde a afastar qualquer
dúvida razoável de que o objetivo do ato foi alcançado”[5]. É exatamente esta a determinação
contida no artigo 96 do Decreto 6.514/08.
Apesar dos precedentes
favoráveis, a comprovação de que o processo administrativo é nulo não se traduz
em uma tarefa fácil. Pelo contrário! Isso porque, os atos administrativos gozam
de presunção de legitimidade e de veracidade e, para os tribunais, a
legitimidade será desconstituída apenas se a parte fizer prova inequívoca de
três aspectos: (a) inexistência dos fatos descritos no auto de infração; (b)
atipicidade da conduta ou (c) vício em um de seus elementos componentes
(sujeito, objeto, forma, motivo e finalidade)[6].
Conclusão
A despeito de todo e qualquer
procedimento administrativo ter que respeitar os ditames constitucionais, o que
se percebe na prática é que as sanções vêm sendo aplicadas sem levar em
considerações garantias básicas do administrado, como, por exemplo, o
contraditório e a ampla defesa.
Em razão do patente
cerceamento de defesa, os Tribunais nacionais foram convocados a se
manifestarem sobre a matéria. Deparando-se, por vezes, com um aparente conflito
entre a proteção do meio ambiente e a garantia do contraditório, as decisões
oscilam. Por vezes, tem-se o reconhecimento da nulidade, por vezes, tem-se a
primazia da presunção de legitimidade em favor dos autos de infração.
Conforme indicado na inicial,
o presente se trata de um simples ensaio sobre uma pesquisa que ainda está em
andamento. Todavia, desde já é possível perceber a importância da participação
dos aplicares do Direito, com vistas a afastar supostos abusos das autoridades
administrativas e garantir a todos os cidadãos o devido processo legal.
Referências bibliográficas
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional.
14ªed. São Paulo: Malheiros, 2004.
FREITAS, Vladimir Passos de. Direito Administrativo e Meio
Ambiente. 4ªed. Curitiba: Juruá, 2010.
MELLO, Celso Antônio Bandeira
de. Curso de Direito
Administrativo. 14ªed. São Paulo: Malheiros, 2012.
MILARÉ, Édis. Direito do
Ambiente: A Gestão
Ambiental em Foco.7ªed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
Notas
[1] Denominação utilizada por Paulo
Bonavides, por meio do qual a primeira geração compreende os direitos inerentes
à liberdade (direitos civis e políticos), já a segunda compreende os direitos inerentes
à igualdade (direitos sociais) e a terceira geração compreende os diretos
relativos à fraternidade (direitos difusos). In: Curso de Direito
Constitucional. 14ªed. São Paulo: Malheiros, 2004.
[2] TJRS – Apelação Cível
70019020387 – 2ª Câmara Cível – Relator Desembargador Roque Volkweiss. Julgado
em 09/04/2008.
[3] TRF3 – Apelação Cível 1404325 –
6ª Turma – Relatora Mairan Maia. Julgado em 27/01/2011.
[4]
Conforme Celso Antônio Bandeira de Mello, o motivo é
"o pressuposto de fato que autoriza ou exige a prática do ato. É, pois, a
situação do mundo empírico que deve ser tomada em conta para a prática do ato"
(2002, pp. 350/351).
[5] STJ - RESP/RS 379.332 – 1ª Turma -
Relator Ministro José Delegado - julgado em 19/02/02.
[6] TRF3 – Apelação Cível 304987 – 6ª Turma –
Relatora Mairan Maia. Julgado em 31/05/2012 “
O Expresso Vida parabeniza o
autor do texto e assevera a importância em razão das costumeiras violações de
direitos individuais em favor do meio ambiente.
Roberto J. Pugliese
Autor de Direito das
Coisas, Leud, 2005
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