02 agosto 2013

O posseiro e o grileiro. ( memória nº17)


David e o Golias.

 

Por volta de 1982 Lourenço morava com a família no bairro do Carijo em Cananeia, um reduto de pescadores e gente muito simples e amável.

 

Mantinha seu escritório no centro da pequena cidade que ainda não era sede de Comarca. No final da década de LX, daquele século, o Tribunal de Justiça havia extinguido a Comarca, uma das mais antigas do Estado, e transferido a sede da jurisdição para então criada Comarca de Jacupiranga, aproximadamente há 70 km. de distancia às margens da rodovia Regis Bittencourt.

 

Seu cunhado foi visitá-lo e por alguma razão ambos foram de automóvel até o Ariri, distrito ao sul, na divisa com o município de Guaraqueçaba, no Paraná.

 

Àquela época a estrada recém inaugurada pelo então Governador Laudo Natel era transitável. Partindo da rodovia que une a ilha à Pariquera Açu, no bairro de Itapitangui, no continente, a estrada segue beirando a serra e próximo ao canal de Ararapira e o Mar de Irariaia, o estrada que um dia será o leito da BR 101 na região, atravessa inúmeros rios, ribeirões, charcos e brejos que em dia de chuva a torna quase sempre intransitável para veículos de passeio.

 

A paisagem é pitoresca: Para dentro, a serra coberta pela Mata Atlantica. Para baixo, manguezais e charcos quase constantes.

 

Iam em direção ao sul quando numa das baixadas um senhor com uma caminhonete atolada pediu ajuda sendo imediatamente atendido.

 

Conversa vai  e vem Lourenço falou de seu escritório e o senhor, de nome Milréu, se apresentou como gerente de uma madeireira e pai de Milton Milréu, então superintendente do INSS no Estado de São Paulo. Entre tantas outras informações disse que seu filho era proprietário de toda aquela serra etc, etc, etc... Para quem sabe  o que significa, um grilo gigantesco.

 

Os anos passaram. A serra, Parque Estadual que tem como limites as divisas com os Estados do Paraná e do Rio de Janeiro, por força de lei tem sua flora e fauna protegida de qualquer exploração econômica.

 

No entanto, o senhor Milton, o filho do gerente da serraria, com poderes decorrentes de sua posição política e padrinhos que detinha no âmbito estadual e federal pouco se importara com as restrições como próprio às elites brasileiras.

 

Certo dia, já não residindo mais em Cananéia, Lourenço que mantinha ainda muitas atividades profissionais na cidade, o que o obrigava ir a cada quinze dias cumprir agendas, participar de audiências e outros compromissos, foi procurado por um casal humilde de mateiros, que em poucas palavras estavam sendo constrangidos pelo Milton, da serraria, que tentara comprar o sítio que mantinham no meio da floresta e havendo negativa em vende-lo, vinham sofrendo constantes ameaças.

 

Eram palmiteiros tradicionais, humildes, descendentes do nada e que viviam há várias gerações perdidos na serra do Mar...

 

Contratado interpôs uma medida possessória em favor dos possuidores em defesa da posse do aludido sítio contra o referido Milton que provocava constrangimentos. No entanto a Juíza de Direito negou a liminar e determinou que se realizasse audiência de justificação de posse, que nos termos da lei processual exige que o adverso seja intimado para comparecer e participar de atos durante a solenidade se assim desejar.

 

A dificuldade era grande. Naquela época Milton Milreu, era réu em inúmeras ações, inclusive criminais, sendo procurado pelas policias federais e estaduais e se encontrava em lugar incerto e não sabido. No entanto, mantinha guardas e jagunços na aludida propriedade que continuavam a ameaçar a posse objeto da ação e provocava constantes tentativas de esbulhá-la.

 

A solução, foi pessoalmente esclarecer à Magistrada quem era o adverso, as condições financeiras das partes, com grande diferença e potencial em disputa, e convencê-la de que se deferisse a ordem liminarmente, o requerido tomando conhecimento, responderia a ação e se fosse o caso, a mesma Magistrada analisaria as peças e poderia até revogar a ordem, para estabelecer um procedimento justo aos envolvidos.

 

Não havia outra forma. Como citar alguém que se escondia da Polícia e da Justiça?

 

E foi assim que se deu. A ordem liminar foi deferida e MIlreu o procurado por todas autoridades em processos dos mais variados, respondeu a ação, não teve a ordem revogada e ao final, então, já sem ser foragido da Justiça, compareceu em audiência de instrução e julgamento, no foro de Cananeia, já inaugurado e pessoalmente, celebrou com o casal de lavradores um acordo pondo fim a lide.

 

Essa ação que já se extinguiu há anos tantos é uma das boas lembranças que Lourenço guarda em suas atividades profissionais em defesa de caiçaras fragilizados e oprimidos.

 

Esse processo traz junto com inúmeros outros guardados na mente enriquecendo seu acervo de atividades que teve no Vale do Ribeira e em Cananéia.

 

Roberto J. Pugliese
www.pugliesegomes.com.br
Membro da Academia Eldoradense de Letras
Membro da Academia Itanhaense de Letras
Titular da cadeira nº 35 – Academia de Letras de São José.

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