David e o Golias.
Por volta de 1982 Lourenço
morava com a família no bairro do Carijo em Cananeia, um reduto de pescadores e
gente muito simples e amável.
Mantinha seu escritório no
centro da pequena cidade que ainda não era sede de Comarca. No final da década
de LX, daquele século, o Tribunal de Justiça havia extinguido a Comarca, uma
das mais antigas do Estado, e transferido a sede da jurisdição para então
criada Comarca de Jacupiranga, aproximadamente há 70 km. de distancia às
margens da rodovia Regis Bittencourt.
Seu cunhado foi visitá-lo e
por alguma razão ambos foram de automóvel até o Ariri, distrito ao sul, na
divisa com o município de Guaraqueçaba, no Paraná.
Àquela época a estrada recém
inaugurada pelo então Governador Laudo Natel era transitável. Partindo da
rodovia que une a ilha à Pariquera Açu, no bairro de Itapitangui, no continente,
a estrada segue beirando a serra e próximo ao canal de Ararapira e o Mar de
Irariaia, o estrada que um dia será o leito da BR 101 na região, atravessa
inúmeros rios, ribeirões, charcos e brejos que em dia de chuva a torna quase
sempre intransitável para veículos de passeio.
A paisagem é pitoresca: Para
dentro, a serra coberta pela Mata Atlantica. Para baixo, manguezais e charcos
quase constantes.
Iam em direção ao sul quando
numa das baixadas um senhor com uma caminhonete atolada pediu ajuda sendo imediatamente
atendido.
Conversa vai e vem Lourenço falou de seu escritório e o
senhor, de nome Milréu, se apresentou como gerente de uma madeireira e pai de
Milton Milréu, então superintendente do INSS no Estado de São Paulo. Entre
tantas outras informações disse que seu filho era proprietário de toda aquela
serra etc, etc, etc... Para quem sabe o
que significa, um grilo gigantesco.
Os anos passaram. A serra,
Parque Estadual que tem como limites as divisas com os Estados do Paraná e do
Rio de Janeiro, por força de lei tem sua flora e fauna protegida de qualquer
exploração econômica.
No entanto, o senhor Milton,
o filho do gerente da serraria, com poderes decorrentes de sua posição política
e padrinhos que detinha no âmbito estadual e federal pouco se importara com as
restrições como próprio às elites brasileiras.
Certo dia, já não residindo
mais em Cananéia, Lourenço que mantinha ainda muitas atividades profissionais
na cidade, o que o obrigava ir a cada quinze dias cumprir agendas, participar
de audiências e outros compromissos, foi procurado por um casal humilde de
mateiros, que em poucas palavras estavam sendo constrangidos pelo Milton, da
serraria, que tentara comprar o sítio que mantinham no meio da floresta e
havendo negativa em vende-lo, vinham sofrendo constantes ameaças.
Eram palmiteiros
tradicionais, humildes, descendentes do nada e que viviam há várias gerações
perdidos na serra do Mar...
Contratado interpôs uma
medida possessória em favor dos possuidores em defesa da posse do aludido sítio
contra o referido Milton que provocava constrangimentos. No entanto a Juíza de
Direito negou a liminar e determinou que se realizasse audiência de
justificação de posse, que nos termos da lei processual exige que o adverso
seja intimado para comparecer e participar de atos durante a solenidade se
assim desejar.
A dificuldade era grande.
Naquela época Milton Milreu, era réu em inúmeras ações, inclusive criminais,
sendo procurado pelas policias federais e estaduais e se encontrava em lugar
incerto e não sabido. No entanto, mantinha guardas e jagunços na aludida
propriedade que continuavam a ameaçar a posse objeto da ação e provocava
constantes tentativas de esbulhá-la.
A solução, foi pessoalmente
esclarecer à Magistrada quem era o adverso, as condições financeiras das
partes, com grande diferença e potencial em disputa, e convencê-la de que se
deferisse a ordem liminarmente, o requerido tomando conhecimento, responderia a
ação e se fosse o caso, a mesma Magistrada analisaria as peças e poderia até
revogar a ordem, para estabelecer um procedimento justo aos envolvidos.
Não havia outra forma. Como
citar alguém que se escondia da Polícia e da Justiça?
E foi assim que se deu. A
ordem liminar foi deferida e MIlreu o procurado por todas autoridades em
processos dos mais variados, respondeu a ação, não teve a ordem revogada e ao
final, então, já sem ser foragido da Justiça, compareceu em audiência de
instrução e julgamento, no foro de Cananeia, já inaugurado e pessoalmente,
celebrou com o casal de lavradores um acordo pondo fim a lide.
Essa ação que já se extinguiu
há anos tantos é uma das boas lembranças que Lourenço guarda em suas atividades
profissionais em defesa de caiçaras fragilizados e oprimidos.
Esse processo traz junto com
inúmeros outros guardados na mente enriquecendo seu acervo de atividades que
teve no Vale do Ribeira e em Cananéia.
Roberto J. Pugliese
www.pugliesegomes.com.brMembro da Academia Eldoradense de Letras
Membro da Academia Itanhaense de Letras
Titular da cadeira nº 35 – Academia de Letras de São José.
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