17 agosto 2013

Os extra-terrenos, os bem te vis e o sítio.( memória 20 )


Memória 20
Granja Conceição.

 
Desde o seu nascimento, seus avôs maternos residiam num sítio encravado num distrito de São Roque, município da região de Sorocaba, no interior de São Paulo, isolado por montanhas, sem energia elétrica, telefone e outras condições mínimas de conforto que nos idos de 1950, àquela época,  já existiam.

Situado à apenas 60 km. da Capital de São Paulo, a Granja Conceição tinha em torno de 15 alqueires paulistas, 12 mil galinhas, porcos, cabritos e uma enorme vinha. Seu avô produzia um notabilizado vinho, que ao longo dos anos chegou a ganhar alguns prêmios.

Havia também roça de milho, mandioca, horta, pomar... E muito espaço para que os netos quando fossem para lá pudessem brincar. Havia um lago, um pequeno córrego e não muita mata natural. Existia uma bica de água natural a meio caminho da adega e a casa principal. No barracão junto a casa, onde servia de garagem de um jeep modelo da grande guerra e um trator, havia a carcaça de um jacaré que apareceu por lá e de bobeira virou um bom caldo.

Seus avós foram escolhidos pelos seus pais para batizá-lo, o sendo numa pequena capela erguida pelas imediações, próxima a sede do distrito de São João Novo, recebendo o nome de Lourenço, em homenagem ao santo que tem sua celebração no dia de seu nascimento.

Mas não gostava de lá. Nunca gostou.

Acostumado com o movimento e as peculiaridades da cidade, com televisão, vias urbanizadas e todo o dinamismo de São Paulo, já a principal metrópole do país,  ir ao sítio uma ou duas vezes por mês e passar o domingo, almoçar reunido com outros primos, tios e até alguns parentes mais distantes não era o passeio agradável que poderia o se-lo ou o era para outros.

Ainda que sua avó fizesse o doce de banana com chocolate que gostava e nunca mais teve oportunidade de comer; que seu avô lhe contasse inúmeras histórias e o levasse passear de trator e que se relacionasse bem com seus primos, mais velhos e mais novos, Lourenço preferia ir para Itanhaem, para a praia ou permanecer com a avó paterna e sua família.

Preferências pessoais; Vovó Conceição, tia Leta, tia Nena, tia Sinha, tia Landa  e os primos lhe eram mais queridos... Preferência pessoal.

Entre outras histórias seu avô narrava as pitorescas e inesquecíveis de Pedro Malazartes... Histórias de suas próprias andanças e aventuras de quem ficou órfão de pai e mãe logo à primeira infância.

Lembra-se que foram bem raras as vezes que ficou pelo sítio por algum tempo. Sempre ia com os pais passar o domingo. Mas foram poucas as vezes que dormiu por lá.

Lembra-se que certa vez foi com o avô de trem para o sítio passar alguns dias. A Sorocabana tinha uma linha que de Sampa seguia à Sorocaba e parava em São João Novo, uma pequenina estação. Recorda-se bem daquela viagem bem diferente.

Certa vez estava há alguns dias por lá e à noite, à sombra do  aladim, que iluminava a cozinha, ouviu uma história que seu tio, militar da aeronáutica contava para os adultos:

“...

Então eu era o oficial do dia e naquela noite vimos uma luz no final do campo de pouso. Determinei que uma patrulha fosse até lá. O jeep não conseguia se aproximar. Não funcionava. Ia até certo ponto e parava de funcionar. Eles retornaram e me contaram. Mandei que fossem com outro veículo e o fato, no mesmo ponto da pista, aconteceu novamente. Então, fui eu, mas não consegui chegar. O veículo não funcionava e não seguia. Mais tarde, a luz subiu e sumiu... “

Naquele quadro escuro, meio sombreado pela penumbra escurecida do aladim, com o silencio do sítio numa noite perdida interrompida pelos sons do mato e todo o quadro que visualizava, impunha a Lourenço mais que o medo natural, mas um pavor de sair da sala, onde permanecia escondido e seguir até o quarto, indo pelos cômodos no escuro e  na solidão de seus 8 anos de idade talvez ou 9 e  ir deitar...Mas dormir não.

Nas suas idas à Campo Grande, sempre de avião, pousou e lembrou-se da história que o remeteu à  cidade pequena, estratégica, quase desabitada, em meados de 1950. Uma cidade que recebeu uma noite visitas de seres vindos de outros planetas, galáxias ou de qualquer ponto do universo.

Numa outra ocasião lembra-se que conheceu o pai de sua avó. Um velhinho simpático que se não está confundindo, foi o primeiro prefeito da cidade de Bauru, lugar onde a avó nascera no século anterior. Lembra-se que o velhinho usava um chapéu e bengala.

Por recordar-se dos avós maternos  lembra-se também que num Julho qualquer, provavelmente 1953,ainda bem criança, seus avós foram à Itanhaem e se hospedaram na Vivenda Eloá rancho que seu pai alugara. Lembra-se bem que ao cair da tarde, deitado na rede, no terraço junto com avô Tancredo, ouvia inúmeras histórias, dele, do Pedro Malazartes e que mostravam a prática do bem... Lembra-se que via, naquela situação, as nuvens do final da tarde movimentarem-se e os pássaros  cantarem Bem Te Vi. Seu avô falava qualquer coisa a respeito desses pássaros.

 
Anos depois, quando em agosto de 1970 ajudou a carregar o caixão com o corpo do avô no túmulo da família de seus pais, no silencio da saudades, da tristeza e do momento, prestou atenção e recorda-se que ouviu inúmeros Bem Te Vi manifestarem-se estar presente ...

Lourenço recorda-se com saudades da ternura que Tancredo seu avô e padrinho lhe dedicava. Saudade esquisita da Granja Conceição.

Roberto J. Pugliese
www.pugliesegomes.com.br
titular da cadeira nº35 da Academia São José de Letras.

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