Memória 20
Granja Conceição.
Situado à apenas 60 km. da
Capital de São Paulo, a Granja Conceição
tinha em torno de 15 alqueires paulistas, 12 mil galinhas, porcos, cabritos e
uma enorme vinha. Seu avô produzia um notabilizado vinho, que ao longo dos anos
chegou a ganhar alguns prêmios.
Havia também roça de milho,
mandioca, horta, pomar... E muito espaço para que os netos quando fossem para
lá pudessem brincar. Havia um lago, um pequeno córrego e não muita mata
natural. Existia uma bica de água natural a meio caminho da adega e a casa
principal. No barracão junto a casa, onde servia de garagem de um jeep modelo
da grande guerra e um trator, havia a carcaça de um jacaré que apareceu por lá
e de bobeira virou um bom caldo.
Seus avós foram escolhidos
pelos seus pais para batizá-lo, o sendo numa pequena capela erguida pelas
imediações, próxima a sede do distrito de São João Novo, recebendo o nome de
Lourenço, em homenagem ao santo que tem sua celebração no dia de seu
nascimento.
Mas não gostava de lá. Nunca
gostou.
Acostumado com o movimento e
as peculiaridades da cidade, com televisão, vias urbanizadas e todo o dinamismo
de São Paulo, já a principal metrópole do país,
ir ao sítio uma ou duas vezes por mês e passar o domingo, almoçar
reunido com outros primos, tios e até alguns parentes mais distantes não era o
passeio agradável que poderia o se-lo ou o era para outros.
Ainda que sua avó fizesse o
doce de banana com chocolate que gostava e nunca mais teve oportunidade de
comer; que seu avô lhe contasse inúmeras histórias e o levasse passear de
trator e que se relacionasse bem com seus primos, mais velhos e mais novos,
Lourenço preferia ir para Itanhaem, para a praia ou permanecer com a avó
paterna e sua família.
Preferências pessoais; Vovó
Conceição, tia Leta, tia Nena, tia Sinha, tia Landa e os primos lhe eram mais queridos...
Preferência pessoal.
Entre outras histórias seu
avô narrava as pitorescas e inesquecíveis de Pedro Malazartes... Histórias de
suas próprias andanças e aventuras de quem ficou órfão de pai e mãe logo à
primeira infância.
Lembra-se que foram bem raras
as vezes que ficou pelo sítio por algum tempo. Sempre ia com os pais passar o
domingo. Mas foram poucas as vezes que dormiu por lá.
Lembra-se que certa vez foi
com o avô de trem para o sítio passar alguns dias. A Sorocabana tinha uma linha
que de Sampa seguia à Sorocaba e parava em São João Novo, uma pequenina
estação. Recorda-se bem daquela viagem bem diferente.
Certa vez estava há alguns
dias por lá e à noite, à sombra do
aladim, que iluminava a cozinha, ouviu uma história que seu tio, militar
da aeronáutica contava para os adultos:
“...
Então eu era o oficial do dia e naquela noite vimos uma luz no final do
campo de pouso. Determinei que uma patrulha fosse até lá. O jeep não conseguia
se aproximar. Não funcionava. Ia até certo ponto e parava de funcionar. Eles
retornaram e me contaram. Mandei que fossem com outro veículo e o fato, no
mesmo ponto da pista, aconteceu novamente. Então, fui eu, mas não consegui
chegar. O veículo não funcionava e não seguia. Mais tarde, a luz subiu e
sumiu... “
Naquele quadro escuro, meio
sombreado pela penumbra escurecida do aladim, com o silencio do sítio numa
noite perdida interrompida pelos sons do mato e todo o quadro que visualizava,
impunha a Lourenço mais que o medo natural, mas um pavor de sair da sala, onde
permanecia escondido e seguir até o quarto, indo pelos cômodos no escuro e na solidão de seus 8 anos de idade talvez ou 9
e ir deitar...Mas dormir não.
Nas suas idas à Campo Grande,
sempre de avião, pousou e lembrou-se da história que o remeteu à cidade pequena, estratégica, quase
desabitada, em meados de 1950. Uma cidade que recebeu uma noite visitas de
seres vindos de outros planetas, galáxias ou de qualquer ponto do universo.
Numa outra ocasião lembra-se
que conheceu o pai de sua avó. Um velhinho simpático que se não está
confundindo, foi o primeiro prefeito da cidade de Bauru, lugar onde a avó
nascera no século anterior. Lembra-se que o velhinho usava um chapéu e bengala.
Por recordar-se dos avós maternos
lembra-se também que num Julho qualquer,
provavelmente 1953,ainda bem criança, seus avós foram à Itanhaem e se
hospedaram na Vivenda Eloá rancho que seu pai alugara. Lembra-se bem que ao
cair da tarde, deitado na rede, no terraço junto com avô Tancredo, ouvia
inúmeras histórias, dele, do Pedro Malazartes e que mostravam a prática do
bem... Lembra-se que via, naquela situação, as nuvens do final da tarde
movimentarem-se e os pássaros cantarem
Bem Te Vi. Seu avô falava qualquer coisa a respeito desses pássaros.
Lourenço recorda-se com
saudades da ternura que Tancredo seu avô e padrinho lhe dedicava. Saudade esquisita
da Granja Conceição.
Roberto J. Pugliese
www.pugliesegomes.com.brtitular da cadeira nº35 da Academia São José de Letras.
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