28 julho 2012

Lembranças de Recife - memória nº03

 Memória nº 3
Aeroporto de Guararapes.

Por volta de 1973 ou um ano depois, ainda estudante de direito, trabalhando no 22º tabelionato de notas de São Paulo, soube que haveria um Congresso de Direito Civil de estudantes na cidade do Recife, Pe.

Conseguiu abono de faltas na Pucsp e junto ao dr. Arruda Botelho, tabelião e patrão, as passagens com o pai e uma apresentação para representar a faculdade, com o professor Washington de Barros Monteiro, emérito e inesquecível civilista brasileiro dos tempos modernos.

Convidou para acompanha-lo o colega Salvador, amigo e também torcedor do São Paulo Futebol Clube.

Foi sua primeira viagem aérea. A Varig estava inaugurando uma linha direta, São Paulo – Recife, e sairiam à tarde de um sábado do aeroporto de Congonhas, para descer depois de 3 horas aproximadamente, na capital pernambucana. No entanto, o tempo ruim os obrigou saírem de Viracopos, Campinas, atrasando a decolagem e a chegada que se deu apenas por volta da meia noite. Delicia. Saíram com chuva forte e tempo ruim e ao pisarem na pista, já sentiram o bafo quente, das noites do Nordeste.

Ótima sensação de bem estar. Calor. Noite estrelada e uma semana em atividades mistas: meio trabalho jurídico, discutindo em nome da PUC, direito civil e meio bagunça, descanso, férias e alegria própria dos jovens. Tomaram um taxi para o hotel, um dos que em convenio com os organizadores, estava recepcionando os estudantes de todo o país.

Espelunca 5 estrelas. Hotelzinho no centro da cidade, instalado numa construção antiga, que se encontrava em reforma, com teto alto, frestas, baratas, falta de higiene aparente e real e demais qualidades para que os representantes do planalto de Piratininga não ficassem à vontade.

Dormiram muito mal. Não tinham outra alternativa naquela altura da noite. Dormiram e no domingo de manhã revoltados, resolveram ultimar medida drástica.

- Vamos atrás do Janjão.

Antes de viajar, a mãe dele dera o telefone de um afilhado, filho de sua prima, solteiro, tão jovem ou mais do que os aprendizes de juristas, era comissário de bordo, e morava sozinho num apartamento em Recife.

Ele ligou e disse por cima que estava com problemas de hospedagem, sendo convidado para encontra-lo em determinado endereço, nas proximidades, por coincidência, que ele teria uma solução para o grave problema do filho da tia Dirce.

Por volta das 13 horas, depois de caminharem pelas ruas e avenidas frondosas da escaldante Recife, sob o sol intenso daquele mês de novembro ou outubro, chegaram a uma casa térrea com uma sacada tipo 1950, um amplo corredor, jardim, alpendre, onde há uns 20 metros da rua, descansava alguém numa rede. Bateram e aguardaram.

Jãnjão apareceu, escutou atentamente ele e o amigo Salvador. Após o relato detalhado de ambos, com muita segurança, estendeu um dos braços e girando em meia circunferência bradou:

- Deixa comigo, vou resolver o problema de vocês.

Ele, com os seus botões imediatamente pensou: Vai nos convidar para nos hospedarmos na sua residência, afinal, sou filho da madrinha...

Entraram os três e seguiram até o fundo do alpendre, atravessaram a rede, e foram colocados em duas cadeiras, sendo questionado pelo moço calmo e tranquilo que iniciava a cesta costumeira, após um farto e delicioso almoço de domingo. ( imagino )

Janjão, de pé, os havia apresentado, sendo que se tratava do filho do dono da casa, e futuro cunhado, já que era irmão da noiva do filho da prima da mãe dele... 

Salvador se arvorou a contar os fatos. Relatava com detalhes. Sujeira, barata, barulho, cama dura, falta de roupa de cama... enfim, minuciou a angustia de terem, eles, legítimos representantes da Puc do Estado líder da Federação, passados uma noite mal dormida e ainda terem pela frente mais 5 ou 6 dias de previsível sofrimento naquela hospedaria de 5ª. categoria.

Atentamente o interluctor escutou e perguntou com calma qual era o hotel e onde ficava, pois iria resolver a triste situação de ambos. Foi o mesmo Salvador quem pronunciou o nome, omitindo o endereço, por não ter certeza.

- Hotel Lorde, fica aqui perto.

Com a mesma tranquilidade o homem da rede emendou: - Esse hotel é meu.

Havia uma rede no caminho. Não dava para fugir. Havia um portão, que até poderia ser pulado. Mas a rede, os obrigou a escutar meias palavras justificando as condições do hotelzinho, despedirem-se e zarparem, para nunca mais, até hoje, passados quase quarenta anos, verem o Janjão, filho da prima da mãe dele.

....

Passaram-se os anos e em 2009 ou 2010, em novembro, a convite de um escritório de advocacia de nome, voltou a Recife, dessa vez com a sua mulher, para proferir uma palestra numa universidade. Falaria para alunos e advogados a respeito de terrenos de marinha.

Antes foram ao arquipélago de Fernando de Noronha e passaram por lá uma maravilhosa semana. Ainda que merece ser registrado, que sua mulher perdeu a carteira e todos os documentos e dinheiro que ali se encontrava e que se decepcionou com a temperatura baixa da água.

Mas merece registro que após a palestra o ilustre patrocinador os convidou para um jantar, onde degustaram num ambiente elegante, comida de muito gosto. Só que deu efeito. Não foi muito bem recebida pelos órgãos internos dele.

No dia seguinte, por volta das 12 ou 13 horas iriam levantar voo, retornando para Florianópolis, atual residência do casal. Mas a barriga deu sinal de alerta obrigando a ir correndo, sem muito pudor para um dos banheiros do Guararapes, aeroporto moderno, mas com raros banheiros.

Corre para lá. Corre para cá... sufoco... enfim acha o banheiro e apressadamente, enquando sua mulher fazia os desentraves burocráticos para embarcar correu para aliviar a pressão intestinal.

Desespero total. Todas as cabines fechadas. A única aberta, tem, sentado um negro, com cabelos rastafári, tipo jamaicano, cantor de balada das noites de São Luiz do Maranhão, que de modo ríspido, manda fechar, numa mistura de inglês, com portunhol...

Enfim, alguém sai, desocupando o toalete permitindo que entrasse as pressas. E foi o que fez. Nem raciocinou sobre as consequências de que teria que ter, pelo menos papel para sua higiene mínima. Pensou até, se fosse necessário, valer-se da cueca e das meias... mas não foi preciso.

Aliviado, sua mulher o aguardava na porta, já um tanto preocupada.
Ingressaram no avião e após relatar o que ocorrera, o desespero e a tensão.. percebeu que na cadeira ao lado, estava o pseudo jamaicano rastafári que por engano e desespero fora pego em situação delicada.

Roberto J. Pugliese

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