Memória nº66
Navegando.
Desde criança sempre navegou.
O seu gosto por embarcar,
navegar, pilotar, esquiar em rio ou mar o levou inclusive a mudar-se de sua
querida São Paulo. Não se contetava ir à praia nos finais de semana. Queria
estar permanentemente junto de rio, mar, lago. Enfim, queria navegar.
Navegar é preciso. Exige
muita certeza, precisão e técnica.
Recorda-se bem que ao tempo,
ainda recém casado, quando frequentava a casa do Fortunato, numa praia perdida
e isolada, no Saco de Mamanguá, em Paraty, partiam do porto e assim que
dobravam a baia, firmavam uma rota reta em direção de Mamanguá e assim
navegavam até, terem visão da praia, já na boca do Fiorde tupiniquim, quando
apontavam outra rota e com a precisão indispensável, seguiam até encalharem na
porta da casa.
Quando residiu em Cananéia certa
vez foi à Iguape pelo Lagamar. Convidou o saudoso Ernesto Matheus, conhecedor
do Mar Pequeno, e numa tarde saiu para participar de uma audiência no Forum da
Comarca vizinha.
No Flamingo, a lanchinha de 13
pés, com duas maletas, uma com os documentos para a audiência e outra com os
trajes indispensáveis para a solenidade judiciária, em pouco mais de uma hora
venceram os aproximadamente 40 km. de Cananéia à Iguape.
Aportou no Mercado Municipal,
onde se vestiu no banheiro e seguiu para o Forum.
(...)
Meia hora depois estavam
retornando.
Assim que escaparam das
vistas da cidade, Lourenço praticamente despiu-se e prosseguiu de cuecas até
aproximar-se de Cananéia.
Passeio inesquecível. Tão
inesquecível quanto ao que juntamente com Antenor e o inesquecível Gil,
fizeram, descendo num bote salva-vidas de inflar, o Camarão, movido por um motor dois tempos, 7,5 hp., durante
praticamente um dia inteiro, de Registro a Iguape.
Àquele tempo ainda navegava
no aludido trajeto um pequeno barco da FEPASA, que parava de sítio em sítio e
lugarejos para levar e entregar pessoas e mercadorias. Fazia a linha uma vez
por semana entre Registro e Iguape.
O Rio Ribeira com suas curvas
foi o cenário que os três passaram aquele sábado ensolarado. De tempo em tempo
um ou dois mergulhava e acompanhava o barco, com o motor desligado, descendo
mansamente pela força do rio.
Paisagem pitoresca. Rio bem
largo e de correnteza. Fazendas de gado, de arroz, de bananas e de chá ao longo
das margens nas proximidades de Registro. Barrancos e despraiados faziam do
Ribeira um leito largo a maioria das vezes e ora estreito. Casas humildes e
pobrezinhas de pequenos agricultores descendentes de japoneses eram vistas com
frequência. Crianças davam até logo quando passavam ao largo das fazendas.
Passaram por Jaire e Baicó, povoados
isolados pertencentes à Iguape, mas não
pararam. Dia ensolarado, quente, inesquecível.
Por volta das 18 horas
chegaram a Iguape. Não havia a barragem do Valo Grande e assim encostaram
próximo onde existe atualmente a passarela que liga ao Rocio. Desmontaram o
barco, ensacaram, tiraram o motor, procuraram um transporte e duas horas depois
chegavam no Hotel em Registro onde pernoitaram à véspera para que pudessem sair
cedo.
Noutra ocasião, recém-casados,
Lourenço e seus amigos Antenor, Lourenço, Lotti, Fortunato e mais uns quinze ou
vinte casais alugaram o único hotel que existia na Ilha Grande. Na Vila do
Abraão passaram o revellion de 1977.
Naquele tempo o famigerado
presídio da Ilha Grande, onde ilustres personagens da história recente
estiveram hospedado, estava ativo e numa das madrugadas daquela inesquecível
semana de férias, alguns presos fugiram e os policiais determinaram que o bote salva-vidas
que Lourenço levara, que se encontrava encalhado na praia próximo ao hotel,
fosse recolhido, para evitar que ajudasse na
fuga.
No escuro, pois não havia
energia elétrica pública, apenas o motor particular do hotel, com lanterna e
ajuda de alguns hóspedes, o bote foi recolhido ...
Por ter essa paixão por mar e
navegação, se entusiasmou e adquiriu um pequeno sítio na Ilha do Cardoso, em
Cananéia. Um trato, na Enseada da Baleia, com 300 metros ao longo do Canal de
Ararapira e igual metragem para o Mar Grosso, tendo nos lados, uns 60 metros.
Lá pretendia erguer um
pequeno rancho.
Certa vez, levou três mudas de casuarinas, das quatros que adquirira na Barra da Tijuca, no Rio e junto com seu filho e mulher plantaram em pontos daquele imóvel.
O tempo passou, a área foi
vendida e as árvores se transformam em floresta. Ao longo dos trinta anos que
se seguiram, as três mudas se transformaram num bosque de casuarina.
Naquele tempo, ia com
frequência à ilha. Ora no Marujá, ora na Enseada da Baleia onde tinha o sítio,
ora no Ariri, a vila paulista mais ao sul do Estado e mesmo em Ararapira, em
frente ao Ariri, no Estado do Paraná,que ainda era habitada.
Certa vez, num quinze de
novembro qualquer, dia da campanha nacional de vacinação, retornava do Marujá
para Cananéia, quando o tempo virou.
Céu limpo. Vento forte. Mar
encrespado e revolto.
Não teve dúvida. Não pensou
duas vezes.
Aportou na ilha da Casca, uma
pequena ilhota com duas construções, onde a USP naquele tempo mantinha um
centro de pesquisa e fazenda experimental
de criação de ostras e, decidido ficou por lá.
- Vamos pernoitar por aqui.
Amanhã com o tempo bom seguimos.
Enfrentar a baia de Trapandé,
ele, mulher e o filho pequeno seria um risco enorme... O Flamingo era uma lancha pequena e frágil para mar aberto e revolto.
Estavam aguardando o
anoitecer, por volta das 18 horas naquela tarde ensolarada, Tritão, a lancha da base do Parque
Estadual passou ao largo da ilha e parou diante do chamado dos três.
(...)
O Flamingo, a lancha da família, voltou rebocada e os três no Tritão, que retornava depois de ter
servido de transporte para os técnicos da Secretaria da Saúde que foram vacinar
os ribeirinhos que habitavam os igarapés, ilhas e remansos do sul de Cananéia.
Com a segurança que o barco
oferece enfrentaram as ondas fortes e o vento até chegarem no Porto Bacharel no
centro de Cananeia.
Noutra oportunidade, após um
carnaval que haviam passado em Ilhabela, Lourenço, com a nora, filho e mulher
foram passar dois dias no Marujá.
Na ida, o compadre Aroldo os
levou numa de suas escunas e na volta, os trouxe num barquinho de alumínio.
Estavam próximo a Ilha da
Casca quando o mar virou. O tempo fechou. Vento e chuva. Banho geral.
Com a experiência Aroldo
cortou por um furado e adentrou na baia de Trapandé, porém, percebeu que não
daria para enfrentar a tormenta. Chuva forte de verão. Tempestade com raios e
pingos grossos. Vento muito forte encrespou o mar. Com dificuldade manobrou driblando
a força da natureza muito brava naquela tarde escura e aportou num barranco em
frente a casa do Cardoso.
Um pequeno e muito pobre
rancho de dois cômodos.
Lourenço debaixo da
tempestade, enquanto se ajudavam a tirar as tralhas e amarrar o barco,
praticamente invadiu a casinha e pediu abrigo, sendo muito bem recebido pelo
caiçara hospitaleiro.
Duas horas depois o sol
voltou, tudo se acalmou e seguiram viagem. Chegando a Cananéia perceberam que
havia embarcações viradas, casas destelhadas, antenas de TV espalhadas com
arvores jogadas pelos leitos das ruas...
Enfim, não faltam histórias.
Boas lembranças de aventuras no mar, em rios, lagos e praias.
Roberto J. Pugliese
Membro da Academia Eldoradense de Letras
Membro da Academia Itanhaense de Letras
Titular da Cadeira nº 35 – Academia São
José de Letras
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