Memória nº67
A caneta, o
dinheiro e a quebra de confiança.
O 22º cartório de notas da
Comarca de São Paulo era administrado de forma exemplarmente liberal. Dr. José
de Arruda Botelho, o tabelião, deixava aos cuidados do oficial maior, Pedro de
Castro que delegava aos cinquenta escreventes as funções notariais para que,
mediante comissão, praticassem os atos de estilo, permitindo que a remuneração
obtida pelos emolumentos fosse dividida à razão de meio a meio e os extras,
decorrentes de serviços praticados pelos escreventes destinassem apenas a quem
executasse.
Desse modo quem mais
trabalhasse mais ganhava e dentro da ordem jurídica, da ética e do bom direito
os escreventes buscavam trazer serviços para o cartório e assim eram
remunerados e o cartório arrecadava bem... Aliás, essa prática é adotada nas
grandes cidades de São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Paraná...
Para Lourenço o patrão era um
sujeito que não incomodava e bom camarada o prestigiava bastante, a ponto de
nomear-lhe para representa-lo nas reuniões do Colégio Notarial...
Com apenas 22 anos de idade e
menos de dois no exercício das funções Lourenço era da gama dos escreventes um
dos que ficava na ponta entre os cinco que mais arrecadava. E também se
destacava por mais conhecer a matéria.
Dentro dessa forma de
trabalho mantinha aos seus cuidados um auxiliar que era seu datilógrafo
exclusivo e um ofice boy. Rony, filho do advogado do cartório diariamente
corria os registros imobiliários, as repartições fiscais e prestava alguns
outros serviços, tendo certa intimidade com Lourenço. Sabia, por exemplo, onde
guardava dinheiro vivo que não fora depositado e que na gaveta de sua mesa,
além de dinheiro havia a caneta tinteiro que ganhara de seu pai e outros
objetos de valores que ficavam trancados.
Numa segunda feira ao chegar
para trabalhar percebeu que a gaveta fora arrombada, que a caneta sumira e o
dinheiro que guardara na sexta feira também sumira... Avisou a direção do
cartório e foi recomendado não chamar a policia.
O tempo passou. Nada de
aparecer os valores. Rony sumira. Não vinha trabalhar... ( tornara-se o
suspeito nº 01 )
Na quinta feira saiu à cassa
do ofice boy pelas bocas do crime da Capital. Foi à salão de bilhares,
inferninhos, locais de jogo onde sabia ou suspeitava que poderia encontrá-lo.
Lugares que tinha conhecimento que a mãe, separada do advogado, também
frequentava e não encontrou ninguém que pudesse dar alguma informação. Não
estava em casa e não voltara ao cartório.
O dinheiro não era tão
importante, mas a caneta que ganhara de seu pai queria de volta. Deu uma ordem
na direção do cartório, no sentido de que iria a polícia caso a caneta não
retornasse, pois sabia que fora o malandro do seu funcionário e não aceitaria
quieto o roubo. ( houve arrombamento )
(... )
Na segunda feira a direção do
cartório o chamou entregou a caneta e pediu para perdoar os cruzeiros roubado.
Noutra ocasião, já na
condição de advogado, seu ofice boy durante um mês falsificou os cheques que
emitia para depósitos e pagamentos.
Lembra-se que seu escritório
era à Rua Tabatinquera e o banco nas imediações da Rua Barão de Itapetininga,
em razão do gerente, seu amigo.
Desconfiado do ofice boy,
armou um fragrante e assim que o rapaz
ingressou na agencia, foi trancado a porta e ele detido.
( ... )
A família pediu que não
chamassem a policia e celebraram o acordo, pagando os cheques emitidos em
algumas prestações.
Roberto J. Pugliese
Presidente da Comissão de Direito
Notarial e Registros Públicos –OAB-Sc
Sócio do Instituto dos Advogados de Santa Catarina
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