Memória nº 89
O rato.
( visão parcial da Praia dos Paulas )
Estavam entrando na cidade.
Avenida Nereu Ramos próximo ao córrego Olaria. Uma criança que mal sabe andar
sai de casa, meio cambaleando, tropeçando e nos seus aparentes dois ou três
anos de idade, talvez menos, adentra-se à movimenta avenida, naquela manhã de
sol, enquanto duas senhoras, distraídas, permanecem conversando próximos ao
muro da mesma casa da qual saíra a criança, sem se darem conta do cenário
sinistro que pode se transformar em tragédia.
Lourenço estanca o carro,
acende os faróis e dá sinal com as mãos para os carros que vinham atrás e
revela a situação de perigo para que os que seguem em sua direção parem também.
A criança, cercada de anjos da guarda,
continua engatinhando pela avenida e a despeito das buzinadas e barulhos de
todos, que assustados presenciam a cena, as mulheres que conversam na calçada
não percebem a situação.
Desespero geral. Segundos
intermináveis que incomodam a todos que presenciam a conversa das mulheres que
não sabem o que está acontecendo à própria volta... Até que Lourenço,
impaciente dá um berro e uma das senhoras, voa em cima da criança que está
próximo ao eixo da avenida.
(...)
Esta cena real, rápida e
lamentável se deu em São Francisco do Sul, por volta de Julho de 1993. Lourenço
ainda residia em Gurupi e estava na cidade
negociando casa para comprar e mudar-se para a cidade.
( visão do centro da cidade em dia de chuva )
Parece que o cenário já
mostrava o quanto teria de dificuldades e problemas pela frente residindo
naquela ilha, cuja plástica natural é muito bonita, porém há uma cultura de
abandono e imperfeições que tornam a arquitetura divina caprichada, acanhada e
menor, talvez até por vergonha do povo e principalmente de seus
administradores.
Para se aquilatar a
incompetência das autoridades locais, a cidade é atravessada pela
concessionária de transporte ferroviário. A ALL, América Latina Logística, tem seu ponto final
no porto de São Francisco do Sul, e assim, os trilhos da ferrovia cortam toda a
cidade, desde a periferia, até o centro histórico e por duas vezes, em trechos
distintos, a rodovia federal que dá acesso à cidade.
Há um bairro todo, que fica à
mercê da boa vontade das composições que, ao transitarem pela cidade, fecham o
único acesso, de forma que ninguém entra ou sai, inclusive permanecendo em
certas ocasiões por lá estacionadas, bloqueando o transito de veículos por
horas.
( indústrias que colocam em risco a população )
E ninguém reclama. A
passividade do povo é trágica. E com isso, os moradores da Praia do Marquinhos,
nome do lugar, com frequência ficam
isolados, proibidos de ingressar ou sair, face as composições da ALL permanecerem
paradas na única via que dá acesso ao bairro.
A mesma estrada de ferro faz
com que as composições, aliás, muito comprida e sempre com cargas pesadas
destinadas à exportação, atrapalhem o transito de veículos impedindo o fluxo
normal em diversos pontos da cidade. Não respeitam a legislação vigente,
atrapalhando toda a mobilidade de veículos e todos se calam.
Certa vez, Lourenço denunciou
o fato à Policia Ferroviária Federal, com sede em Brasília. Alguns meses depois
um general, dito o chefe da polícia, apareceu na cidade e autuou a empresa.
O gesto de Lourenço se quer
serviu de exemplo aos vereadores, prefeito, ministério público ou até ao
pároco... Não serviu para nada, pois a ALL não deu bola. Pagou a multa e
continuou desrespeitando as normas federais que regulam o tráfego urbano nas
ferrovias. E ninguém reclamou...
( visão da região portuária )
Noutra ocasião Lourenço junto
com outros interessados resolveu montar um partido político que, na cidade
tinha há anos apenas uma comissão provisória, nas mãos de cinco pessoas que
seguravam a legenda para tirar proveito pessoal, quer do próprio partido, quer
de outros com os quais se alinhavam.
Situação vergonhosa e própria
de pessoas desqualificadas.
Com a ajuda de um deputado
estadual de Joinville, a cidade próxima que tem grande influencia em São
Francisco do Sul, conseguiu marcar a convenção e fundou o partido, incluindo
entre os filiados os cinco membros do diretório provisório que mantinham a
legenda inerte há anos.
Lourenço ficou afastado da direção,
mas estava à testa do partido que começou a promover denuncias e revelar
escândalos e crimes praticados pelas autoridades municipais.
Um certo dia, um dos ex
titulares da comissão provisória, numa reunião do partido, pediu a palavra e
disse que estava saindo do partido para filiar-se à sigla que administrava à
cidade.
- Voces vão pensar que eu não
sou um homem. Que eu sou um rato. Pois saibam, eu sou um rato.
Assim que apresentou a carta
de desfiliação, Lourenço pediu a palavra e solicitou ao secretário que fizesse
constar que o próprio ex integrante do partido se considerava um rato.
- Registra que por se
considerar um rato ele espontaneamente pediu sua desfiliação.
Os presentes de imediato em
gargalhadas e sussurros misturado a vaias, também bateram palmas.
Desmoralizado, rapidamente foi saindo da sala para nunca mais voltar.
(...)
São Francisco do Sul uma
cidade situada na ilha que leva o nome do Santo Francisco, considerada por
historiadores uma das dez mais antigas cidades do país, tem o povo vocacionado
à pesca, principalmente pesca artesanal. As propriedades naturais também levam
a ser propicia a exploração turística.
No entanto, seus políticos e
administradores ludibriando a todos, fez implantar industrias poluidoras,
pesadas e que de alta especialização, exige operários capacitados que não são
encontrados no município. O povo não tem bossa para ser operário de usina ou de
fábrica de insumos químicos e correlatas.
( Centro Histórico )
( Pesca da Tainha )
Hoje a cidade explora o
turismo de proletários, é suja, e mantém a sua população cada vez mais pobre,
dominada por menos de dez famílias de milionários que exploram a boa fé e a
passividade dos ilhéus. Exploram o porto e os francisquenses.
Enfim, vale registrar que a
cidade tem o terceiro maior produto interno bruto do sul do país, ficando apenas
atrás de Curitiba e Porto Alegre. Mas a população é pobre, muito pobre,
inclusive de espírito.
Roberto J.
Pugliese
Consultor da Comissão de Direito Notarial e
Registral da OAB
Nenhum comentário:
Postar um comentário