A presença do escrivão judicial e a
garantia das partes durante as solenidades judiciais.
Introdução.-
A legislação tradicional
brasileira, copiando normas históricas advindas do direito latino, estabelece
diversas regras impondo obrigações de oficio aos escrivães judiciais. Esses agentes
integrantes do foro judicial, também designados por secretários no âmbito do
Poder Judiciário da União e Federal, bem
assim no seio dos Tribunais dos Estados, são titulares de cargos públicos e
exercem funções públicas, cuja relevância se denota nas atribuições que
lhes competem a plêiade de leis, atos administrativos e marginálias editadas
pelas diversas unidades da federação, com destaque para os códigos judiciários,
de processo civil, processo penal etc...
São servidores públicos que
se destacam da gama de agentes dessa natureza, em razão dos deveres e
obrigações que se lhes é atribuído, para que possam efetivar a materialização
da jurisdição estatal, auxiliando os trabalhos da magistratura em todos os
graus de jurisdição, a par de, prover garantias elementares a todos que
contribuem para a distribuição de justiça e também para aqueles que buscam a
jurisdição estatal em defesa de direitos próprios, coletivos ou difusos.
O Estado-Juiz efetiva a
jurisdição por meio de órgãos políticos dotados de poderes para jurisdicionar,
auxiliados por agentes administrativos integrantes ou não do Poder Judiciário,
cuja missão é a de colaborar para que os
fins institucionais do Estado-jurisdição se realizem, efetivando-se a justiça
preconizada desde o preâmbulo da Magna
Lei.
Com apoio na melhor doutrina,
o direito positivo classifica os magistrados em agentes políticos que, nestas
condições, expressam a figura do próprio Estado e carecem da fé pública, inerente e peculiar a condição de agentes
administrativos. Igualam-se, portanto, como agentes políticos, as limitações
que se impõe aos integrantes do Ministério Pùblico e aos membros do Poder
Legislativo e ao chefe do Poder Executivo, que exercendo o Poder Político e
sendo expressões do próprio Estado, não assumem também a qualidade de órgãos da
fé pública, evitando-se a concentração ilimitada e perigosa de autoridade. Os magistrados, na condição de órgãos
jurisdicionais, presidem os processos e exercem o poder de polícia, inclusive
das audiências e sobre os atos dos agentes auxiliares, porém despidos da fé
pública, singular aos servidores e funcionários do Poder Judiciário.
Os escrivães, como os demais
auxiliares da Justiça, que exerçam função ou ocupem cargo público são dotados,
ao assumirem suas funções, de qualidades que os classificam em agentes da fé
pública, indispensável para a concretização do bom direito, judicial ou
extrajudicialmente.
Da fé pública.-
A idéia de fé tem como pano
de fundo a sinceridade de quem afirma e
a adesão confiante do espírito de quem tem por autentica e aceita o ditado
certificado. Trata-se de necessidade social e jurídica, pois a sociedade para
que tenha segurança de atos e fatos que não presenciou, e o direito, para a
estabilidade da ordem, se funda na fé, que emana de quem está autorizado a
portá-la. Decorre então, que o Estado moderno atribui a órgãos que especifica,
e apenas a esses agentes, em condições pré-estabelecidas, a autoridade para
portar e prestar pela sua fé, transmitindo a segurança exigida pelo corpo
social.
Existem idéias afins à fé
pública, e a primeira delas é a boa fé, que é um estado psicológico que faz com
que os homens acreditem nas aparências. Ela nos faz crer que a assinatura da
carta que recebemos de um amigo é verdadeira, que o agente da autoridade que
veste um uniforme é efetivamente um agente público e não um impostor. Mas a fé
pública não é simples crença e sim uma afirmação qualificada que é tida como
certa, como verdadeira, pelo direito positivo.
Numa síntese a fé pública
trata-se de instituto de direito público, fruto da confiança, que surge pela boa
fé, pela veracidade garantida pelo valor que é conferido ao documento, oral ou
escrito, isentando de dúvida, face a presunção que surge em razão da autoridade
de onde emanou, que presumidamente, admite-se ter cumprido as formalidades
necessárias, para ao final atestar como dogma de declaração.
A segurança jurídica da
sociedade depende essencialmente da fé, de forma que a exclusão da dúvida
decorrente da mentira permita que os integrantes do corpo social tenham
condições de celebrar a prática dos atos jurídicos, com a certeza de que
estarão protegidos pelo testemunho da verdade.
Insta salientar que a fé
pública se dirige ao mundo dos fatos,
consistindo na certificação destes, presenciado pelo agente dotado desta
qualidade, enquanto que o direito em si é apreciado pelos órgãos
jurisdicionais, que o interpretam.
A doutrina classifica o
instituto jurídico em fé pública administrativa, exercida pelos agentes
públicos qualificados para portarem por fé dos atos que praticarem, como se dá
com integrantes da policia judiciária; fé pública notarial exercida de forma
pessoal pelos tabeliães, como se dá nos atos jurídicos que celebram ou nos
fatos que certificam através das atas de notoriedade e a fé pública judicial
que decorre dos atestados firmados pelos serventuários de justiça e outros
auxiliares do juízo.
A classificação, enfim,
revela a importância para o Estado e para a sociedade e seus integrantes, que
ao instituto se impõe para a distribuição do bem comum e em especial do justo.
Da escrivania. -
O sistema judiciário
brasileiro atribui rol de competência aos auxiliares do juízo, impondo deveres
especiais aos escrivães face a importância que exercem nos serviços de apoio,
indispensáveis ao exercício da jurisdição.
A importância é tal que na
ausência ou impedimento destes, as normas de organização judiciária e mesmo as
de processo, impõe de forma cogente que seus substitutos deem andamento aos
tramites burocráticos nas serventias em que se encontram lotados ou nas
solenidades presididas pelos órgãos jurisdicionais.
Nesse norte, nas ocasiões que
os servidores assim qualificados não estejam presentes, cumpre ao magistrado
nomear, ad hoc, substitutos para que
portem por fé nos atos pertinentes que vierem a praticar, sendo vedado a
servidores ou terceiros impulsionarem os atos processuais, sem que integrem os
quadros do Poder Judiciário ou tenham autorização judicial especial. Atos
diligenciados por estagiários, em audiências judiciais ou nos tramites
ordinários da burocracia processual, ou terceiros alheios aos serviços causam
nulidades e consequentes prejuízos amplos ao bom andamento da Justiça.
O oficio de auxiliar do Poder
Judiciário deve se materializar pelas mãos de quem tem condições de portar por
fé. É garantia expressa, que se extrai
pela leitura do codex processual civil, ( art. 141,III e 142 ), do código de
processo penal ( sic artigo 792 ) bem como, demais normas de ordem pública, de
abrangência geral e cogente, impostas ao exercício e a organização da
jurisdição comum ou especial.
A presença do Escrivão nos
atos e solenidades judiciais expressa garantia processual às partes, ao Estado,
aos órgãos jurisdicionais e ao regime democrático, pois os fatos que se
desenvolvem a sua vista e diante de sua presença física, quando necessários
serão certificados, em atenção ao requerimentos ou de oficio. E na ausência
destes registros, se chamados a testemunharem, suas declarações, envolvidas
pela segurança da fé pública permitirão que se instruam procedimentos com a
absoluta certeza da verdade que se projetará até prova em contrário, assumindo
maior valor as demais provas, despidas de fé pública, produzidas por outros
agentes públicos ou privados.
Por razões variadas,
inclusive ignorância dos efeitos decorrentes da fé pública, alguns agentes do
Poder Judiciário, no entanto, de forma injustificável deixam de assim nomear
substitutos em condições jurídicas hábeis a participar de trabalhos forense, de
modo que as solenidades presididas por
magistrados, se realizem longe da presença de órgãos da fé pública, tornando
todo o procedimento despido de oficialidade e nulo em sua essência. Ainda que
as atas e demais papeis sejam subscritas posteriormente, pelos agentes
qualificados para tanto, a fé pública inerente à presença obrigatória do
Escrivão ou seu substituto, passa a condição de escrito particular, eivado da
fragilidade que lhe é inerente, pela violada omissão que se deu na essência,
mascarada por mentira que macula toda a seriedade dos atos judiciais.
O ato perpetrado nessas circunstancias se
materializa em crime, tipificado pelo artigo 299, combinado com o artigo 13,§
2º ambos do estatuto penal.
Considerações finais.-
A fraude decorrente dos atos
judiciais praticados em solenidades cuja ausência do Escrivão ou seus
substitutos legais é suprida pela assinatura firmada posteriormente, configura
crime no qual aqueles que participaram da solenidade, colaborando ativa ou
passivamente, devem ser responsabilizados.
O magistrado que admite e faz
vistas grossas assume pela omissão
responsabilidade no âmbito de suas atribuições, notadamente em razão das normas
de ordem pública, que se lhes impõe o dever de nomear, quando assim o Escrivão
não o faz, substituto para agir sob o manto do instituto da fé pública.
O auxiliar do juízo que
lavrou os termos, atas e outros documentos, também não deve se isentar da
responsabilidade, inclusive o próprio servidor que firmou os documentos a
posteriori.
Enfim, sem delongas, insta
asseverar que pratica dessa atitude
que se repete com certa frequência
diariamente, quer pela falta de servidores qualificados, quer pelo excessivo
número de processos que devam ser ordenados para o regular tramitar, quer por
razões outras que se pretenda justificar,impõe aos agentes públicos e políticos
consequências de natureza civil, administrativa, disciplinar e criminal,
violando a par das transgressões ao bom direito, as regras que garantem o
sucesso da jurisdição.
A confiança e a boa fé são os
principais estribos da sociedade em relação a Justiça, de forma que, a fraude,
derruba toda crença que é depositada nos agentes públicos que administram e
realizam a distribuição da justiça.É inadmissível que o falso praticado
oficialmente durante as solenidades do Poder Judiciário transforme em teatro
atos judiciários que se configuram formalidades indispensáveis para a crença no
bom direito e na justiça que os jurisdicionados buscam.
Concluindo insta lembrar que
o Magistrado na condição de expressão viva e concreta do Poder Judiciário
encarnado na sua pessoa, tem poderes incomensuráveis que, para o equilíbrio e
garantia das prerrogativas legais dos advogados e garantia dos direitos que
estão sob jurisdição, exige que o órgão da fé pública judiciária esteja
presente para certificar todos os fatos e verdades que ocorram durante a
solenidade.
Roberto J. Pugliese
Consultor da Comissão de Direito Notarial e Registrária do Conselho
Federal da OAB.
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