10 abril 2014

O Pico da Bandeira. ( memória nº 79 )


Memória ( nº 79)

Pico da Bandeira.

 

Segunda quinzena de julho de 1970. Manhã nublada e fria. Os três estão na estrada. Cumbica com nevoeiro. Seguem em férias para a casa do vovô Ophir, em Muriaé, Minas Gerais. Seguem no Tic-tic Nervoso, o fusca branco que Lourenço ganhara em 13 de fevereiro do mesmo ano.

 

Via Dutra até Volta Redonda. Depois Rio-Bahia até lá.

 

Os três estão sempre juntos. Bailes, passeios, viagens: Gil, Omir e Lourenço são amigos há boa data.

 

Em Muriaé, são recebidos com muita atenção e cortesia ao cair da tarde. No dia seguinte arrumam suas tralhas para escalarem o pico da Bandeira.

 

Seguem para Manhumirim, mais ao norte, depois do entroncamento da Belo Horizonte - Vitória, em Realeza. Lá se reunirão com mais dez ou doze jovens do lugar, inclusive Rogerinho, primo do Omir. A base é uma casa, ao lado de um rio que passa nos fundos, de uma parenta qualquer que também  recebeu a todos com muito carinho e atenção.

 

No caminho, numa das curvas da Rio- Bahia Lourenço atropela e mata um cachorro que entrou na estrada e não teve como estancar... Lamentação geral.

 

Mais um dia de organização. Comprar mantimentos, arrumar mochila, cantil, faca... enfim, preparativos para a escalada. Levam muito agasalhos pois lá em cima é frio. Lourenço se vale de um casacão de nylon e pele, com capuz, emprestado de seu irmão, comprado na Inglaterra e de uma bota, da rua José Paulino, que deve ter durado mais de dez anos...

 

No outro dia, vão de  caminhão até a raiz da serra de Caparaó e a meia noite iniciam a caminhada.

 

Todos pela trilha. Doze rapazes com mochilas, agasalhos, botas, chocolates, cantil caminhando numa subida suave sob o céu estrelado em noite enluarada. Falam pouco e marcham. Economizam forças e não param. Frio que se dissipa com a caminhada.

 

No inicio da manhã estacionam por alguns minutos no primeiro rancho: Um barracão de madeira, coberto por zinco, caindo aos pedaços. O fogão à lenha está em condições de esquentar café. Comem alguma coisa. Trocam entre si o que trouxeram. Retornam à caminhada.

O dia clareou. A trilha se torna mais íngreme. Menos suave. Ao longe se vê destroços de avião caído, resultado da GUERRILHA DO CAPARAÓ. A turma em silencio não para.

 

Às 15 horas, um pouco mais, param no segundo rancho. Uma casa de pedra, com dois ou três cômodos, num platô numa altitude razoável: Mais de mil metros.

 

Nesse rancho encontram um grupo que descia. Trocam informações. Comem, tomam café, descansam um pouco. A tarde está caindo e a temperatura idem.

 

Omir, experiente já avisa para pegarem gravetos secos, para servir para a fogueira. Não serve úmido ou molhado.

 

- Só faz fumaça.

 

Daí para frente a triha se torna bem difícil. Muito estreita, com barrancos e precipícios, cheia de pedras e bastante íngreme. São quase quinhentos metros para subir com mochilas carregadas, gravetos, muito agasalho, enfrentando o vento e a friagem do cair da tarde.

 

A neblina começa a descer. O vento do Caparaó canta.

 

Ainda é dia quando chegam ao topo. Estão no Pico da Bandeira, então o ponto mais alto do Brasil, já que o pico da Neblina e o 31 de Março ainda não haviam sido medidos. São quase 3.000 metros de altitude.

 

A tarde fria, envolvida em neblina e muito vento é o cenário no terceiro rancho, erguido nas proximidades da torre da tv Gazeta de Vitória.

 

O pico é a divisa: Para cá, Minas e para lá, Espírito Santo. O tempo não ajuda. Não se enxerga nada.

 

Preparam algo para comer. Todos agasalhados. Bastante agasalhados para espantar o frio que é intenso. Toca, luva, cobertor, bota, meia de lã...

 

No inicio da noite todos se ajeitam num dos cômodos do rancho. Se abrigam da garoa fina, do frio e da presença de qualquer intruso,  e no chão, do modo que acham melhor, toda turma se arruma e  tentam dormir.

 

Na madruga um rato aparece e é expulso do ambiente.

 

Todos cansados. Muito cansados dormem de barriga vazia, com frio, e com a presença indesejada do rato...

 

(...)

 

Logo cedo partiram... Para descer todo santo ajuda, porém estavam cansados e com fome, pois alimentaram-se mal. Sentiam frio.

 

Quase anoitecendo chegar à raiz da serra. Seguiram à pé mais três quilômetros até a povoação.Em Caparaó Velho, uma aldeia decadende, isolada e perdida nos confins do sul de Minas, conseguem alugar uma Kombi para leva-los à Manhumirim. Rogerinho, Gil e Omir ficaram pois não havia lugar para todos. Algumas tralhas também.

 

Chegando em Manhumirim, Lourenço pegou o carro e foi busca-los. Estradinha de terra, cansaço e... fome.

 

(...)

 

Após o banho jantaram macarronada ao som de Barracão de Zinco cantada por Elizeth Cartdoso. Comeram e foram dormir. Talvez fosse oito ou nove horas... Só as 17 horas acordaram. Na manhã seguinte Iniciaram o retorno: De Manhumirim onde estavam seguiram para Muriaé, passaram uma noite e depois, pela manhã, seguiram para  o Rio de Janeiro.

 

As férias não terminaram ainda.

Roberto J. Pugliese
Membro da Academia Eldoradense de Letras
Membro da Academia Itanhaense de Letras
Titular da Cadeira nº 35 – Academia São José de Letras

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