Memória ( nº 79)
Pico da Bandeira.
Segunda quinzena de julho de
1970. Manhã nublada e fria. Os três estão na estrada. Cumbica com nevoeiro.
Seguem em férias para a casa do vovô Ophir, em Muriaé, Minas Gerais. Seguem no Tic-tic Nervoso, o fusca branco que
Lourenço ganhara em 13 de fevereiro do mesmo ano.
Via Dutra até Volta Redonda.
Depois Rio-Bahia até lá.
Os três estão sempre juntos.
Bailes, passeios, viagens: Gil, Omir e Lourenço são amigos há boa data.
Em Muriaé, são recebidos com
muita atenção e cortesia ao cair da tarde. No dia seguinte arrumam suas tralhas
para escalarem o pico da Bandeira.
Seguem para Manhumirim, mais
ao norte, depois do entroncamento da Belo Horizonte - Vitória, em Realeza. Lá
se reunirão com mais dez ou doze jovens do lugar, inclusive Rogerinho, primo do
Omir. A base é uma casa, ao lado de um rio que passa nos fundos, de uma parenta
qualquer que também recebeu a todos com
muito carinho e atenção.
No caminho, numa das curvas
da Rio- Bahia Lourenço atropela e mata um cachorro que entrou na estrada e não
teve como estancar... Lamentação geral.
Mais um dia de organização.
Comprar mantimentos, arrumar mochila, cantil, faca... enfim, preparativos para
a escalada. Levam muito agasalhos pois lá em cima é frio. Lourenço se vale de
um casacão de nylon e pele, com capuz, emprestado de seu irmão, comprado na
Inglaterra e de uma bota, da rua José Paulino, que deve ter durado mais de dez
anos...
No outro dia, vão de caminhão até a raiz da serra de Caparaó e a
meia noite iniciam a caminhada.
Todos pela trilha. Doze
rapazes com mochilas, agasalhos, botas, chocolates, cantil caminhando numa
subida suave sob o céu estrelado em noite enluarada. Falam pouco e marcham.
Economizam forças e não param. Frio que se dissipa com a caminhada.
No inicio da manhã estacionam
por alguns minutos no primeiro rancho: Um barracão de madeira, coberto por
zinco, caindo aos pedaços. O fogão à lenha está em condições de esquentar café.
Comem alguma coisa. Trocam entre si o que trouxeram. Retornam à caminhada.
O dia clareou. A trilha se
torna mais íngreme. Menos suave. Ao longe se vê destroços de avião caído,
resultado da GUERRILHA DO CAPARAÓ. A turma em silencio não para.
Às 15 horas, um pouco mais,
param no segundo rancho. Uma casa de pedra, com dois ou três cômodos, num platô
numa altitude razoável: Mais de mil metros.
Nesse rancho encontram um
grupo que descia. Trocam informações. Comem, tomam café, descansam um pouco. A
tarde está caindo e a temperatura idem.
Omir, experiente já avisa
para pegarem gravetos secos, para servir para a fogueira. Não serve úmido ou
molhado.
- Só faz fumaça.
Daí para frente a triha se
torna bem difícil. Muito estreita, com barrancos e precipícios, cheia de pedras
e bastante íngreme. São quase quinhentos metros para subir com mochilas
carregadas, gravetos, muito agasalho, enfrentando o vento e a friagem do cair
da tarde.
A neblina começa a descer. O
vento do Caparaó canta.
Ainda é dia quando chegam ao
topo. Estão no Pico da Bandeira, então o ponto mais alto do Brasil, já que o
pico da Neblina e o 31 de Março ainda não haviam sido medidos. São quase 3.000
metros de altitude.
A tarde fria, envolvida em
neblina e muito vento é o cenário no terceiro rancho, erguido nas proximidades
da torre da tv Gazeta de Vitória.
O pico é a divisa: Para cá,
Minas e para lá, Espírito Santo. O tempo não ajuda. Não se enxerga nada.
Preparam algo para comer.
Todos agasalhados. Bastante agasalhados para espantar o frio que é intenso.
Toca, luva, cobertor, bota, meia de lã...
No inicio da noite todos se
ajeitam num dos cômodos do rancho. Se abrigam da garoa fina, do frio e da
presença de qualquer intruso, e no chão,
do modo que acham melhor, toda turma se arruma e tentam dormir.
Na madruga um rato aparece e
é expulso do ambiente.
Todos cansados. Muito
cansados dormem de barriga vazia, com frio, e com a presença indesejada do
rato...
(...)
Logo cedo partiram... Para
descer todo santo ajuda, porém estavam cansados e com fome, pois alimentaram-se
mal. Sentiam frio.
Quase anoitecendo chegar à raiz
da serra. Seguiram à pé mais três quilômetros até a povoação.Em Caparaó Velho,
uma aldeia decadende, isolada e perdida nos confins do sul de Minas, conseguem
alugar uma Kombi para leva-los à Manhumirim. Rogerinho, Gil e Omir ficaram pois
não havia lugar para todos. Algumas tralhas também.
Chegando em Manhumirim,
Lourenço pegou o carro e foi busca-los. Estradinha de terra, cansaço e... fome.
(...)
Após o banho jantaram
macarronada ao som de Barracão de Zinco cantada por Elizeth Cartdoso. Comeram e
foram dormir. Talvez fosse oito ou nove horas... Só as 17 horas acordaram. Na
manhã seguinte Iniciaram o retorno: De Manhumirim onde estavam seguiram para Muriaé,
passaram uma noite e depois, pela manhã, seguiram para o Rio de Janeiro.
As férias não terminaram
ainda.
Roberto J. Pugliese
Membro da Academia Eldoradense de LetrasMembro da Academia Itanhaense de Letras
Titular da Cadeira nº 35 – Academia São José de Letras
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