HEBE
, A MULHER E A ADVOGADA
Fevereiro de 1980. No ápice das atividades do Cone Sul, assim denominada
aliança entre países da América do Sul para combate ao terrorismo, uma jovem brasileira perdia sua juventude em
cárcere uruguaio. Militante tupamara, assim como seu namorado uruguaio, com ele
pactuara que, se fossem apanhados pelas forças de repressão, não se deixariam
jamais ser presos, preferindo a morte ao enjaulamento.
Ela cumpriu o juramento, ele
não. Emboscados numa praça de
Montevidéu , ela não se rendeu e tomou um tiro que lhe transfixou o pescoço,
deixando-a quase agonizante.
Ele
se acovardou e foi preso. Ela foi levada a um hospital militar instalado
subterraneamente no lindo bairro de
Carrasco, na capital uruguaia, e foi salva pela ação de um cirurgião militar
que a operou com inteiro sucesso.
Presa havia sete anos em Punta
Rielles, seu pai Paulo Schilling nos procurou como advogados (Ivo Galli, Gerson Mendonça Neto, José Francisco
Martins Junior e este escriba), para a missão de libertá-la.
Trabalhamos com afinco por vários meses, junto ao Ministerio de Relações
Exteriores (o Min. Saraiva Guerreiro, também advogado de formação, se
sensibilizara pela sorte de Flavia), à Embaixada do Uruguai no Brasil, e com
juristas uruguaios (destacando-se o insigne Adolpho Gelsi Bidart, , que ajudou
a redigir Projeto de Lei que objetivava libertar presos políticos estrangeiros
no Uruguai). Na área política, nosso amigo e colega Clodoaldo Pacce Filho
também não mediu esforços para colaborar com nossa missão.
Os tempos eram duros, a liberdade um bem não garantido, precioso demais
para os cidadãos dos países sulamericanos.
Foi então que uma mulher especial, já conhecidíssima por ser a rainha da
televisão brasileira, condoeu-se pela sorte de Flavia e, por sua produção, na
época trabalhando na Rede Bandeirantes
(os queridos Mario Buonfiglio e Jair Brito, este de saudosa memória),
abriu seu famoso programa para que nós, advogados, pudéssemos expor ao pais
o drama da jovem e pedir o auxilio
possível às autoridades brasileiras e uruguaias para apressar sua libertação.
No dia da apresentação do programa, lembro-me ter sido recebido por Hebe
ainda em seu camarim, onde ela acabava de
se aprontar para entrarmos ao
vivo : mostrou-se vivamente interessada nos detalhes da historia e nos planos
jurídico e políticos que tentávamos realizar.
Perante seu fiel público e para todo o Brasil, Hebe se solidarizou com a
empreitada e fez questão de disponibilizar todos os recursos que pudessem ser
utilizados em prol do sucesso da
libertação de Flavia.
A partir daí, tenho certeza de que houve a sensibilização de todos, do
governo brasileiro, do governo uruguaio, das autoridades do Executivo e do
Judiciario de ambos os países.
Flavia foi libertada em 14 de abril de 1980, e, como todos nós, compareceu ao programa de Hebe para agradecer
sua inestimável ação de solidariedade.
Como ocorreu no episódio da Flavia, Hebe sempre foi ardorosa e
convincente defensora dos direitos mais
sagrados para o ser humano, sem coloração política nem submetida a idiotas
patrulhamentos ideológicos que em época não longínqua infelizmente proliferaram
nos meios cultural e artísticos desta nação.
HEBE, TALVEZ SEM O SABER, ERA UMA VERDADEIRA ADVOGADA.
Se eu
pudesse, daria a ela o título de
Advogada do Brasil, e da gente brasileira.
No sábado, dia 29, ela se foi deixando um rastro de luz invulgar, que
certamente vai iluminar os caminhos de todos os brasileiros que aprenderam a
amá-la.
Na mesma data, certamente não por acaso, mais de 270 mulheres
advogadas reunidas para trabalhar pelo resgate da importância da
Ordem dos Advogados do Brasil – Seção de São Paulo, juntas prantearam a grande mulher, a grande
líder, a grande artista e, por que não, a grande advogada Hebe Camargo.
Seu exemplo de luta,
alegria de viver, solidariedade aos menos favorecidos e grande liderança, vai
permanecer eternamente em nossos corações.
Orlando Maluf Haddad
Roberto J. Pugliese
www.pugliesegomes.com.br]
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