22 novembro 2013

Banca Caravela. ( memória nº 37)


Memórias nº37

Eleições Cananéia: BANCA DE JORNAL

 

A população do município chega a pouco mais de seis mil habitantes. Havia a única banca de jornal que, pertencente a Alécio, oficial de justiça ad hoc da Comarca de Jacupiranga, vendera para Lourenço que pedira discrição. Cidade pequena, pobre, habitada por caiçaras inocentes, sem qualquer malícia.

 

Poucos os consumidores de livros, revistas, jornais. Banca Caravela, uma pequena banquinha de madeira, frágil e inexpressiva.

 

A banquinha situada estrategicamente na entrada do centro urbanizado de Cananéia, na esquina formada pela Rua Silvino Araújo e o início da Avenida Independência. Nas imediações àquele tempo havia uma ponte, antes de iniciar a avenida, também conhecida por Estrada que seguia sem pavimentação até o porto das balsas.

 

Praticamente o centro urbano terminava na ponte. Lá estava a banquinha.

 

Não havia a estrada municipal que hoje segue até a ponte da Aroeira. Quando chovia a Estrada era todo lamaçal e na época de estiagem era só poeira. Muitos imóveis sofriam alagamentos durante os temporais de verão, os automóveis atolavam e era verdadeira encrenca pitoresca chegar ou sair da cidade.

 

A maioria da população morava na zona rural. Parte junto a Estrada do Sul, a estrada de terra aberta pela SUDELPA durante o governo de Laudo Natel, unindo o Itapitangui, um bairro rural na parte continental e a sede do distrito do Ariri.

 

Pela estrada recém inaugurada se podia alcansar de automóvel Mandira, Colonia Santa Maria, ex Colonia, Taquari e outros núcleos, antes acessíveis apenas por embarcações.

 

Outras famílias estavam espalhadas pelas inúmeras ilhas. Aglomerados espalhados pela costa sul da Ilha Comprida, de frente para o mar grosso ou para o canal, com Pedrinhas se destacando por ter o maior número de habitantes, empório e garagem de barcos. Como nos demais sítios não havia energia, telefone, água tratada...

 

Na ilha do Cardoso sete ou oito núcleos de pescadores ainda habitavam o que desde 1962 fora transformado em Parque Estadual. O Marujá era o destaque, distante quase 50 km pelo canal. Também o Pereirinha e o Itacurussá, próximos a ilha de Cananéia tinham algumas famílias.

 

Outros moravam embrenhados em matagais perdidos nos manguezais ou em florestas ilhadas.

 

Pois nesse quadro geo político que Lourenço houve por bem comprar a banca de jornal que fora ofertada à venda. Iria se valer da banquinha para ajudar na campanha à Camara de Vereadores que se aventurara, pois teria sob sua administração o único meio de comunicação local para divulgar seu nome, sem que com isso a sociedade local soubesse que era ele o proprietário.

 

Vale lembrar que em 1982 não havia internet e só u’a máquina de xerox havia instalado nas dependências da Prefeitura Municipal. Telefones eram poucos e no Itapitangui, Porto de Cubatão e Ariri somente um telefone rural comunitário havia nos postos desses bairros. Não havia emissora de rádio em todo o Vale do Ribeira e os tempos eram difíceis: O Brasil era ditadura.

 

Então, encartava nas revistas e jornais, textos simples de publicidade partidária e informes pró Franco Montoro e demais políticos da mesma ala, nos jornais e revistas  que estavam à venda. Escritos e repetidos por cópias de estêncil, um precário instrumento de cópia à base de álcool, que se valia para elaborar de modo econômico e direto suas mensagens. Cópias azuladas e borradas levavam mensagens variadas.

 

Quase que diariamente essas mensagens circulavam pela cidade. Um jornal ou panfleto clandestino com intuito exclusivamente destinado a eleger os candidatos de oposição.

 

Interessante que ninguém sabia que a banca era de Lourenço a ponto de quando surgiu o boato que seria instalada outra  junto à  praça Martim Afonso de Souza, o ponto mais central da cidade, resolveu se antecipar e lá ergueu a filial.

 

A praça central da cidade na qual está erguida a pequena Igreja de São João Baptista, sendo pública dependeria de autorização do prefeito, adversário político ou do padre, se dentro da área pertencente à Mitra Diocesana. E foi o que Lourenço fez:

 

- Padre, o Zé Maria quer instalar mais uma banca aqui na praça. Quer usar a área da Igreja.

 

E o padre João XXX, seu amigo e aliado político pediu que fizesse o contrato de cessão temporária da área, permitindo a instalação da banquinha do Zé Maria, como todos pensavam.

 

A banquinha era administrada por Zé Maria, seu quase sócio e amigo no modesto comércio. Quem permanecia na matriz era o Zé ou sua mulher. Na filial, Beto um órfão de pai, com apenas 12 ou 13 anos que cuidava durante o dia e estudava à noite. As entregas eram feitas por Serginho,  irmão menor que saía de bicicleta pelas ruas empoeiradas pela seca e sol escaldante ou enlameadas pelas chuvas.

 

Zé Maria cuidou a banquinha até irem embora da cidade, quando foi entregue de presente para o Beto. Lourenço e o Zé, em Itanhaém, montaram juntos uma livraria e papelaria, igualmente modesta: Puglichinni.

 

As mensagens para as diversas ilhas que constituem o município de Cananéia, onde lideranças eram avisadas das visitas de Lourenço e outros candidatos pelo MDB resistente e oposicionistas, por falta de meios ordinários, se davam através de recados ou mesmo lembretes e bilhetes enviados por barqueiros e pescadores que iam à cidade vender seus produtos e levar mercadoria para familiares e amigos das diversas comunidades.

 

Através desse modo bem rudimentar, reuniões políticas eram agendadas previamente à realizarem-se nos bairros e núcleos isolados da zona rural, espalhada e perdidas ao redor de pequenas escolas, capelas ou postinho de saúde.

 

Não foram poucas as vezes que Lourenço, ora acompanhado do piloto Aroldo, inseparável cabo eleitoral, ora com mais candidatos, ora em grupos maiores, aportou num barranco ou praia e encontrou com caiçaras que os esperavam na expectativa de mensagem de esperança.

 

Assim se deu no Pereirinha, no Cambriu, no Pontal do Sul, no Varadouro e ao longo da costa continental e da ilha Comprida, na parte sul, pertencente ao município...

 

Campanha bem diferente e pitoresca. Inesquecível.

 

Roberto J. Pugliese
www.pugliesegomes.com.br
presidente da Comissão de Direito Notarial e Registros Públicos –OAB-Sc

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