Memórias nº 32
Eleições Cananéia – estiva
Durante a campanha para vereador
à Câmara Municipal de Cananéia foram incontáveis as situações inesquecíveis. Diárias
as sensações inusitadas. Inesquecíveis momentos.
O primeiro impacto que se
deparou foi durante a visita que fizeram a um vazio, perdido no meio da Mata Atlântica,
quase no litoral do Paraná, onde dentro da
floresta espessa, Lourenço se reuniu com os poucos habitantes de lá,
numa choça de pau e telhado de palha, sombreado pelas copas das árvores, sob a liderança do chefe comunitário.
Era sábado de sol, talvez Setembro
de 1982 e com agendamento antecipado,
foi com seu inseparável amigo e piloto de sua pequena lancha Flamingo,
de 13 pés e motor Yamaha 30’ se reunir com o povo da floresta.
Saíram do portinho existente
nos fundos da casa onde Aroldo, o piloto, residia com a família. Vento
favorável, ainda bem cedo, por volta das dez horas estava no Ariri tomando
cerveja para refrescar e comendo um peixinho frito para forrar o estomago.
Antes pararam na sede da vila
do Ararapira, na ilha das Peças, do outro lado do canal e foram conversar com
alguns moradores que, mesmo pertencendo à Antonina, no Paraná, votavam no
Estado de São Paulo. Àquela época a vila ainda era habitada. Mas pela erosão e
instalação do Parque Nacional foi aos poucos sendo esvaziada, com as famílias
mudando-se para outros lugares, até ficar totalmente deserta como se encontra
atualmente.
Lourenço lembra bem que anos
antes fora à Vila de Ararapira buscar certidão de procuração lavrada no cartório local e espantou-se ao ver que a
tabeliã era a senhora que encontrara na praça, com uma lata de óleo na cabeça,
cheia de água e que o documento, por falta de máquina de escrever, fora
extraído de forma manuscrita.
Sem muita perda de tempo
seguiram para o Varadouro. Um ponto perdido no pé da serra, junto à divisa dos
Estados, onde Lourenço iria fazer a preleção às poucas famílias que residiam
por lá.
Uns quinze ou vinte minutos
navegando em direção ao sul , depois de saírem do Ariri estavam encalhando a
lancha num pequeno portinho e iniciando o cansativo trajeto até o lugar
marcado, distante alguns quilômetros, sobre estivas fixadas na lama, em subida
suave, mas salientemente inclinada.
Lá era a escola rural, com
uma única sala que servia também de casa
da professora e igreja católica. Era a melhor construção da floresta. Uma
professorinha que passava quinze dias por lá, paga pelo município também era
merendeira, e lecionava para crianças de primeiro, segundo e terceiro ano
primário. Também era a secretária da escolinha. Um choque. Um grande choque.
Lourenço não entendia como em
São Paulo, o seu querido e mais adiantado Estado da federação, poderia se
sentir perdido, como se estivesse no interior da Amazônia... Ficou estarrecido
e entendeu que sua eleição provavelmente haveria de ajudar um pouco, talvez bem
pouco, mas ajudaria aquela gente, o país e sua terra. Um choque cultural que o
abalou profundamente no sentido de querer vencer as eleições.
Não havia nada por lá. Haviam
subido e feito aquele trajeto por mais
de meia hora e não viu se quer uma casa, uma família, uma plantação, mas sabia
que ali era habitado. Uma subida em direção a Serra do Mar. Só mato. Só
floresta. Reserva florestal intocável, com habitantes humildes, tradicionais,
esquecidos.
Subiram em direção ao nada.
Não entendia o que estava por vir. Expectativa e curiosidade até chegar ao nada
e lá, conforme o líder do lugar afirmara, famílias foram chegando da floresta e
se aproximando à sua palavra que mais do que outra coisa era a esperança.
Gente humilde. Pobre.
Caiçaras filhos de caiçaras, netos de caiçaras, que para poderem plantar o que
o pai plantava outrora, que os antepassados plantaram antes, o faziam escondido
da policia florestal... Situação injusta imposta pelas autoridades, que
decretaram a região parque florestal e impediram a subsistência de milhares de
brasileiros humildes que nasceram por lá e queriam apenas trabalhar.
Áreas ocupadas por
descendentes de primeiros colonizadores que chegaram naqueles confins do
litoral sul paulista há mais de duzentos
anos e, foram aos poucos, sendo expulsos de suas posses. Não tinham título de
propriedade. Não foram desapropriados. Não foram indenizados e sucumbiram.
Poucos ficaram.
Lugar perdido na mata. Na
sombra da floresta. Ninguém ali iria fazer campanha, porém ele foi. Não queriam
muito. Pediam apenas saúde, justiça e paz.
Queriam que os ajudassem se
defender do grande latifundiário da região, o proprietário da Colonizadora do
Ariri, Alfredo Sens, que viera de Ponta Grossa munido de muita disposição de
tirar os posseiros de seus domínios. Pedrão o capataz morava por lá e ameaçava
a todos: Homens, mulheres, crianças...
E assim, na primeira visita
que fez a um bairro distante da sede municipal, sem energia elétrica, sem água
tratada, sem qualquer sabor de civilização, perdido nos confins do nada,
Lourenço iniciou sua campanha à vereança de Cananéia.
Iniciava assim sua primeira
incursão levando a mensagem de mudança. Trazendo a vontade de eleger-se e
ajudar a eleger Franco Montoro, de quem fora aluno e seu assistente na PUC
alguns anos antes; Darcy Passos e Flavio Bierrenbach para o Congresso Nacional
e Rubens Lara, de quem se tornou amigo, para a Assembleia Legislativa.
Loucura. Situações
inexplicáveis para os amigos e parentes que não conseguiam entendem-lo. Criado na cidade e desde os primeiro passos
tratado com todos os cuidados pela família urbana, foi normal se perguntar o
que acontecera em estar perdido no meio da floresta natural, no interior da
Mata Atlantica lutando por uma causa social e democrática que nada representava
para sua vida, origem e história. Mas, valia a justiça social e estava lá para
tentar minorar a tragédia do povo irmão, paulista, brasileiro, inocente e sem
qualquer malicia que acreditava em sua fala.
E acompanhado pelo
inseparável amigo Aroldo Xavier, a
partir daquele sábado ensolarado começou a correr o município, cuja sede tinha
pouco mais de 3.000 habitantes, representando 50% do total do município.
Depois de deixar sua
mensagem, retornou para o Ariri, onde uma caravana de políticos da situação
estava plantada com Prefeito e todo estafe patrocinado por Maluf, ex
governador, candidato à presidência da República, organizando almoço, jantar,
baile, festa, pedindo votos para alguns e impondo pelo temor a outros...
Inclusive o truculento Pedrão e seu patrão.
Enfim, assim começou a
campanha política enveredando-se pelos bairros com o intuito de deixar a
mensagem séria, de esperança e dignidade.
Candidato à Câmara dos Vereadores de Cananeia, Lourenço iniciou sua empreitada em direção à
vereança.
A noite, com o mar bravo, não
saiu direto para casa. Ficou por lá, até que o tempo melhorou e junto com
Aroldo, retornou navegando os 60 km de canais entre o distrito e a sede do
município. Viagem tranqüila e inesquecível pela brisa, cores do mar à noite e
pelas estrelas que pontilhavam a noite de luar.
Inesquecível viagem...
Roberto J. Pugliese
presidente da Comissão de Direito
Notarial e Registros Públicos –OAB-Sc
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