Memória nº36
Apreensões:
bicicleta e automóvel.
Ao longo da costa
ribeirinha, onde o rio Itanhaem forma a suave bacia, naqueles anos de 1950, o
prefeito Dagoberto, para conter o avanço das águas e embelezar o cenário, fez
da orla natural, a Alameda que até hoje tem seu início nos baixos da ponte da
estrada de ferro Sorocabana, e segue até o Porto Novo, onde funcionava, nas
imediações, o Bar e Restaurante Santo
Antonio, que deu origem ao Itanhaem Iate Clube fundado em 1959.
Nessa alameda,
Lourenço manteve alguns amigos e namoradas cujas casas ali situadas os
abrigavam nas férias. Sônia, neta do Walter, um alemão que fugido do III Reiche, estabeleceu morada no bairro de Santo Amaro e depois foi acabar
seus dias como caseiro de inúmeros vizinhos, era uma loirinha magrinha com quem
passeava de bicicleta... Ali Alex, filho de Guiomar, sobrinho de Lauro e de
Zeca Pires; Giba e seus irmãos Celso e Eduardo; Montanha e outros garotos e
garotas que apareciam numas férias e desapareciam noutras.
Lá em Itanhaém
Lourenço tinha permissão para pilotar o carro do pai. Aos quatorze anos, já
sabendo, podia dar umas voltas nas redondezas do Porto Novo, próximo a casa da
família, sendo vedado expressamente atravessar a ponte para evitar movimento e
policiamento.
Assim se
comportava sempre quando o era permitido dar algumas voltas. Com um ou outro
amigo saia para se exibir para as meninas e para mostrar para todo o mundo que
já dirigia o carro do pai.
Num determinado
domingo, seu pai foi tirar o ronco da
tarde e depois voltar para São Paulo. Por volta das 22 ou 23 horas subiria
a serra, evitando assim o tráfego intenso. Lourenço, a mãe e os dois irmãos,
durante os meses de férias escolares, ficavam por lá. De tanto pedir o pai
permitiu que desse algumas voltas por perto de casa... Mantendo a proibição de
não ir à Vila, do outro lado do rio.
- Não atravesse a
ponte.
Merece registrar
que naquele tempo só havia a ponte rodo-ferroviária atravessando o rio
Itanhaém, unindo a Vila à Praia dos Sonhos e demais bairros.
Alexandre, Giba e
Lourenço no Volks vermelho saíram e depois de rodarem pela Praia dos Sonhos,
pela Prainha e imediações, resolveram dar uma voltinha despretensiosa até a Vila...
E assim atravessaram a ponte.
A velha e única
ponte ferroviária que fora adaptada para o tráfego de veículos ficava numa
situação bem mais elevada, de modo que era preciso subir a rampa para alcançá-la
e depois ao final, descer novamente ao nível da cidade. A altura se tornava
necessária para que sob ela navegassem os rebocadores e batelões que de
Itanhaém iam à Santos.
Os três, faceiros
e imponentes aventuraram-se pela ponte à dentro e ao chegar do outro lado do
rio, ao descerem ao nível da cidade, havia uma batida policial e foram pegos.
- Vamos para a
Delegacia !
- Sim, mas eu
dirijo. O carro é meu. E foram os quatro. O policial no banco do carona e
Lourenço no volante, sentados no banco da frente e os amigos atrás.
Lá o delegado
recolheu as chaves do carro e mandou chamar o dono do carro.
Naqueles anos em
Itanhaém não havia telefone com facilidade e o temor de acordar o pai e dar a notícia
motivou irem até a casa do Giba e chamar Eduardo irmão mais velho que era
estudante de direito e quem sabe, pudesse
resolver a questão, evitando levar a notícia ao dono do automóvel e
conseqüentemente sofrerem alguma reprimenda, perda de confiança e outras
limitações.
Lourenço e
Alexandre foram à pé. Giba, permaneceu na Delegacia de Polícia os aguardando.
Naquela época, a
Delegacia de Polícia já era onde está instalada atualmente. Bem distante do
centro, após a rua da estação... no lado oposto do rio... bem longe. Próximo ao
cemitério. Mas, os dois andaram os quilômetros e chegaram à Alameda e falaram
com o Eduardo Eugenio, que houve por bem, ir conversar com o dono do carro que
ainda dormia.
Não teve outro
modo.
Acordaram o pai de
Lourenço e foram todos para a Delegacia... e solucionaram a pendenga.
E por algumas
semanas não teve mais permissão para sair de carro... amargando o castigo merecido.
O tempo passou e
foi se tornando comum para Lourenço e outros rapazes da mesma idade emprestarem
o carro do pai para saírem nos finais de semana. E o mesmo ocorreu com
Lourenço, que com certa habitualidade, durante as férias, valia-se do automóvel
do pai para arrumar uma namorada, ir a uma festa e mesmo para levar alguma mulher à praia ou ao motel um tanto
distante.
Itanhaém não tinha motel, e assim, na solidão
da praia do Cibratel, nos rincões da praia de Peruíbe, era comum, observar
muitos automóveis parados na quietude das noites com casais no seu interior ou
ao lado, deitados numa esteira, casualmente esquecidas no porta-malas, para
essas ocasiões.
Antes, no entanto
de Lourenço crescer e poder se valer do automóvel do pai, valia-se da
bicicleta.
Certa vez, com
treze ou quatorze anos de idade foi ao cinema da Zefa de bicicleta e a deixou estacionada bem à porta do Cine
Jangada, fixa com o pedal, na guia da calçada.
Como sempre, na forma da lei, junto as portas de cinemas,
teatros, igrejas é proibido estacionar. No entanto, para Lourenço a proibição
era limitada a veículos e não abrangia bicicletas.
Assim, dada a
infração constatada, quando terminou a sessão o seu veículo de duas rodas havia
sido recolhido, conforme informações gerais e estava na Delegacia de Polícia.
Só no dia seguinte, acompanhado de um adulto pode liberar a sua condução.
Naquela noite teve
que retornar da Vila, até sua casa Prainha
à pé.
A Zefa, viúva,
dona do cine Jangada, situado num prédio de 2 andares, no Largo Pio XII, não
gostava de Lourenço, que sempre criava problemas na entrada, na saída ou
durante os espetáculos cinematográficos.
A falta de
entrosamento entre ela, que ficava na porta recebendo os ingressos, chegou a
tal ponto que certa noite, vedada foi a sua entrada, propiciando permanecer ao seu
lado conferindo se eram rasgados os ingressos,
sob a ameaça de avisar a policia por estar sonegando impostos...
Noutra ocasião,
junto com o Gil, seu inseparável amigo por longos 50 anos, pegaram emprestados
duas bicicletas na vizinhança e por duas ou três horas sumiram pela noite à
dentro. Depois devolveram aos donos...
Bicicleta ou
automóvel tudo era alegria. Aliás, na Praia dos Sonhos existia uma pizzaria
cujo nome, inspirado no sucesso de
então, do baiano Caetano Veloso, revelado pela Record, chamava Alegria Alegria.
Enfim, durante
anos, essa rotina era a vida de Lourenço e seus amigos que durante meses de
verão e nas férias de Julho permaneciam em Itanhaém.
Roberto J. Pugliese
www.pugliesegomes.com.brpresidente da Comissão de Direito Notarial e Registros Públicos –OAB-Sc
Membro da Academia Eldoradense de Letras
Membro da Academia Itanhaense de Letras
Titular da Cadeira nº 35 – Academia São José de Letras
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