16 novembro 2013

Bicicleta, automóvel x policia. ( memória nº36)


Memória nº36

Apreensões: bicicleta e automóvel.

Ao longo da costa ribeirinha, onde o rio Itanhaem forma a suave bacia, naqueles anos de 1950, o prefeito Dagoberto, para conter o avanço das águas e embelezar o cenário, fez da orla natural, a Alameda que até hoje tem seu início nos baixos da ponte da estrada de ferro Sorocabana, e segue até o Porto Novo, onde funcionava, nas imediações,  o Bar e Restaurante Santo Antonio, que deu origem ao Itanhaem Iate Clube fundado em 1959.
Nessa alameda, Lourenço manteve alguns amigos e namoradas cujas casas ali situadas os abrigavam nas férias. Sônia, neta do Walter, um alemão que fugido do III Reiche, estabeleceu morada  no bairro de Santo Amaro e depois foi acabar seus dias como caseiro de inúmeros vizinhos, era uma loirinha magrinha com quem passeava de bicicleta... Ali Alex, filho de Guiomar, sobrinho de Lauro e de Zeca Pires; Giba e seus irmãos Celso e Eduardo; Montanha e outros garotos e garotas que apareciam numas férias e desapareciam noutras.

Lá em Itanhaém Lourenço tinha permissão para pilotar o carro do pai. Aos quatorze anos, já sabendo, podia dar umas voltas nas redondezas do Porto Novo, próximo a casa da família, sendo vedado expressamente atravessar a ponte para evitar movimento e policiamento.

Assim se comportava sempre quando o era permitido dar algumas voltas. Com um ou outro amigo saia para se exibir para as meninas e para mostrar para todo o mundo que já dirigia o carro do pai.

Num determinado domingo, seu pai foi tirar o ronco da tarde e depois voltar para São Paulo. Por volta das 22 ou 23 horas subiria a serra, evitando assim o tráfego intenso. Lourenço, a mãe e os dois irmãos, durante os meses de férias escolares, ficavam por lá. De tanto pedir o pai permitiu que desse algumas voltas por perto de casa... Mantendo a proibição de não ir à Vila, do outro lado do rio.

- Não atravesse a ponte.

Merece registrar que naquele tempo só havia a ponte rodo-ferroviária atravessando o rio Itanhaém, unindo a Vila à Praia dos Sonhos e demais bairros.

Alexandre, Giba e Lourenço no Volks vermelho saíram e depois de rodarem pela Praia dos Sonhos, pela Prainha e imediações, resolveram dar uma voltinha despretensiosa até a Vila... E assim atravessaram a ponte.

A velha e única ponte ferroviária que fora adaptada para o tráfego de veículos ficava numa situação bem mais elevada, de modo que era preciso subir a rampa para alcançá-la e depois ao final, descer novamente ao nível da cidade. A altura se tornava necessária para que sob ela navegassem os rebocadores e batelões que de Itanhaém iam à Santos.

Os três, faceiros e imponentes aventuraram-se pela ponte à dentro e ao chegar do outro lado do rio, ao descerem ao nível da cidade, havia uma batida policial e foram pegos.

- Vamos para a Delegacia !

- Sim, mas eu dirijo. O carro é meu. E foram os quatro. O policial no banco do carona e Lourenço no volante, sentados no banco da frente e os amigos atrás.

Lá o delegado recolheu as chaves do carro e mandou chamar o dono do carro.

Naqueles anos em Itanhaém não havia telefone com facilidade e  o temor de acordar o pai e dar a notícia motivou irem até a casa do Giba e chamar Eduardo irmão mais velho que era estudante de direito e quem sabe, pudesse  resolver a questão, evitando levar a notícia ao dono do automóvel e conseqüentemente sofrerem alguma reprimenda, perda de confiança e outras limitações.

Lourenço e Alexandre foram à pé. Giba, permaneceu na Delegacia de Polícia os aguardando.

Naquela época, a Delegacia de Polícia já era onde está instalada atualmente. Bem distante do centro, após a rua da estação... no lado oposto do rio... bem longe. Próximo ao cemitério. Mas, os dois andaram os quilômetros e chegaram à Alameda e falaram com o Eduardo Eugenio, que houve por bem, ir conversar com o dono do carro que ainda dormia.

Não teve outro modo.

Acordaram o pai de Lourenço e foram todos para a Delegacia... e solucionaram a pendenga.

E por algumas semanas não teve mais permissão para sair de carro... amargando o castigo  merecido.

O tempo passou e foi se tornando comum para Lourenço e outros rapazes da mesma idade emprestarem o carro do pai para saírem nos finais de semana. E o mesmo ocorreu com Lourenço, que com certa habitualidade, durante as férias, valia-se do automóvel do pai para arrumar uma namorada, ir a uma festa e mesmo para levar  alguma mulher à praia ou ao motel um tanto distante.

 Itanhaém não tinha motel, e assim, na solidão da praia do Cibratel, nos rincões da praia de Peruíbe, era comum, observar muitos automóveis parados na quietude das noites com casais no seu interior ou ao lado, deitados numa esteira, casualmente esquecidas no porta-malas, para essas ocasiões.

Antes, no entanto de Lourenço crescer e poder se valer do automóvel do pai, valia-se da bicicleta.

Certa vez, com treze ou quatorze anos de idade foi ao cinema da Zefa de bicicleta e  a deixou estacionada bem à porta do Cine Jangada, fixa com o pedal, na guia da calçada.

Como sempre,  na forma da lei, junto as portas de cinemas, teatros, igrejas é proibido estacionar. No entanto, para Lourenço a proibição era limitada a veículos e não abrangia bicicletas.

Assim, dada a infração constatada, quando terminou a sessão o seu veículo de duas rodas havia sido recolhido, conforme informações gerais e estava na Delegacia de Polícia. Só no dia seguinte, acompanhado de um adulto pode liberar a sua condução.

Naquela noite teve que retornar da Vila, até sua casa  Prainha  à pé.

A Zefa, viúva, dona do cine Jangada, situado num prédio de 2 andares, no Largo Pio XII, não gostava de Lourenço, que sempre criava problemas na entrada, na saída ou durante os espetáculos cinematográficos.

A falta de entrosamento entre ela, que ficava na porta recebendo os ingressos, chegou a tal ponto que certa noite, vedada foi a sua entrada, propiciando permanecer ao seu lado  conferindo se eram rasgados os ingressos, sob a ameaça de avisar a policia por estar sonegando impostos...

Noutra ocasião, junto com o Gil, seu inseparável amigo por longos 50 anos, pegaram emprestados duas bicicletas na vizinhança e por duas ou três horas sumiram pela noite à dentro. Depois devolveram aos donos...

Bicicleta ou automóvel tudo era alegria. Aliás, na Praia dos Sonhos existia uma pizzaria cujo nome, inspirado  no sucesso de então, do baiano Caetano Veloso, revelado pela Record, chamava Alegria Alegria.

Enfim, durante anos, essa rotina era a vida de Lourenço e seus amigos que durante meses de verão e nas férias de Julho permaneciam em Itanhaém.

Roberto J. Pugliese
www.pugliesegomes.com.br
presidente da Comissão de Direito Notarial e Registros Públicos –OAB-Sc
Membro da Academia Eldoradense de Letras
Membro da Academia Itanhaense de Letras
Titular da Cadeira nº 35 – Academia São José de Letras

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