Memória nº 51
Acidentes e incidentes presenciados e sofridos.Miracatu é um dos maiores municípios do Estado de São Paulo, cuja sede é uma pequena cidade espremida entre às margens da Br116 e o rio Juquiá, fundada por franceses, outrora integrando a zona rural da vizinha Iguape, bem pobrezinha, com apenas um hotelzinho ou dois, ambos meia boca, adequados apenas para viajantes e num deles, situado à avenida Evaristo S. Leite, a principal, é que passaram aquela noite inesquecível.
Na manhã seguinte seguiram
viajem retornando à Itanhaém.
Vinham de Cananéia quando o
carro engasgou, falhou e parou. Na escuridão da noite do domingo que ameaçava chuva,
Lourenço percebeu que estava sem gasolina. Há uns três ou quatro quilômetros da
cidade, após várias tentativas, pediu que a mulher e o filho, com seis ou sete
anos, descessem e também ajudassem a pedir socorro.
Parados no acostamento, a rodovia
à época com pista simples, tinha, como sempre teve, trafego intenso nos dois
sentidos, com os carros, ônibus e caminhões
ofuscando com os faróis, sem apiedarem-se e manifestarem-se solidários
ao drama. Ninguém dava atenção aos três. Além dos motores dos veículos que
transitavam, ouvia-se cachorros das imediações latindo incessantemente.
Passavam em alta velocidade
sem que se importassem com a mulher e o filho ao lado e ele abanando pedindo
ajuda. O tempo passava e ninguém dava atenção... até que um parou alguns metros
adiante.
Saíram três homens feitos, o
motorista com um revolver a mão indicando para Lourenço que fora ao encontro,
que diante da arma, levantou as mãos, assustado e preocupado com a mulher e o
filho.
- O que está acontecendo?
- Preciso de ajuda, estou sem
gasolina...
Após rápida explicação o
motorista disse que ao invés de ceder gasolina ou dar carona até o próximo
posto, que em razão do horário poderia já estar fechado, tinha uma corda e
poderia rebocar.
Meia hora depois o Chevette
estava guarnecido num posto de serviço movimentado, situado a frente da principal avenida, do outro lado da
pista... Pelo menos teriam onde passar a noite com segurança. Estavam na
cidade.
Agradecido, Lourenço
presenteou o benfeitor com o pacote de camarão que estava levando para casa,
anotando o seu nome e endereço, ciente que
se tratava de jornalista de A Gazeta e que talvez um dia pudesse
retribuir a atenção.
Dormiu intrigado com o
problema que ocorrera. Abastecera o carro antes de sair e teria combustível
para rodar quinhentos quilômetros aproximadamente.
Pela manhã, logo cedo, um
mecânico que olhou daqui e dali fez
testes, perguntas e com a experiência dos doutos e sabidos dos próprios
ofícios, diagnosticou ter um furo no condutor, um estreito tubo, fino e longo,
que sob o assoalho do automóvel, leva o combustível do tanque para o motor.
Sem recursos e em razão da
pressa, mascou um gomo de chicletes Adans,
até que tornando-se borracha impermeável,
o fixou no furinho que ficou sedimentado, recomendando que tomasse as
providencias ao chegar em casa.
A gasolina esgotara-se há
cento e trinta quilômetros do posto onde abastecera em Cananéia antes de
iniciar a viagem. Lembrou-se que nas imediações de São Paulo Bagre, o bairro rural próximo à cidade, uma pedra
repicara e batera forte no assoalho do automóvel e ali, provavelmente ocasionara
o furo. Àquele tempo a estrada da ponte,
ainda sem denominação não era pavimentada. De lá em diante, parte da gasolina
chupada pela bomba era jogada fora ao passar pelo orifício.
Noutra ocasião, recorda-se
que retornava da Ilha Comprida onde fora passar o dia. Passara as duas
balsas: uma daquela ilha para Iguape e a
outra, de Iguape para o continente, onde depois foi erguida a suntuosa ponte dos Engenhos, um Opala imprima alta velocidade, incompatível
para a estrada cheia de barro e lama, sem pavimentação e a forte chuva que
caia.
A estrada era um sabão escorregadiço...
Mais cuidadoso permitiu que o
mesmo ultrapassasse e continuou viajando ao ritmo que podia seguir com
segurança. Não chegava a perde-lo de
vista, mas cada vez se distanciava mais do motorista irresponsável.
Já estavam na BR116, próximo
ao inicio da Serra do Cafezal, a pista ainda única para os dois sentidos,
quando viu à sua frente, numa curva, o mesmo Opala perder a direção, atravessar
a rodovia e atingir um barranco após o acostamento, próximo a uma curva
fechada, no pé da serra.
Como outros que pararam para
socorrê-lo, Lourenço contornou a curva e parou, estacionando no acostamento
para sinalizar aos veículos que vinham em direção contrária para tomarem
cuidados porque o automóvel acidentado estava parte enfiado no morro, parte no
acostamento e parte na pista, podendo causar outros acidentes... E quem descia
a serra não tinha visão do acidente. Ademais a chuva sendo forte, não permitiria
uma freada com eficiência.
Noutra ocasião, também na
estrada que une a BR116 à Iguape, então sem pavimentação, percebia que a
despeito da chuva forte e toda lama que dava insegurança aos veículos, um jeep
imprimia velocidade bem superior a boa razão. Seguiam em direção à São Paulo, e
como previsto, ao ultrapassar a ponte do rio Peroupava onde a estrada entorna à
direita, o automóvel não teve como fazer a curva e seguiu direto, caindo no
charco existente.
Lourenço parou e percebeu que
saíram três ou quatro homens, sem qualquer arranhão.
- Alguém se machucou? Levaria
algum machucado para o pronto socorro.
Ninguém se machucara e
pediram para ajudar tirar o auto que se encontrava há uns 3 metros de distancia
da estrada num charco alagado... Meio afundado, meio atolado.
Lourenço foi embora sem dar
satisfação ou ajuda, colaborando para o
destino que impôs de modo cruel o aprendizado ao motorista
irresponsável.
Enfim, recorda-se também da
sua primeira ida à Iguape. Fora com a namorada à Ilha Comprida num domingo
ensolarado e após o banho de mar, almoço, retornavam à São Paulo.
Duas balsas, e 70 km. de
estrada sem pavimentação com pouco movimento, que unia o porto dos Engenhos à Biguá,
no entroncamento com a Br 116, então com uma única pista nos dois sentidos e
muito bem movimentada.
Para quem da rodovia federal
segue para Iguape, no alto da serra que serve de divisa com o município de
Miracatu se tem uma visão muito bonita e ampla. Abaixo, a partir do pé da
serra, vê-se nitidamente a baixada, rios, córregos e gamboas em quantidade. É o
Despraiado, com fazendas de bananas e maracujás.
Estavam na subida dessa
serra, no leito antigo, estreito, precário e com incontáveis pedras, quando
percebeu que um dos pneus de trás furara...
Lourenço não deu bola. Pensou
em seguir, com cuidado e bem vagarosamente até a pequena Vila São José ou
Biguá, onde provavelmente encontraria um borracheiro, evitando o transtorno na
subida da serra, sem acostamento, isolado, com riscos imprevisíveis.
E assim fez. Só que, na
inexperiência, não sabia que a camara ficara toda moída, o pneu rasgado e a
roda esfacelada, provocando elevado prejuízo econômico, com a substituição de
todas essas peças.
Concluindo, suas andanças
pelo Vale do Ribeira desde mil e novecentos e qualquer coisa, no volante ou de
carona, tem muitas e muitas histórias pitorescas inesquecíveis.
Histórias inesquecíveis
sempre ao volante de seus automóveis...
Roberto J. Pugliese
www.pugliesegomes.com.brpresidente da Comissão de Direito Notarial e Registros Públicos –OAB-Sc
Membro da Academia Eldoradense de Letras
Membro da Academia Itanhaense de Letras
Titular da Cadeira nº 35 – Academia São José de Letras
Autor de Terrenos de Marinha e seus Acrescidos, Letras Jurídicas
Autor de Direitos das Coisas, Leud
Sócio do Instituto dos Advogados de Santa Catarina
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