Memória nº 57
Reintegração de posse.
Estrada do Ariri e do Forte. Duas realidades. Duas histórias.
A vila do Ariri foi criada por
decreto do presidente do Estado do São
Paulo, Washington Luis Pereira de Barros, no início do século XX com uma
história épica muito interessante e bonita. Deveria ser difundida em todas as
escolas, porém se quer na cidade de Cananéia é lembrada e quase ninguém a
conhece.
Muito heroísmo, bravura e vontade de um povo permanecer paulista, após
a decisão do presidente da república definir a divisa de forma a passar Ararapira pertencer ao Paraná.
Distante por rodovia quase intransitável, do centro de Cananéia, 80 km,
é o último reduto do Estado de São Paulo na fronteira sul.
Pois lá, vivia uma família há muitos anos, que ocupava uma área para
plantar. Posseiros que herdaram dos pais, que haviam herdado dos pais, os
quais, também haviam herdados dos
pais... e constituíam a quinta ou sexta geração de posseiros daquele sítio
perdido entre a Serra do Mar, o canal e a Mata Atlântica original.
Debenet era o líder da família. Conhecido também Benis, viviam
tranquilo, com as roças que plantavam para o consumo, sem incomodarem ou serem
incomodados.
A Colonizadora do Ariri, empresa
de exploração agrícola, foi comprada por Alfredo Sens, um fazendeiro de Ponta
Grossa, que resolveu reativa-la. Explorar a criação de búfalos e o corte de
madeira.
Na imensa área haviam muitos posseiros tradicionais no Ariri. Debenet, seus familiares e agregados, era uma
das famílias ameaçadas de perderem a posse tradicional. A área ocupada pela
família era de difícil acesso e bem distante de tudo, quer da sede do Ariri,
quer da sede do município de Cananéia.
Por ordem do empresário rural a Colonizadora do Ariri começou a
expulsar os posseiros de seus domínios. Por bem ou por mal todos os posseiros
que se encontravam na fazenda da Colonizadora estavam sendo ameaçados e
expulsos. Benis, não concordou e
enfrentou Alfredo Sens, que mandou jogar a manada de búfalo da fazenda sobre as
casas dos que resistirem... e os búfalos passaram por cima das casas dos
familiares do Debenet, destruindo a precária plantação, construções e machucando
muitos dos filhos e filhas... Desgraça que foi acolhida e socorrida pelo
Maurício, então presidente do MDB de Cananéia e que se apiedou do caiçara.
Inacreditável: Sendo distante o lugar, isolado e inóspito, como dito
acima, embrulharam Benis numa rede, levaram
por uma picada até a sede da Vila, e de lá, numa embarcação à Cananéia para ser
atendido na Santa Casa, um modesto nosocômio sem recursos, único do município
àquela época.
De lá, por falta de recursos, após o terceiro dia foi levado para o
hospital regional de Pariquera Açu sendo tratado e recebendo alta.
O caso foi levado ao conhecimento de Lourenço, advogado com menos de 5 anos
de formado, recém chegado à cidade e militante do MDB, que abraçou a causa por
amor à profissão e à justiça.
Sem delongas, bancou as despesas, e após alguns vais e vens, conseguiu que o juiz de direito de Jacupiranga, sede
da Comarca de Cananeia, deferisse a liminar de reintegração de posse e
posteriormente confirmasse através de sentença.
Os pobres caiçaras vitoriosos retornaram a suas posses. Sem recursos
para pagar honorários e despesas, o cliente Debenet, fez com seu próprio braço
um pilão... e agraciou a mulher do advogado benfeitor.
Anos mais tarde, residindo em São Francisco do Sul, Lourenço foi
contratado para desocupar uma área invadida na Estrada do Forte. Cerca de 30
jagunços, armados de escopetas, em pleno centro urbano, ocuparam em nome de
interposta pessoa de Joinville, a raiz de um morro, cuja posse ultrapassa todo
a penha e atinge o mar.
Era domingo e estava almoçando nas imediações, na praia de Ubatuba, com
a mulher e o filho, ainda menor de idade, mas que estava treinando dirigir o
carro do pai em lugares menos movimentado. Assim, do restaurante passaram na
casa de Osny, o verdadeiro possuidor da área invadida e seguiram mais alguns
quarteirões até o local dos fatos. Lourenço Jr. é quem estava no volante.
Chegando, deixaram o carro alguns metros antes do palco dos
acontecimentos e cliente e advogado seguiram à pé até o imóvel. A área tinha cerca
de 50 m. de frente e mais de 1.500 m. até os fundos.
Na porteira, chamou um dos jagunços para indicar o chefe para dar
explicações.
- Quem puser o pé aqui dentro temos ordens para passar fogo.
Lourenço já havia chamado a polícia e quando estava conversando com o
chefe dos jagunços, chegou um sargento e um cabo da Policia Militar que se
posicionaram em favor dos invasores.
- O senhor está muito nervoso e serei obrigado a prendê-lo, disse um
dos policiais para o advogado, que se despediu e foi embora, com o cliente...
(...)
Na segunda feira à tarde, pessoalmente explicou ao Magistrado à quem
fora distribuída a ação que preparara detalhes da situação fática e aguardou o
despacho.
Na terça, à tarde, o Magistrado tomando ciência da gravidade dos
fatos, pois eram trinta homens
fortemente armados em plena zona residencial da cidade, chamou o advogado, o
cliente, o tenente Comandante da Cia. de
Policia Militar na cidade,que foi
acompanhado de dois praças e o sargento que ameaçara prender Lourenço, dois
oficiais de Justiça e prelecionou a todos:
- A área tem que ficar limpa dos invasores. Levem quantos policiais for
preciso... mas não quero violência...
Quando estavam se despedindo para ultimarem as medidas e cumprirem a
liminar, Lourenço pediu a palavra, e alto e bom som, falou ao Tenente ali
presente:
- Senhor Comandante, talvez não saiba, mas esse sargento, é covarde.
Ameaçou me prender no domingo e se negou a lavrar a ocorrência para qual fora
chamado. Recomendo não leva-lo a operação porque ele irá mudar de lado... (
detalhes )
A área foi desocupada, a ação foi vencida pelo Osny e nunca mais
repetiram a invasão. O policial foi transferido...
Roberto J. Pugliese
Presidente da Comissão de Direito
Notarial e Registros Públicos –OAB-Sc
Sócio do Instituto dos Advogados de Santa Catarina
Nenhum comentário:
Postar um comentário