Discurso
de despedida.
( Texto lido no altar mor da pequena
igreja de São João Baptista, em
Cananéia, na festa de despedida do Pe. João XXX, quando de sua
aposentadoria compulsória, durante à Santa Missa celebrada em sua homenagem
pelo RV. Bispo Diocesano de Registro. )
Reverendíssimo Senhor Bispo Diocesano,
Reverendíssimo
Pe. João XXX
Caros
irmãos em Cristo,
Aprendi
muito vivendo em Cananéia, como profissional e como ser humano e ainda valho-me
da rica e singular experiência que tenho com seus filhos naturais e com os que
iguais a mim, a adotaram como berço.
No
entanto, destaco entre tantos e tantos conhecimentos que adquiri nesses trinta
anos de intimidade com este povo, ter conquistado a rica amizade de João XXX, o
pároco que aqui já estava há um qüinqüênio quando em 1976 o conheci. Tem sido
para mim, ao longo desse convívio, um mestre. Meu grande professor e
catedrático da cadeira pertinente aos assuntos da vida, justiça social e amor
aos pobres.
Homem
dedicado ao Evangelho soube difundir a verdadeira palavra de Cristo,
enfrentando com freqüência castas de poderosos que tradicionalmente extraiam
proveito injusto da boa fé do inocente povo cananeense. Não raras vezes,
isolado e desacreditado, soube tornar-se paradigma de coragem e perseverança,
sem medir esforços, valendo-se dos parcos meios de que sempre dispôs.
Enfrentando
a covarde oposição dos que perdiam privilégios e ludibriavam a opinião pública,
nunca deixou de ouvir e tomar para si, o clamor daqueles que pediam
desesperados a distribuição da verdadeira justiça social coletiva ou a defesa
de direitos mínimos de cidadãos ultrajados historicamente pelo poder político e
econômico.
Sem
qualquer receio de desagradar a quem quer que fosse, não desistiu nunca,
advogando a causa dos injustiçados, dos excluídos e de todos aqueles que lhe
bateram a porta. Não há nestes últimos
anos, um único clamor por justiça, que não tenha a frente, o combativo Padre João XXX. Assumiu e liderou
movimentos de pescadores, esteio da economia tradicional local, com o objetivo
de libertá-los da escrava situação imposta por agiotas atravessadores
inescrupulosos, travestidos de empresários.
Enfrentou
a politicagem histórica de grupos cuja meta sempre fora integrar a
administração pública para obter vantagens pessoais e coletivas, através de verdadeira escravidão econômica, da exploração
da pobreza e do autoritarismo espalhado pela periferia, sítios e praias
distantes. Tornou-se o bastião da libertação dos oprimidos deste bucólico
paraíso.
Transformou
o púlpito sagrado da Igreja de S. João Baptista na tribuna das denuncias
daqueles que não tinham voz, e fez das capelas isoladas nas ilhas e no seio da
floresta atlântica, fortalezas vivas na defesa de mínimos direitos dos humildes
caiçaras, a quem sempre dedicou todo seu esforço.
Mas
a atuação do Padre João XXX não se
restringiu a edificação de trincheiras jurídicas em defesa dos isolados ilhéus.
Durante sua abençoada estada à frente da paróquia, soube difundir a cultura da
preservação ambiental, mostrando nas entrelinhas da Bíblia Sagrada, a
indispensável harmonia entre os seres humanos e os demais seres vivos. Revelou
a importância econômica do meio ambiente sustentável.
O
vigário não deixou de lado os esquecidos descendentes dos quilombolas do
Mandira, nem tão pouco os renegados guaranis, que hoje habitam a Ilha do
Cardoso. Esses grupos diferenciados, assim como as diversas colônias de
rurículas e pescadores dos aglomerados
isolados, sempre estiveram agendados no rol de suas infindáveis
preocupações.Cotidianamente visitava as comunidades distantes, conclamando-as
ao postulado legítimo de escolas, postos de saúde, estradas... enfim,
orientando-os na sua formação cidadã e cristã.
Merecida,
pois a honraria conferida pela Câmara Municipal, que lhe homenageou com a invejável cidadania Cananeense, dando-lhe o
status da naturalidade, por ser de merecida justiça igualá-lo ao não menos ilustre Monsenhor Barroso,criador do
Museu de Arte Sacra de São Paulo, honrado filho destas ilhas,onde nasceu nos idos de 1.700. Cananéia é o seu lar. Sua família é o
povo cristão desse arquipélago. Esse foi o destino que ao longo da sua
trajetória escolheu e construiu. Essa é
a sua fortuna.Fiel ao Evangelho de Mateus 6:19 a 21, não ajuntou para si
tesouros na Terra, mas sim nos Céus.
Holandês de nascimento deixou em definitivo o
requinte e o conforto da Europa glamurosa, para cuidar carinhosamente dos
sofridos brasileiros esquecidos do Vale
do Ribeira. Largou o afeto e o calor de
sua família natural, para adotar os cananeenses como verdadeiros filhos e irmãos de sangue.
Fiel
aos compromissos assumidos diante dos pergaminhos dogmáticos da Igreja Católica
manteve-se, tal qual São Francisco de Assis
nos limites da pobreza e comiseração, que se lhe impôs os votos
jurados.Puro de coração e não afeito a coisas materiais, não se preocupou com
os dias da velhice, confiando na tutela vitalícia da entidade religiosa que
integra, respeita e valoriza com suas preces e sermões.
Agora,
porém, padecendo de males que insistem em debilitar seu vigor físico, mas que
nem de longe atingem seu pétreo vigor espiritual, ao invés do indispensável
socorro, sofre ainda mais diante da aposentadoria compulsória que lhe foi
oferecida.
Abandonam
o grande capitão.Tiram da condução de seu amado rebanho, o pastor que por quase quatro décadas conduziu
amorosamente suas ovelhas, pregando a verdadeira justiça, perseguida
incansavelmente por Jesus.
Essa
é a despedida que se lhe impõe os doutos do templo. Mas esta decisão, porém,
limita-se somente a entrega do cargo que lhe foi confiado e por décadas soube
exemplarmente exerce-lo. Nada mais que a aposentadoria que se lhe impõe,
debitada pela fragilidade de sua saúde física.
Mas
é a despedida de quem jamais partirá. De quem nunca irá embora. Tiram-lhe o
cajado, mas o rebanho permanecerá fiel ao seu dedicado pastor. Pois assim como
em Atos 17:24, as escrituras sagradas nos ensinam que ”Deus não mora em templos feitos por
mão humanas”, podemos afirmar com certeza que Deus mora sim, no coração de pessoas como o
Padre João XXX, esteja ele no templo da Igreja de São João Batista ou num casebre de pau-a-pique de um sitio
qualquer de sua querida Cananéia..
Esteja o Padre João XXX onde estiver, é certo que
seu coração estará vivo, como os nossos, pulsando como o afortunado solo destas
ilhas. Pulsando historicamente na lembrança inesquecível desse caloroso povo.
Afinal, os bons frutos de sua semeadura ao longo de tantos anos multiplicam-se
dia a dia.
Pela primeira vez na historia desta secular
cidade, o povo humilde da periferia tem vez e vós, graças ao trabalho
incansável deste dedicado seguidor do apostolo Paulo.
Em
meu nome pessoal e do Edgar Jaci Teixeira
e nossas famílias, emocionado, peço a todos que aplaudam o incansável pastor de
todos nós.
Viva
o Padre João.
Roberto
J. Pugliese
( Texto elaborado em
conjunto com o saudoso Edegar Jacy Teixeira )
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