Antropofagia francisquense.
Na
primeira metade do século XX Mário de Andrade percorreu por duas vezes o Nordeste,
estudando o comportamento da sociedade, pesquisando costumes e tradições.
Manteve estreitas relações com Câmara Cascudo e Gilberto Freyre, vindo a
concluir trabalhos sociológicos que até hoje são de súbita validade para a
realidade nacional.
Da
aventura pelos sertões, nas odisséias vividas na caatinga, no inóspito
interior e nas amenidades da zona da mata, pode constatar a realidade própria da cultura regional,
colhendo subsídios bastantes para concluir o Antropofagia, através do qual
expôs com a perfeição de sua pena, a versão oficiosa da raça submissa com a
qual pode conviver.
Relatou
o literato paulistano que a concentração de renda exacerbada, o coronelismo
truculento dos proprietários da terra e a ganância dos que gerenciam a
política, estavam levando a auto destruição e conseqüentemente a extinção de toda estirpe social local,
prevendo que a continuar o mesmo comportamento dos poderosos em relação a plebe
submissa, em poucas décadas, todo o Nordeste estaria fadado a sucumbir diante
da desmoralização total do povo, que sem condições mínimas de sobrevivência,imigrariam e levariam à falência a economia regional,
destruindo os meios de produção de suas riquezas, estancando abruptamente os privilégios da
elite local, por falta de mão de obra e vassalos, como ironicamente soube
descrever com pormenores e detalhes.
Dali
a esta época, o nordestino houve colonizar o norte, alistando-se
voluntariamente no exército da borracha, iludido pelas promessas do tio san,
durante a II guerra mundial e, posteriormente inchar as cidades do sudeste, em
busca de condições mínimas para sobreviver, dada a ausência do estado social e
a prepotência dos senhores quase feudais.
Hoje,
salvo alguns poucos bolsões turísticos, de um modo geral, a região está à
míngua. Suas indústrias, sem incentivos, estão destruídas. São obsoletas e não
atendem se quer o mercado interno. Seus tradicionais engenhos de açúcar,
penhorados e no mais, resta a miséria, a falta d’agua, a fome e a inércia de
quem não vislumbra nenhuma condição para reverter a situação contemporânea.
A
população despreparada não tem mais como servir a elite decadente e empobrecida
financeira e culturalmente, que diante da situação sócio política financeira,
mantém um pé no Nordeste, onde explora sua economia, outra em Brasilia, onde
lambe o poder e ainda, com constantes idas ao sudeste, lugar no qual permanece
porque sabe que poderá saborear as
benesses do século XXI.
S.
Francisco do Sul caminha igualmente para a antropofagia. A cidade histórica, mais
antiga da civilização catarinense, situada na ilha do mesmo nome, na baia de
Babitonga, é por natureza antropofágica.
Seus
filhos por tradição, para poder
sobreviverem com dignidade mínima, estão buscando em centros mais acessíveis, nem sempre maiores,
as oportunidades negadas na cidade, quer pelos que manipulam a economia cada
vez mais concentrada e não distribuída, quer pelos coronéis do poder político
que mantém o cabresto apertado, de forma a controlar a dominação imposta à plebe inculta e acanhada, sempre temendo
insurgir-se contra aqueles que sempre deram as ordens.
É
cultural e histórica a dominação por
poucos sobre muitos na Babitonga. O novo e as novidades não são aceitos,
de modo a manter o stabelechiment na mão das mesmas famílias e o poder
político permanecer com dantes no quartel de Abrantes.
Castram-se
aqueles que possam alertar. Desmoralizam-se os que denunciam. Cala-se a voz dos
que gritam e por gerações seguidas, o povo é afastado coercitivamente do poder
e das riquezas geradas na ilha pelos seus esforços. A violência é
estrategicamente disposta a não se permitir inclusive, que no futuro, surjam
lideranças contrárias, a ponto de inibir-se que os estudantes organizem-se em
grêmios autônomos, de forma a induzi-los a submissão histórica inerente à
cultura local, de que uns mandam e haverão de mandar e os demais obedecem. Foi
assim e assim será.
A
balela é perceptível, mas a cultura social dirigida à auto destruição, impede
que a sociedade civil se organize para mudanças. Temor reverencial àqueles que
por tradição impõe suas idéias e não aceitam contrariedades, em troca de
esmolas e dádivas generosamente distribuídas aos que contemplam da senzala a
luxúria dos senhores. Banquetes e cestas básicas é a relação histórica e
harmônica entre os pacíficos, tolerantes
e submissos e ilhéus.
Infelizmente
a permanecer a situação hermeticamente sitiada do poder e das riquezas,
inacessíveis às maiorias, a antropofagia francisquense será inevitável. Veja-se
a sina dos poucos empresários que ainda restam: Aliados do referido poder, se
esforçam em manter o incipiente comércio, cuja freguesia que restou ou compra à prazo com bastante dificuldade ou
deixa para depois, enquanto que a pseudo elite financeira local, mesquinha,
inculta e irresponsável debanda elegantemente para outros centros, aplicando
seus recursos em variedades bem mais atraentes, de melhor qualidade e preço
impossíveis de serem oferecidas na ilha, diante do poder aquisitivo cada vez
menor.
Naquela
ilha se encontra a maior empresa industrial catarinense, ali instalada por
favores do Poder Público que a isentou de impostos e a favoreceu com incentivos
especiais, inclusive água, dada a dificuldade que a ilha oferece para servir-se
do precioso líquido.
Naquela
ilha também a Petrobras mantém um porto oceânico sobre boias e seus
reservatórios na praia de Ubatuba bombeiam o precioso líquido para a refinaria
no planalto paranaense.
Essas
duas empresas de grande potencial econômico já são suficientes para mudar a
fisionomia da cidade, injetando através de seus funcionários valores
expressivos na sua economia, no entanto, se quer os funcionários mais
qualificados, residem ali. Não investem na cidade, no comércio e no bambaleante
serviço prestado pelos ilhéus.
Por
essas condições expostas, São Francisco
do Sul é há alguns anos, o maior PIB do Estado. É o terceiro PIB do sul
do país, atrás de Porto Alegre e Curitiba e um dos mais elevados do país.
Um
PIB concentrado nas mãos de poucas famílias e poucas atividades lucrativas,
visto que a vocação do francisquense, continua sendo a pesca artezanal
rudimentar e primária.
Enfim, para confirmar a antropofagia
francisquense, a miséria cultural e econômica é tão elevada, que a maior
celebridade contemporânea de lá, filho legítimo que saiu para o mundo para
tentar sobreviver e ganhar a vida, por falta de oportunidades na terra natal,
ainda continua sendo o famigerado JOÃO ACÁCIO, o BANDIDO DA LUZ VERMELHA.
A
elite paulatinamente está se auto
destruindo com a eliminação das vítimas de sua ganância e de seus
próprios aliados. E os partidos políticos se confundem sem ideologia ou
propostas para reverter a situação sócio econômica caótica. PT saudações.
presidente da Comissão de Direito Notarial e Registros Públicos –OAB-Sc
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