A face nazista da ditadura brasileira
A notícia é estarrecedora: militantes políticos
envolvidos no combate à ditadura militar tiveram seus corpos incinerados no
forno de uma usina de cana de açúcar em Campos dos Goytacazes, no norte do
estado do Rio de Janeiro, entre 1970 e 1980.
O regime militar, que governou o Brasil entre 1964
e 1985, merece, agora, ser comparado ao nazismo.
A revelação é do ex-delegado do DOPS (polícia
política) do Espírito Santo, Cláudio Guerra, hoje com 71 anos.
Segundo seu depoimento aos jornalistas Marcelo
Netto e Rogério Medeiros, no livro "Memórias de uma guerra suja”
(Topbooks), no forno da usina Cambahyba - de propriedade de Heli Ribeiro Gomes,
ex-vice-governador do Rio de Janeiro entre 1967 e 1971, já falecido -, foram
incinerados Davi Capistrano, o casal Ana Rosa Kucinski Silva e Wilson Silva,
João Batista Rita, Joaquim Pires Cerveira, João Massena Melo, José Roman, Luiz
Ignácio Maranhão Filho, Eduardo Collier Filho e Fernando Augusto Santa Cruz
Oliveira.
Os militantes teriam sido retirados de órgãos de
repressão de São Paulo – DEOPS e DOI-CODI – e do centro clandestino de tortura
e assassinato conhecido como Casa da Morte, em Petrópolis.
Cláudio Guerra acrescenta às suas denúncias que o
coronel Carlos Alberto Brilhante Ulstra, um dos mais notórios torturadores de
São Paulo, teria participado, em 1981, do atentado no Riocentro, na capital
carioca, na véspera do feriado de 1º. de Maio.
Se a bomba levada pelos oficiais do Exército não
tivesse estourado no colo do sargento Guilherme Pereira do Rosário,
ceifando-lhe a vida, centenas de pessoas que assistiam a um show de música
popular teriam sido mortas ou feridas.
O objetivo da repressão era culpar os
"terroristas” pelo hediondo crime e, assim, justificar a ação perversa da
ditadura.
Guerra aponta ainda os agentes que teriam
participado, em 1979, da Chacina da Lapa, na capital paulista, quando três
dirigentes do PCdoB foram executados. Acrescenta que a "comunidade de
informação”, como eram conhecidos os serviços secretos da ditadura, espalhou
panfletos da candidatura Lula à Presidência da República no local em que ficou
retido o empresário Abílio Diniz, vítima de um sequestro em 1989, em São Paulo,
de modo a tentar envolver o PT.
Uma das revelações mais bombásticas de Cláudio
Guerra é sobre o delegado Sérgio Paranhos Fleury, o mais impiedoso torturador e
assassino da regime militar, morto em 1979 por afogamento. Tido até agora como
um acidente, segundo o ex-delegado, teria sido "queima de arquivo”, crime
praticado pelo CENIMAR, o serviço secreto da Marinha.
Guerra assume ter assassinado o militante Nestor
Veras, em 1975, alegando que apenas deu "o tiro de misericórdia” porque
ele havia sido "muito torturado e estava moribundo”.
Das notícias da repressão há sempre que desconfiar.
Guerra fala a verdade ou mente? Tudo indica que o ex-delegado, agora travestido
de pastor adventista, não se limitou, na prática de crimes, à repressão
política. Em 1982, a Justiça o condenou a 42 anos de prisão pela morte de um
bicheiro, dos quais cumpriu 10 anos. Em seguida mereceu 18 anos de condenação
por assassinar sua mulher, Rosa Maria Cleto, com 19 tiros, e a cunhada, no
lixão de Cariacica, em 1980.
Ele alega inocência nos três casos, embora admita
que matou o tenente Odilon Carlos de Souza, a quem acusa de ter liquidado sua
mulher Rosa.
Espera-se que a presidente Dilma anuncie, o quanto
antes,(*) os nomes dos sete integrantes da Comissão da Verdade, que deverá
apurar crimes e criminosos da ditadura. E investigar as denúncias do policial
capixaba. Infelizmente a comissão ainda não será da Verdade e da Justiça.
O Brasil é o único país da América Latina que se
recusa a punir aqueles que cometeram crimes em nome do Estado, entre 1964 e
1985. O pretexto é a esdrúxula Lei da Anistia, consagrada pelo STF, que
pretende tornar inimputáveis algozes do regime militar.
Ora, como anistiar quem nunca foi julgado e punido?
Nós, as vítimas, sofremos prisões, torturas, exílios, banimentos, assassinatos
e desaparecimentos. E os que provocaram tudo isso merecem o prêmio de uma lei
injusta e permanecer imunes e impunes como se nada houvessem feito?
O nazismo foi derrotado há quase 70 anos, e ainda
hoje novas revelações vêm à tona. Enganam-se os que julgam que a Lei da
Anistia, o silêncio das Forças Armadas e a leniência dos três poderes da
República haverão de transformar a anistia em amnésia. Como afirmou Walter
Benjamin, a memória das vítimas jamais se apaga.
·
(os
nomes foram anunciados em 10/5/12 e será instalada em 16/5/12)
Frei Betto é escritor, autor de "Diário de
Fernando – nos cárceres da ditadura militar brasileira”(Rocco), entre outros
livros. www.freibetto.org - Twitter:@freibetto.
Frei Betto
Escritor e assessor de movimentos sociais
Adital
Nenhum comentário:
Postar um comentário