18 março 2014

O mapa do lagamar. ( memória nº 76 )







Memória nº 76
O Mapa.
 
Recém-casado residia em São Paulo e tinha algumas questões jurídicas no Vale do Ribeira e especialmente em Cananéia, envolvendo discussões imobiliárias na ilha, na Ilha Comprida sul, na região do Ariri e na Ilha do Cardoso.
 
Entre outras, uma ação que o chamou atenção foi a proposta pela Fazenda do Estado de São Paulo, desapropriando a Ilha do Cardoso para transforma-la em Parque Estadual, contestada por inúmeros proprietários e pela União que ingressou com ação de oposição.
 
Essas demandas corriam no foro do lugar, na Comarca de Jacupiranga, então sede que abrangia o município de Cananéia entre outros.
 
Lourenço ingressara nos autos representando a sua empresa, titular de uma área na Enseada da Baleia, no sul da ilha do Cardoso e também alguns clientes proprietários de imóveis na ilha... E entre outros argumentos impugnou o foro, argumentando que a demanda envolvia conflito entre o Estado de São Paulo e a União, sendo certo que o foro competente seria o Supremo Tribunal Federal.
 
Os processos foram desaforados e seguiram para Brasília.
 
O tempo passou e por indicação do padre JoãoXXX, saudoso vigário de Cananéia que se dedicava sem descanso pelas causas dos pobres caiçaras do Vale do Ribeira, foi contratado para representar todos os posseiros da ilha.
 
Cerca de quatrocentos e tantos caiçaras ilhéus do Cardoso, outorgaram procuração para que Lourenço defendesse seus direitos históricos e fundiários advindos pelas sucessivas posses de seus antepassados.
 
O tempo passou e entre outros documentos Lourenço entendeu que deveria juntar um mapa da ilha  e do sul do município, abrangendo o Ariri e a divisa com o Estado do Paraná.
 
No entanto, a região muito rica em minérios estratégicos e valores ecológicos ambientais não têm os mapas à disposição do público em geral. O IBGE, o Exército, e outros órgãos oficiais que elaboram as cartas territoriais brasileiras, não dispõem esses mapas ao público, mantendo-os a sete chaves numa biblioteca do exercito do Brasil, num quartel no Rio de Janeiro.
 
Lourenço fuçou de lá e daqui, perguntou em lojas especializadas, consultou bibliotecas públicas e a resposta foi sempre no sentido que os mapas da ilha do Cardoso e região seriam encontrados apenas na biblioteca do Exército em tal lugar, no Rio de Janeiro.
 
(...)
 
Numa de suas idas à Cidade Maravilhosa resolveu ir até a tal mapoteca do Ministério do Exercito, situada num quartel, próximo a Copacabana, no alto de um morro. Um lugar bonito e com vasta visão da Guanabara e imediações.
 
Foi de carro acompanhado de sua mulher que, ficou aguardando no veículo estacionado dentro do prédio militar, após as identificações de estilo, então bem mais rigorosas, dada os tristes tempos da ditadura que mantia o povo brasileiro sob ferros e botas.
 
Na mapoteca, um salão enorme, com um balcão com grades que do teto isolava perfeitamente a área separando os mapas das inúmeras mesas para que os interessados assentassem-se para examinar os preciosos documentos.
 
Numa portinhola um guardinha, soldadinho raso, era a única pessoa que se encontrava no recinto, atendeu cortesmente e de imediato localizou alguns mapas e permitiu a leitura, numa das mesas, por Lourenço que simulou anotações etc.
 
- Poderia tirar cópia desses mapas? Qual é o preço?
 
O rapaz com atenção examinou a pilha de mapas e logo mostrou que alguns solicitados não poderiam ser copiados. Lourenço simulara estudos gerais para tentar conseguir o mapa proibido.
 
Sem alternativa questionou ao soldado se podia então levar aquele exemplar. Sendo de pronto negado.  Lourenço repetidas vezes pediu o mapa, argumentando um milhão de razões... Sempre negado pelo soldadinho da mapoteca.
 
Foram minutos de tensão: - Eu preciso... eu pago... eu isso, eu aquilo...
 
(...) ... (...)
 
Retornando, já fora do quartel, na íngreme ladeira  que segue em direção à avenida Barata Ribeiro, tirou da barriga o documento dobradinho e mostrou à Lourença esposa que espantada e perplexa indagou surpresa falando bem baixinho como se no automóvel tivessem escutas.
 
- (?  Conseguiu !!!)
 
Com o papel dobradinho junto ao corpo, coberto pela camisa, saíra da biblioteca, atravessara o pátio, manobrou o automóvel, passou pela revista feita de forma ordinária e enfadonha pelos jovens sentinelas sem que percebessem que o precioso mapa estava sendo levado.
 
Juntado aos autos das ações, passaram-se os anos, elas foram julgadas e o mapa, encartado, se encontra arquivado nos porões do Supremo Tribunal Federa, junto com os demais papéis que instruíram aqueles processados. O mapa proibido da região do Lagamar de Cananéia e Paranaguá. O mapa que Lourenço conseguiu para ajudar na defesa de direitos de pescadores, agricultores e turistas da Ilha do Cardoso.

 

Roberto J. Pugliese
Presidente da Comissão de Direito Notarial
 e Registros
Públicos –OAB-Sc
Sócio do Instituto dos
Advogados  de Santa Catarina

Um comentário:

  1. Olá, Dr. Roberto!

    Quero cumprimentá-lo pelas publicações, especialmente com relação as que dizem respeito ao município de Cananéia.
    Como natural desta, agradeço pelas informações que me têm proporcionado considerável aprendizado.
    Saudações!

    Prof Wagner

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