Memória
nº 76
O
Mapa.
Recém-casado residia em São
Paulo e tinha algumas questões jurídicas no Vale do Ribeira e especialmente em Cananéia,
envolvendo discussões imobiliárias na ilha, na Ilha Comprida sul, na região do
Ariri e na Ilha do Cardoso.
Entre outras, uma ação que o
chamou atenção foi a proposta pela Fazenda do Estado de São Paulo,
desapropriando a Ilha do Cardoso para transforma-la em Parque Estadual,
contestada por inúmeros proprietários e pela União que ingressou com ação de
oposição.
Essas demandas corriam no
foro do lugar, na Comarca de Jacupiranga, então sede que abrangia o município
de Cananéia entre outros.
Lourenço ingressara nos autos
representando a sua empresa, titular de uma área na Enseada da Baleia, no sul
da ilha do Cardoso e também alguns clientes proprietários de imóveis na ilha...
E entre outros argumentos impugnou o foro, argumentando que a demanda envolvia
conflito entre o Estado de São Paulo e a União, sendo certo que o foro
competente seria o Supremo Tribunal Federal.
Os processos foram
desaforados e seguiram para Brasília.
O tempo passou e por
indicação do padre JoãoXXX, saudoso vigário de Cananéia que se dedicava sem
descanso pelas causas dos pobres caiçaras do Vale do Ribeira, foi contratado
para representar todos os posseiros da ilha.
Cerca de quatrocentos e
tantos caiçaras ilhéus do Cardoso, outorgaram procuração para que Lourenço
defendesse seus direitos históricos e fundiários advindos pelas sucessivas
posses de seus antepassados.
O tempo passou e entre outros
documentos Lourenço entendeu que deveria juntar um mapa da ilha e do sul do município, abrangendo o Ariri e a
divisa com o Estado do Paraná.
No entanto, a região muito
rica em minérios estratégicos e valores ecológicos ambientais não têm os mapas
à disposição do público em geral. O IBGE, o Exército, e outros órgãos oficiais
que elaboram as cartas territoriais brasileiras, não dispõem esses mapas ao
público, mantendo-os a sete chaves numa biblioteca do exercito do Brasil, num
quartel no Rio de Janeiro.
Lourenço fuçou de lá e daqui,
perguntou em lojas especializadas, consultou bibliotecas públicas e a resposta
foi sempre no sentido que os mapas da ilha do Cardoso e região seriam
encontrados apenas na biblioteca do Exército em tal lugar, no Rio de Janeiro.
(...)
Numa de suas idas à Cidade
Maravilhosa resolveu ir até a tal mapoteca do Ministério do Exercito, situada
num quartel, próximo a Copacabana, no alto de um morro. Um lugar bonito e com
vasta visão da Guanabara e imediações.
Foi de carro acompanhado de
sua mulher que, ficou aguardando no veículo estacionado dentro do prédio
militar, após as identificações de estilo, então bem mais rigorosas, dada os
tristes tempos da ditadura que mantia o povo brasileiro sob ferros e botas.
Na mapoteca, um salão enorme,
com um balcão com grades que do teto isolava perfeitamente a área separando os
mapas das inúmeras mesas para que os interessados assentassem-se para examinar
os preciosos documentos.
Numa portinhola um guardinha,
soldadinho raso, era a única pessoa que se encontrava no recinto, atendeu
cortesmente e de imediato localizou alguns mapas e permitiu a leitura, numa das
mesas, por Lourenço que simulou anotações etc.
- Poderia tirar cópia desses
mapas? Qual é o preço?
O rapaz com atenção examinou
a pilha de mapas e logo mostrou que alguns solicitados não poderiam ser
copiados. Lourenço simulara estudos gerais para tentar conseguir o mapa proibido.
Sem alternativa questionou ao
soldado se podia então levar aquele exemplar. Sendo de pronto negado. Lourenço repetidas vezes pediu o mapa,
argumentando um milhão de razões... Sempre negado pelo soldadinho da mapoteca.
Foram minutos de tensão: - Eu
preciso... eu pago... eu isso, eu aquilo...
(...) ... (...)
Retornando, já fora do
quartel, na íngreme ladeira que segue em
direção à avenida Barata Ribeiro, tirou da barriga o documento dobradinho e
mostrou à Lourença esposa que espantada e perplexa indagou surpresa falando bem
baixinho como se no automóvel tivessem escutas.
- (? Conseguiu !!!)
Com o papel dobradinho junto
ao corpo, coberto pela camisa, saíra da biblioteca, atravessara o pátio,
manobrou o automóvel, passou pela revista feita de forma ordinária e enfadonha
pelos jovens sentinelas sem que percebessem que o precioso mapa estava sendo levado.
Juntado aos autos das ações,
passaram-se os anos, elas foram julgadas e o mapa, encartado, se encontra
arquivado nos porões do Supremo Tribunal Federa, junto com os demais papéis que
instruíram aqueles processados. O mapa proibido da região do Lagamar de
Cananéia e Paranaguá. O mapa que Lourenço conseguiu para ajudar na defesa de
direitos de pescadores, agricultores e turistas da Ilha do Cardoso.
Roberto J. Pugliese
Presidente da Comissão de Direito
Notarial
e Registros
Públicos –OAB-Sc
Sócio do Instituto dos
Advogados de Santa Catarina
Olá, Dr. Roberto!
ResponderExcluirQuero cumprimentá-lo pelas publicações, especialmente com relação as que dizem respeito ao município de Cananéia.
Como natural desta, agradeço pelas informações que me têm proporcionado considerável aprendizado.
Saudações!
Prof Wagner