Memórias nº72.
Navios encalhados.
Ilha Comprida: o carro afundou.
Para chegar à Itanhaém até a
inauguração da rodovia Padre Manoel da Nóbrega, SP 055, conhecida por Estrada
da Banana ou Pedro Taques, a praia
Grande, era a única via rodoviária.
Aproximadamente quarenta e
cinco quilômetros de praia quase que desabitada, a partir do Boqueirão, até a Colônia
do CMTC Clube em Itanhaém era o trajeto que os veículos se valiam até meados de
1960.
A praia era deserta. Apenas a
Cidade Ocian com os prédios ainda em construção e na praia, junto a linha de
jundu, a estátua imponente de Netuno, com suas longas barbas e o arpão simbolizando
o senhor dos mares, e mais adiante Mongaguá então uma bucólica vila de
pescadores, que se constituía no bairro mais ao norte da cidade, se destacavam.
Num ou noutro ponto, uma casa perdida, isolada, ou de caiçara do lugar ou até
de algum turista com espírito ecológico e ermitão. Muito raro qualquer
construção ou gente.
Ao longo do trajeto era
frequente encontrar nas proximidades de algum botequinho, pequeno empório ou
casa, alguém pescando, sentado em cadeira de pernas altas, com varas e linhas,
dentro do mar. Quadro bastante
pitoresco, em que se via, no meio do mar, numa praia interminável e
deserta, alguém sentado, normalmente de camisa, short e chapéu, com apetrechos
de pesca diversos, pendurados numa cadeira alta, que chamava bastante a atenção.
Também, às vezes, percebia-se
a carcaça enferrujada e retorcida de algum veículo que encalhara e o mar o
enterrara. As ondas e o vai e vem das marés
em poucos minutos faz com que o automóvel vá afundando e se perca ...
Uma tristeza.
Suarão tinha por destaque a
torre da igreja. Mas não passava de um projeto de loteamento, quase que
desabitado, como de resto toda a praia.
E numa dessas viagens um
navio cargueiro estava atolado na praia. O Santa
Helena, encalhado nas proximidades de Mongaguá e assim por alguns meses
permaneceu.
Trafegar pela praia exigia
certa habilidade, perícia e malícia. Entre tantas regras, o automóvel tem que
trafegar na parte mais dura do solo. Distante da terra, próximo tanto quanto
possível, do fluxo das últimas ondas. Areia fofa impede o rolamento e faz o
veículo atolar.
Também não pode andar na
água. Tem que ser no seco, margeando a linha da água. Solo firme e seco.
Quando o tempo é chuvoso
surgem muitos córregos que, na seca, desaparecem. A maioria é pequenos filetes
úmidos que praticamente não tem fluxo líquido. Àquele tempo não havia tanto
esgoto ao céu aberto... Esses pequenos leitos não causam problemas, basta passar
com baixa velocidade, evitando que espirre água e molhe a bobina, o platinado
ou bata em algum toco, pedra ou qualquer objeto meio escondido na areia.
Há também pequenos rios que
exigem presteza. Esses leitos ora são profundos, ora tem nas margens barrancos
e sempre tem um pequeno canal... que nas cheias das marés impedem a passagem de
carros baixos dado o volume da vazante ou o fluxo de ondas que chegam a quebrar
nesses leitos.
O motorista experiente deve
aguardar o recuo da maré. Normalmente o mar está em constante movimento e
subindo ou descendo, a expansão é mínima. São aproximadamente sete ondas que
apenas mantém o nível da água praticamente na mesma linha e a seguinte que
recua, na vazante ou adianta em direção à terra na enchente.
Vale dizer que o motorista
deve apontar o veículo em direção ao mar, analisar o movimento, contando as
ondas e, com o motor acelerado para que não pare de funcionar ou entre água
pelo escapamento afogando, transitar vagarosamente tanto quanto mais próximo do
mar, onde o leito do rio praticamente inexiste,
evitando suspensão de água e respingos, contornando o canal mais
profundo e chegando com segurança à outra margem.
A noite o farol alto
desaparece na imensidão da praia. Durante a viagem mister usar o farol baixo, iluminando
as proximidades do solo. E sempre viajar quando inicia a baixa-mar. A preamar,
ainda que em tramite, cujo tempo leva quase 8 horas torna a viagem muito arriscada.
Lourenço conviveu com as
peripécias de seu pai nesse percurso por anos, apreendendo a administrar a
situação, quando mais velho, trafegou em Bertioga, na Ilha Comprida e em
Caraguatatuba...
Lourenço recorda-se também
que certa vez numa das idas ao Marujá, na ilha do Cardoso, um rebocador
encontrava-se encalhado na beira da praia, bem próximo ao povoado. Nessa
ocasião Lourenço subiu e visitou o navio. Um pequeno rebocador atolado na praia
sem fim, próximo ao Poleiro do Pato,
junto ao loteamento Lindomar.
Outra ocasião Lourenço e a
mulher, recém-casados foram à Ilhabela passar um final de semana. Acordaram
cedo no sábado ensolarado e permaneceram na praia em frente ao hotel, bebendo,
conversando e petiscando.
De repente Lourenço pergunta:
Quantos navios estão passando? Um ou dois?
Bêbado, vira entrando no
porto de São Sebastião dois, quando era apenas um navio. Foi dormir.
Interessante também a
lembrança que tem de uma viagem que fez entre Cananeia e Iguape pela praia da
Ilha Comprida. Fizera diversas, inclusive a primeira vez que chegou a Cananéia,
foi pela Ilha Comprida.
Marcara com a Edna, sua
amiga, jornalista e proprietária do Jornal
de Iguape e em atenção a intimação que recebera da Delegacia da Capitania
dos Portos por ter aberto um canal entre o rio Olaria e o porto que fizera na
porta de casa, no Carijo, optou ir pela praia para encurtar o trajeto.
Iria à Capitania atender à
intimação e depois tratar de algum assunto com a jornalista.
A maré estava alta, mas era
vazante e o Fiat 147 de sua mulher em velocidade, corria em direção ao norte,
passando pelos riachos e pequenas valas até que se deparou com um ribeirão
perdido no meio da ilha, com o volume de água superior as possibilidades de ser
atravessado.
Lourenço durante anos
acompanhara seu pai no trajeto do Boqueirão da Praia Grande para Itanhaem,
inclusive à noite, em dias chuvosos, com marés altas ou baixas e tinha noção do
perigo que é trafegar junto ao mar.
Cauteloso e precavido
permaneceu alguns minutos analisando, quando o jeep da policia florestal que fazia o mesmo trajeto, chegou e após alguns
segundos, com cautela atravessou o ribeirão.
- Esperem por mim, pediu
Lourenço aos policiais que já se encontravam do outro lado.
A seguir outro automóvel
atravessou.
Lourenço se precipitou e foi,
porém, errou o tempo e, recebeu uma onda, que o fez acelerar para não afogar,
mas molhou a bobina. O carro morreu no meio do riacho.
Pânico. Desespero. Medo. Água
salgada entrando por uma porta e saindo por outra. Sinistro trágico.
Fora do carro já sinalizara e
os policiais com agilidade amarraram o carro no jeep, com uma corda que
dispunham e começaram a rebocar. O Fiat já estava bem atolado e com água em
todo assoalho. Até um barquinho de brinquedo de seu filho, navegava pelo
interior do carro.
A corda arrebentou.
Mas o final foi menos
trágico, pois a maré descia e foi deixando o carro atolado, porém no seco,
facilitando o trabalho dos prestativos policiais.
(...)
Sujo e molhado seguiu viagem
e bastante atrasado chegou à Praça da Matriz para encontrar-se com a
jornalista, em frente onde então havia o prédio da Marinha de Guerra.
Retornou pela estrada.
Dias depois levou o carro
para Registro e o vendeu.
Roberto J. Pugliese
Membro da Academia Eldoradense de Letras
Membro da Academia Itanhaense de Letras
Titular da Cadeira nº 35 – Academia São
José de Letras
Nenhum comentário:
Postar um comentário