08 março 2014

Viagens pelas praias. ( memória nº72 )


 
Memórias nº72.
Navios encalhados. 
Ilha Comprida: o carro afundou.
 
Para chegar à Itanhaém até a inauguração da rodovia Padre Manoel da Nóbrega, SP 055, conhecida por Estrada da Banana ou Pedro Taques, a  praia Grande, era a única via rodoviária.
 
Aproximadamente quarenta e cinco quilômetros de praia quase que desabitada, a partir do Boqueirão, até a Colônia do CMTC Clube em Itanhaém era o trajeto que os veículos se valiam até meados de 1960.
 
A praia era deserta. Apenas a Cidade Ocian com os prédios ainda em construção e na praia, junto a linha de jundu, a estátua imponente de Netuno, com suas longas barbas e o arpão simbolizando o senhor dos mares, e mais adiante Mongaguá então uma bucólica vila de pescadores, que se constituía no bairro mais ao norte da cidade, se destacavam. Num ou noutro ponto, uma casa perdida, isolada, ou de caiçara do lugar ou até de algum turista com espírito ecológico e ermitão. Muito raro qualquer construção ou gente.
 
Ao longo do trajeto era frequente encontrar nas proximidades de algum botequinho, pequeno empório ou casa, alguém pescando, sentado em cadeira de pernas altas, com varas e linhas, dentro do mar. Quadro bastante  pitoresco, em que se via, no meio do mar, numa praia interminável e deserta, alguém sentado, normalmente de camisa, short e chapéu, com apetrechos de pesca diversos, pendurados numa cadeira alta,  que chamava bastante a atenção.
 
Também, às vezes, percebia-se a carcaça enferrujada e retorcida de algum veículo que encalhara e o mar o enterrara. As ondas e o vai e vem das marés  em poucos minutos faz com que o automóvel vá afundando e se perca ... Uma tristeza.
 
Suarão tinha por destaque a torre da igreja. Mas não passava de um projeto de loteamento, quase que desabitado, como de resto toda a praia.
 
E numa dessas viagens um navio cargueiro estava atolado na praia. O Santa Helena, encalhado nas proximidades de Mongaguá e assim por alguns meses permaneceu.
 
Trafegar pela praia exigia certa habilidade, perícia e malícia. Entre tantas regras, o automóvel tem que trafegar na parte mais dura do solo. Distante da terra, próximo tanto quanto possível, do fluxo das últimas ondas. Areia fofa impede o rolamento e faz o veículo atolar.
 
Também não pode andar na água. Tem que ser no seco, margeando a linha da água. Solo firme e seco.
 
Quando o tempo é chuvoso surgem muitos córregos que, na seca, desaparecem. A maioria é pequenos filetes úmidos que praticamente não tem fluxo líquido. Àquele tempo não havia tanto esgoto ao céu aberto... Esses pequenos leitos não causam problemas, basta passar com baixa velocidade, evitando que espirre água e molhe a bobina, o platinado ou bata em algum toco, pedra ou qualquer objeto meio escondido na areia.
 
Há também pequenos rios que exigem presteza. Esses leitos ora são profundos, ora tem nas margens barrancos e sempre tem um pequeno canal... que nas cheias das marés impedem a passagem de carros baixos dado o volume da vazante ou o fluxo de ondas que chegam a quebrar nesses leitos.
 
O motorista experiente deve aguardar o recuo da maré. Normalmente o mar está em constante movimento e subindo ou descendo, a expansão é mínima. São aproximadamente sete ondas que apenas mantém o nível da água praticamente na mesma linha e a seguinte que recua, na vazante ou adianta em direção à terra na enchente.
 
Vale dizer que o motorista deve apontar o veículo em direção ao mar, analisar o movimento, contando as ondas e, com o motor acelerado para que não pare de funcionar ou entre água pelo escapamento afogando, transitar vagarosamente tanto quanto mais próximo do mar, onde o leito do rio praticamente inexiste,  evitando suspensão de água e respingos, contornando o canal mais profundo e chegando com segurança à outra margem.
 
A noite o farol alto desaparece na imensidão da praia. Durante a viagem mister usar o farol baixo, iluminando as proximidades do solo. E sempre viajar quando inicia a baixa-mar. A preamar, ainda que em tramite, cujo tempo leva quase 8 horas torna a viagem  muito arriscada.
 
Lourenço conviveu com as peripécias de seu pai nesse percurso por anos, apreendendo a administrar a situação, quando mais velho, trafegou em Bertioga, na Ilha Comprida e em Caraguatatuba...
 
Lourenço recorda-se também que certa vez numa das idas ao Marujá, na ilha do Cardoso, um rebocador encontrava-se encalhado na beira da praia, bem próximo ao povoado. Nessa ocasião Lourenço subiu e visitou o navio. Um pequeno rebocador atolado na praia sem fim, próximo ao Poleiro do Pato, junto ao loteamento Lindomar.
 
Outra ocasião Lourenço e a mulher, recém-casados foram à Ilhabela passar um final de semana. Acordaram cedo no sábado ensolarado e permaneceram na praia em frente ao hotel, bebendo, conversando e petiscando.
 
De repente Lourenço pergunta: Quantos navios estão passando? Um ou dois?
 
Bêbado, vira entrando no porto de São Sebastião dois, quando era apenas um navio. Foi dormir.
 
Interessante também a lembrança que tem de uma viagem que fez entre Cananeia e Iguape pela praia da Ilha Comprida. Fizera diversas, inclusive a primeira vez que chegou a Cananéia, foi pela Ilha Comprida.
 
Marcara com a Edna, sua amiga, jornalista e proprietária do Jornal de Iguape e em atenção a intimação que recebera da Delegacia da Capitania dos Portos por ter aberto um canal entre o rio Olaria e o porto que fizera na porta de casa, no Carijo, optou ir pela praia para encurtar o trajeto.
 
Iria à Capitania atender à intimação e depois tratar de algum assunto com a jornalista.
 
A maré estava alta, mas era vazante e o Fiat 147 de sua mulher em velocidade, corria em direção ao norte, passando pelos riachos e pequenas valas até que se deparou com um ribeirão perdido no meio da ilha, com o volume de água superior as possibilidades de ser atravessado.
 
Lourenço durante anos acompanhara seu pai no trajeto do Boqueirão da Praia Grande para Itanhaem, inclusive à noite, em dias chuvosos, com marés altas ou baixas e tinha noção do perigo que é trafegar junto ao mar.
 
Cauteloso e precavido permaneceu alguns minutos analisando, quando o jeep da policia florestal que  fazia o mesmo trajeto, chegou e após alguns segundos, com cautela atravessou o ribeirão.
 
- Esperem por mim, pediu Lourenço aos policiais que já se encontravam do outro lado.
 
A seguir outro automóvel atravessou.
 
Lourenço se precipitou e foi, porém, errou o tempo e, recebeu uma onda, que o fez acelerar para não afogar, mas molhou a bobina. O carro morreu no meio do riacho.
 
Pânico. Desespero. Medo. Água salgada entrando por uma porta e saindo por outra. Sinistro trágico.
 
Fora do carro já sinalizara e os policiais com agilidade amarraram o carro no jeep, com uma corda que dispunham e começaram a rebocar. O Fiat já estava bem atolado e com água em todo assoalho. Até um barquinho de brinquedo de seu filho, navegava pelo interior do carro.
 
A corda arrebentou.
 
Mas o final foi menos trágico, pois a maré descia e foi deixando o carro atolado, porém no seco, facilitando o trabalho dos prestativos policiais.
 
(...)
 
Sujo e molhado seguiu viagem e bastante atrasado chegou à Praça da Matriz para encontrar-se com a jornalista, em frente onde então havia o prédio da Marinha de Guerra.
 
Retornou pela estrada.
 
Dias depois levou o carro para Registro e o vendeu.
 
Roberto J. Pugliese
Membro da Academia Eldoradense de Letras
Membro da Academia Itanhaense de Letras
Titular da Cadeira nº 35 – Academia São José de Letras

 

 

 

 

 

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