Memória nº 75
A balsa e o ditador.
Voltavam para casa. Foram à São
Francisco do Sul. Passaram uma semana na cidade passeando e aproveitara para
lavrar a escritura de uma propriedade que comprara em Itanhaém, e assim evitava
de recolher o imposto de transmissão, visto que dada a promulgação da
Constituição Federal, o município não criara o referido imposto.
Retornavam costeando, via
Antonina e a histórica Serra da Graciosa, de forma a evitar o trafego intenso e
pesado, em pista única das Rodovias
Federais. Atravessaram de balsa já existente entre o porto de Laranjeiras, na
ilha de São Francisco e a vila da Glória e seguiram para Itapoá e de lá, para
Guaratuba.
Era uma tarde ensolarada de
domingo por volta de novembro ou dezembro de 1988, quando encostaram na fila do
ferry boat de Guaratuba e perceberam uma certa movimentação estranha: Polícia Federal
e outros guardas-costas fortemente armados e um automóvel com aparência de ser
blindado.
Ingressaram na embarcação,
que atravessava com meia carga, quando se apercebeu que estava navegando com o
ex-ditador deposto, residente em Guaratuba, Generalíssimo Alfredo Stroessner,
fortemente armado.
Percebeu que corria elevado risco
com a família, pois recém abrigado no país, à época eram muitas as pessoas que,
inimigos do regime que implantara por longos anos, pretendiam matá-lo e aquela
embarcação no meio da baia de Guaratuba seria uma presa fácil.
Chegaram ao porto e seguiram
viagem. O ditador e seu séquito de dois carros-guardas além do próprio à frente
e Lourenço atrás, seguido por outros que também seguiam para o norte em direção
à Paranaguá.
A rodovia que liga direto à
Paranaguá estava em obras e, todos que seguiam aquele caminho tiveram que
adentrar numa estradinha de terra que daquela atingia a outra rodovia que segue
por dentro, quase paralela à primeira. Ou em diagonal.
O ditador ia à frente... E
ninguém conseguia ultrapassa-lo. De repente para o seu carro, primeiro da fila
e os dos seguranças, impedindo que os demais ultrapassassem. Era um caminho
estreito e os automóveis pararam no meio de forma a impedir qualquer
ultrapassagem.
O truculento general ao vivo
e a cores pula do veículo, vai próximo ao barranco, à beira daquele caminho
improvisado, cercado de jagunços paraguaios considerados seguranças e de
policiais federais, empunhando armas em direção aos automóveis e, sem qualquer
pudor, abre sua calça e urina. Sem o mínimo respeito para aqueles que se encontravam nos veículos aguardando, homens, mulheres, crianças, famílias, o generalíssimo não se acanhou: fez xixi perante toda a plateia.
A seguir, retorna ao veículo,
com os mesmos passos largos e pose arrogante da ida e parte. Partem ditador e
seus seguranças brasileiros e paraguaios.
(...)
A noite já em Itanhaem Lourenço assiste reportagem na tv que
o ex ditador tomara um avião particular em Paranaguá e seguira para Brasília,
onde se submeteria a um tratamento de saúde, pois a excessiva umidade do
litoral paranaense não estava fazendo bem.
Arrogante e autoritário,
mesmo no exílio, o ex ditador talvez ainda pensasse estar na republicazinha que
dominara cruelmente durante várias décadas. Mantinha-se prepotente e arrogante,
não se importando com quem quer que fosse.
Roberto J. Pugliese
titular da cadeira nº 38 da
Academia São José de Letras.
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