Uma espécie de arrastão moral
“Ei, Senhor de Engenho
Eu sei bem quem você é
Sozinho cê não guenta
Sozinho cê num entra a pé”. (“Negro Drama”, Racionais MC’s)
Vitor Hugo Noroefé *
No terceiro dia do ano de 2012, Fortaleza acordou em pânico. Rádios, jornais, redes de TV e outros meios, noticiavam uma onde de arrastões no Centro da capital cearense e nos bairros da cidade. Em poucas horas, a cidade estava deserta e o medo instaurado. Nada havia de concreto, mas a boataria ganhou força e atingiu grande parte da população. Um jornal de circulação estadual, chegou a noticiar que tudo começou com alguém gritando, próximo ao Mercado Central, que estava acontecendo um arrastão no estabelecimento. Foi o suficiente para que autoridades empresariais, aparecessem para dar o seu veredito e opinião. O tópico em evidência era que a cidade estava entregue aos “marginais e bandidos”. Para os tais representantes da classe empresarial, a greve da Polícia Militar e a omissão das autoridades públicas eram as verdadeiras responsáveis pelo caos reinante na Cidade do Sol. Parte da população, principalmente – e como é de praxe – a mais pobre sentiu na pele essa situação, pois, com a desculpa da “falta de segurança”, transporte, educação, postos de saúde e demais órgãos públicos também fugiram da raia. Ou seja, encamparam o medo como premissa.
Um episódio como esse faz lembrar a histórica transmissão do ator e diretor de cinema estadunidense Orson Welles (1915-1985), em 30 de outubro de 1938. Nesse dia, depois de muita batalha para convencer a direção da CBS, Welles levou ao ar uma adptação do livro do escritor inglês Herbert George Wells (1866-1946), “A Guerra dos Mundos”. No livro, que segundo alguns inaugura a ficção científica, H.G.Wells, conta a história de uma invasão marciana ao planeta Terra. Os alienígenas possuiam armas poderosíssimas e em pouco tempo dominavam os terráqueos.
O ator Orson Welles, após uma intorrupção na programação musical da CBS, entrou com uma dramatização do livro “A Guerra dos Mundos”, como se fosse uma notícia extraordinária da emissora. Durante uma hora, com requintes e muitos “efeitos especiais”, bem como depoimentos de testemunhas, Welles levou o pânico a, pelo menos, três cidades da terra do Tio Sam. Tudo começava com um meteoro que caia em Grovers Hill, distante algumas milhas de Nova York, que trazia consigo os tais marcianos. Na adaptação de Welles, os extraterrestres se aproximavam da capital estadunidense destruindo tudo o que encontravam pelo caminho. Em pouco tempo o caos e o pânico se instalaram. Bombeiros, policiais e demais autoridades se preparavam para o pior. A histeria tomou conta de tudo. A CBS chegou a ser invadida. Mais tarde a emissora, fez um cálculo de que, pelo menos, 6 milhões de pessoas ouviram o programa radiofônico. A rádio também estimou que cerca de 1 milhão e 200 mil pessoas acreditaram na transmissão. A dramatização também serviu para que a CBS derrubasse os índices de audiência de sua concorrente, a NBC. Do mesmo modo, Orson Welles que era um ator desconhecido foi lançado nos caminhos da fama mundial.
Como o programa tinha todos os ingredientes de uma transmissão de jornalismo radiofônico, isso foi o bastante para paralisar a vida em pelo menos três cidades dos Estados Unidos. Se sabia – ou soube mais tarde - , não sabemos, mas o fato é que Orson Welles inaugurava o jornalismo sensacionalista na era do rádio. Ficava patente, a partir de então o que se poderia fazer com a informação e sua repercussão na sociedade. Não é á toa que os nazistas entenderam muito bem isso e repassaram para suas propagandas que alardeavam as “condições tranqüilas e humanas” de seus campos de extermínio. Também não se pode menosprezar a capacidade da imprensa estadunidense, que durante o mandato de George Bush, fechou acordo com o governo e convenceu a nação e a maioria da humanidade de que o Iraque possuía armas de extermínio em massa. Quer dizer, a transmissão de Orson Welles perto disso tudo é pinto. E pinto em estado deplorável.
Agora, aqui no Ceará, a farsa se repete.
A repetição incessante em programas de televisão, sempre de cunho sensacionalista, de possíveis arrastões. Os apelos dramáticos da população. Imagens de pessoas correndo nas ruas. Notícias de duas ou tres crianças roubando na Praia do Futuro. Câmeras mostrando o centro vazio. Recados nos sitios da internet, com pessoas alarmadas e outras dando – de boa e má fé – notícias da progressividades dos tais “arrastões”, foram forjando uma orquestração de desespero e pânico. E tudo isso com que propósito? Acabar com uma greve de policiais militares. E pelo visto deu certo. Nas mesma noite, os policias militares em greve, aceitaram as propostas do Governo Estadual. Isso prova que a estratégia de Welles, de Bush e dos Nazistas é um tapa na cara da realidade vigente. E, como bons alunos, os “donos de Fortaleza” aprenderam com afinco a lição.
Os arrastões fictícios, que nunca existiram, também serviram para expor um lado trágico (já que, primerio é farsa e depois tragédia) . Mandantes e mandarários da Terra do Sol teem medo de sua população. Tanto é verdade que se recolheram aos seus templos, como meros vendilhões.
A pobreza amedronta. E o problema é que, para lucrar, não é possível prescindir dela. Por isso mesmo é que nunca é demais entender que há necessidade de um arrastão maior ainda dos que alardeados pela mídia gorda. Um tipo de arrastão que varra para longe o sentido arbitrário da cidade, como espaço apenas dos que lucram com a indignidade alheia. Uma espécie de arrastão moral, que diga em alto em bom som que o Homem deve ser o centro de todas as decisões.
Vitor Hugo Noroefé é jornalista e reside em Fortaleza CE.
Conselho Editorial (inspirado) Carlos H. Conny, presidente; M. Covas, Miguel S. Dias, W. Furlan, Edegar Tavares, Carlos Lira, Plínio Marcos, Lamarca, Pe. João XXX, Sérgio Sérvulo da Cunha, H. Libereck, Carlos Barbosa, W. Zaclis, Plínio de A. Sampaio, Mário de Andrade, H. Vailat, G. Russomanno, Tabelião Gorgone, Pedro de Toledo, Pe. Paulo Rezende, Tabelião Molina, Rita Lee, Izaurinha Garcia, Elza Soares, Beth Carvalho, Tarcila do Amaral, Magali Guariba, Maria do Fetal,
09 janeiro 2012
Uma espécie de arrastão moral
Advogado, paulistano, professor de direito, defensor de direitos humanos. Bacharel pela PUC -SP em 1974, pós graduado em Direito Notarial, Registros Públicos e Educação Ambiental. Defensor de quilombolas, caiçaras, indígenas, pescadores artesanais... Edita o Expresso Vida.
Autor de diversos livros jurídicos.São incontáveis os artigos jurídicos publicados em revistas especializadas, jornais etc. Integra a Academia Eldoradense de Letras,Academia Itanhaense de Letras. Titular da cadeira nº 35 da Academia São José de Letras. Integra o Instituto dos Advogados de Santa Catarina. É presidente da Comissão de Direito Notarial e Registros Públicos da OAB-Sc. Consultor nacional da Comissão de Direito Notarial e Registraria do Conselho Federal da OAB.Foi presidente por dois mandatos da OAB-TO - Gurupi. Sócio desde 1983 do Lions Clube Internacional. Diretor de Opinião da Associação Comercial de Florianópolis. Sócio de Pugliese e Gomes Advocacia. CIDADÃO HONORÁRIO DA ESTANCIA DE CANANÉIA, SP.
www.pugliesegomes.com.br
Residente em Florianópolis.
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