Memória nº46
Passeios rurais.
O recém-criado Estado do
Tocantins no início dos anos noventa era praticamente desabitado, com a
população de gado vacum cinco vez
superior a humana. O Estado era essencialmente rural, com incontáveis fazendas
abertas e em formação. Poucas eram as rodovias asfaltadas e o progresso estava
localizado ao longo da Belém Brasília, a BR 153, Bernardo Sayão, que de norte a
sul corta o Estado.
Nesse quadro Lourenço e sua
família não conseguiram se adaptar perfeitamente, visto que todos, desde ao
nascimento sempre estiveram junto à orla atlântica, ao pé da Serra do Mar,
convivendo com a Mata Atlântica e levando vida urbana, distante do ambiente
rural.
Manguezais, verde e colorido
de ipês roxo e amarelo, elevações, restingas, areia e ar melado de sal é o
ambiente que a família sempre vivera e durante certo tempo se distanciou indo
residir no Tocantins.
No entanto o povo tocantinense
muito acolhedor e receptivo sempre foi sedutor e cativou Lourenço e a família
com o carinho que dedicaram a todos, desde que chegaram e durante o tempo que
por lá permaneceram.
Daí, vira e mexe, eram
convidados à alguma festa à realizar-se numa fazenda aqui ou acolá. E numa
delas, recorda-se que foi num domingo, em Figueirópolis, data que Bragantino e
São Paulo disputariam a partida final do campeonato brasileiro de futebol que
levaria o campeão a disputar a Copa Libertadores da América.
Nesse Dezembro de 1990 foram
passar o dia na fazenda dos pais do Henrique, amigo e parceiro, grande
companheiro das jornadas políticas da OAB, cuja presidência da Subsecção de
Gurupi, Lourenço liderava, com a participação e descentralização de poderes e administração.
O passeio e o convívio com
aqueles familiares do amigo fora ótimo
e, por falta de outras condições, a partir das 16 horas, recorda-se que junto
com Lourenço Jr., ouviu o jogo de futebol no rádio de seu automóvel e comemoraram
juntos o campeonato que o time de seus corações ganhara... Aquele campeonato
levou o São Paulo Futebol Clube à ser campeão da Copa Libertadora das Américas e
posteriormente ao título mundial interclube.
Outra oportunidade, pitoresca
e interessante, se deu quando foi com seu velho amigo Delmar Simões, ex-prefeito
de Pariquera Açu, à época de sua vereança em Cananéia, visitar uma fazenda da
família de suas alunas, cujo pai tinha interesse em vender.
Delmar que estava por lá em
busca de terra para investir aproveitou para participar do passeio.
As meninas eram alunas na
FAFICH, instituição que Lourenço lecionava e a fazenda era em Dueré, uma
pequena cidade no meio do nada, bem longe de qualquer ponto de referencia.
Num sábado de manhã passaram
na república que uma das meninas residia em Gurupi e de lá seguiram até Duere,
situada há quase 100 km., por estrada de
chão batido, onde pegaram a irmã e de lá seguiram sempre em direção oeste,
mais algumas horas, por um caminho bem precário, catalogado como rodovia
estadual que mais parecia trilha de tropeiro...
Não havia posto de gasolina,
empório, povoação. Não havia nada, apenas capoeiras e cerrado, sem qualquer
indício de pessoas habitando por lá. Nem gado...
Com as dificuldades que esses
caminhos rurais apresentam, sem placas indicativas nas encruzilhadas ou pontes
seguras, rodaram até chegar à uma clareira, onde havia duas ou três cabanas de
plástico preto, à beira de um córrego, sem qualquer indício de mínima estrutura.
Lá, o pai e o irmão das
meninas os aguardavam.
Papo daqui e dali, foram
rodar, à pé, nas imediações enquanto o pai
preparava o almoço, que Lourenço imaginava tratar-se de churrasco, prato
comum na região, dada a quantidade de gado e gaúchos.
Não havia nada por lá. Nada:
Luz elétrica, telefone, construção hábil para abrigar os fazendeiros e peões,
boi, bezerro, vaca, cavalos, máquinas, plantações. Nada. Apenas um lugar cheio
de mato, caracterizado por cerrado, uma clareira e algumas barracas de plásticas
bem precárias.
O almoço foi servido. Eram
seis pessoas e havia apenas 3 pratos e talheres insuficientes para todos. A
comida era arroz e frango feito poucos minutos antes. Havia também uma ou duas
canecas de lata, muito comum na região, com água, do córrego. Não havia
banheiro, torneira e a precariedade pitoresca era total.
Como se livrar do almoço sem
ofender aos gentis fazendeiros? Não haviam parado em padaria, lanchonete,
empório... Desde que acompanhado de uma delas, partiram de Gurupi.Falar que estava
sem fome não poderia... e apelou para um mal estar estomacal.
Enquanto se furtou à
comilança ofertada, seu amigo Delmar não se fez de rogado e papou todo o
banquete que lhe fora oferecido... Degustou caprichadamente valendo-se do prato
e talher dividido com os anfitriões.
A seguir retornaram.
No meio do caminho, um tatu
atravessou a estrada, sugerindo que parassem para que o rapaz que também estava
no carro, descesse, corresse atrás e caçasse o bicho. Apavorado, o tatu se
cagou todo e foi solto.
Enfim, por volta das 17
horas, chegaram de volta e Delmar, balançando um dos ombros e a cabeça, tique
nervoso combinado com cacoete que mantinha há anos, contou detalhadamente a
história para Lourença, a esposa, que os aguardava para jantar ...
A história inesquecível foi
palco de muita gozação entre os amigos mais chegados durante muito tempo e,
fantasiosamente transmitida por Delmar aos amigos comuns do Vale do Ribeira.
Roberto J. Pugliese
www.pugliesegomes.com.brpresidente da Comissão de Direito Notarial e Registros Públicos –OAB-Sc
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