Memória nº 49
Gurupi, São Paulo: fundiu o motor.
A vida é cheia de
experiências. Boas que não queremos esquecer e outras que evitamos lembrar.
Quem sabe viver sempre tem algo que já passou e pode relatar. Dezembro de 1989,
época de chuva, com estradas alagadas e muito calor.
O Brasil depois de tantos
anos havia eleito pelo voto direto o seu presidente. Mudanças inúmeras estavam
previstas para o povo.
No Tocantins Lourenço
deixaria o carro que comprara para sua mulher em São Paulo, pois retornaria em
Janeiro com a mudança e o seu próprio automóvel. Voltaria para Itanhaém de
avião. No entanto, Nadim, o advogado conselheiro da OAB local, que o recebera
bem, teria que levar um carro para São Paulo, por alguma razão e ciente da
situação sugeriu que Lourenço o conduzisse.
As datas foram marcadas e
remarcadas. O Natal se aproximando e nada de Lourenço voltar à Itanhaém.
Gorgone, seu velho amigo de Cananeia e delegado de policia no Peixe, cidade
distante 70 km. de Gurupi, pediu que levasse a japonesinha que trouxera de lá e
estava criando. Uma carona para menina ir passar o natal com a família.
Deixaria na casa de um parente em S. Paulo.
Com onze anos de idade, a
menina bem criança, comportada, tímida, talvez até amedrontada, iria com
Lourenço e com o rapaz, cunhado do Nadim.
Depois de idas e vindas, dia
marcado, partiram de Gurupi, num final de tarde, os três. O jovem, a menina
e Lourenço, que ficou responsável pelo
automóvel e pela japonesinha... inclusive, de certo modo, pelo rapaz que nem
tinha 20 anos de idade.
Muita chuva, estradas
alagadas, barreiras desmoronadas, congestionamentos e confusão desde o
Tocantins até... sabe-se lá. Por volta das 20 horas chegaram em Ceres, no
Estado de Goiás, uma cidade equipada
para passarem a noite, jantarem e seguirem viagem no dia seguinte.
Hospedaram-se no melhor
hotel: Uma antigo convento, com corredores e paredes enormes. Portas pesadas e
mobiliário rústico. Dois apartamentos: Um para ela e outro, ao lado, para eles.
Jantaram num quiosque no meio
de uma praça típica do centro oeste, em cima de um coreto, próximo a fonte
luminosa, que por aquelas bandas é comum e torna-se referencia de progresso local.
(?)
Tudo em ordem, porém com a
preocupação pela responsabilidade, pois o rapaz já havia demonstrado certo
interesse pela criança. E não fizera segredo, dizendo que iria para o quarto
dela...
Lourenço determinou que a
menina se trancasse no seu apartamento e não abrisse para ninguém. Fez o mesmo
no seu e recolheu a chave, para evitar que durante a madrugada pudesse
surpreender-se com a saída do jovem parceiro de viagem.
Tudo bem. Sem maiores problemas
no dia seguinte seguiram viagem. Com as estradas bloqueadas pelas enchentes
diversas, foram obrigados a mudar a rota e seguiram por Rio Verde...
Cada 200 ou 300 quilômetros,
desde o início, por recomendação do proprietário do automóvel, além de abastecer,
completava o óleo do carter pois o motor queimava e baixava radicalmente o
nível.
Por volta das 15 horas
pararam em Americana ou Limeira, já em São Paulo. A última parada prevista.
Lourenço foi com a menina comprar alguma coisa para tapear o estomago dos três
e deixou o rapaz cuidando do abastecimento e demais necessidades exigidas pelo
auto: Água, óleo, limpeza dos faróis, para-brisa para seguirem viagem.
Daí para frente o volante foi
entregue ao rapaz, já que desde a véspera Lourenço dirigia e, pela segurança da
rodovia dos Bandeirantes entendeu permitir a mudança.
Estavam quase chegando à
cidade. Já era Purus, próximo ao pedágio que há às vistas da Serra dos Cristais
e ... o carro fez um estrondo, saiu fumaça e parou junto a ilha central que
divide as pistas... Estancou. No meio do
transito intermitente de veículos que trafegam em alta velocidade pela faixa de
esquerda.
Lourenço ordenou que todos
saíssem do auto, trancasse o veículo e olhando o lugar, depois de fixar o
triangulo de segurança há uns vinte ou
trinta metros do local, segurando firme a mãozinha da japinha, atravessaram a
pista, com 3 faixas de rolamento, e seguiram à pé mais uns 50 metros até o Frango Assado, um posto de serviço, com
restaurante e diversidade de ofertas existente, talvez por sorte, junto à
rodovia.
.......
Não teve jeito. Conseguiram
guinchar o carro até o restaurante e num taxi que aparecera, prosseguiram
viagem à São Paulo.
Primeiro deixou a menina na
casa da tia, que por sinal, também conhecia de Cananéia... E livrou-se de um
primeiro problema. Uma responsabilidade a menos.
Em seguida rumou para a casa
de seus pais que o esperava para ir ainda àquela noite para Itanhaém. Lá, pagou
a corrida, e deixou o rapaz seguir viagem até o seu destino no mesmo taxi.
Ligou para o proprietário: -
Seu carro está com o motor fundido, no Frango
Assado do km. 14 da via Bandeirantes...
O jovem cunhado deve ter
feito o mesmo ao chegar ao seu destino...
.......................................
Essa foi a entrada triunfal
que teve no Tocantins, notadamente em relação ao colega advogado, que, jamais o
perdoou, por ter vacilado em completar o óleo, porque se distraíra e o cunhado
não observou com atenção, causando um grande prejuízo econômico ao prestativo
colega.
Durante os anos que passou no
Tocantins, Nadim sempre, ainda que disfarçasse, foi seu adversário. Sem perdão.
Não vacilou em trabalhar politicamente contra Lourenço, quer na OAB onde era
Conselheiro, quer na política partidária, em lado oposto.
Enfim, nestas lembranças
merece registrar que Nadim fora quem arrumara ao Gorgone o cargo de delegado do
Peixe, o qual nele permaneceu até ser nomeado por concurso tabelião de Jaú do
Tocantins, cidade mais a oeste.
Roberto J. Pugliese
www.pugliesegomes.com.brpresidente da Comissão de Direito Notarial e Registros Públicos –OAB-Sc
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