26 fevereiro 2012

Marinha tortura povo quilombola - Pasme !

Pau-de-arara, tortura e outras práticas no Quilombo Rio dos Macados.
( colhido do sítio eletronico do Racismoambiental- Por Alan Tygel*)

O sol já vai se pondo, e os escravos aproveitam o
fim de tarde na senzala para descansar da jornada extenuante. O trabalho no
engenho de cana é duro. Açoitados, acorrentados, longe da terra natal, separados
de suas famílias, os negros ainda assim jogam capoeira e cultuam seus orixás.

Nesse mesmo dia, houve duas fugas na fazenda: Zé Preto tentou sair por trás das
amendoeiras de baixo. Almeida, o capitão-do-mato, não teve muita dificuldade: o
negro não tinha mais forças, fugiu por desespero. As chibatadas que levou ali
mesmo, no mato, foram suficientes para encerrar seu sofrimento e levá-lo para a
outra vida.

Gangá não teve a mesma sorte: foi para o tronco, e deve ficar lá por
dias. Para todo mundo saber o que acontece com escravo fujão.

Num lugar não muito distante dali, cerca de 300
anos depois, a situação não mudou muito. Para os moradores do Quilombo Rio dos
Macacos, foi como se a escravidão tivesse acabado e depois voltado. Alguns ainda
possuem fotos de seus bisavós vestidos com trapos trabalhando na fazenda. Os
mais idosos se lembram do jongo, da capoeira e do samba-de-roda na comunidade.

Da época em que eram felizes, na sua roça, com seu pescado, sua dança e sua
religião. Há cerca de 30 anos, voltaram a ser cativos.

Nos anos 60, a Marinha de Guerra do Brasil
começou a construção da base naval de Aratu, nas terras das antigas fazendas
Ponta da Areia, Pombal e Boca do Rio, nas proximidades de Simões Filho, subúrbio
de Salvador (BA).

Chegando ao local, encontraram algumas comunidades
remanescentes de quilombos, dentre elas, o Rio dos Macacos. No início, lembram
os moradores, a convivência era tranquila:

“Trabalhamos na construção das casas
da vila, fazíamos os partos aqui mesmo”.

Quilombolas reivindicam atuacao dos governantes contra o
despejo da comunidade
Aos poucos, a cerca começou a apertar. A
comunidade foi sendo pouco a pouco espremida pela vila, proibida de plantar, até
que o direito fundamental de ir e vir lhes foi negado: o quilombo foi cercado
com arame, e a única entrada hoje é pela portaria da vila. Lá, guardas possuem
fotos dos moradores, e decidem ao bel-prazer quem pode e quem não pode
passar.

Ao final do ato realizado na
última quarta-feira (15/02), no Pelourinho, Rosimeire dos Santos Silva, uma das
lideranças,terminou a noite sem saber se poderia voltar para casa. “Agradeço a
todos pela presença, mas preciso ir. Já são onze horas, e acho que não vão me
deixar entrar. Mas a gente dá um jeito, dorme em qualquer canto.”

A lista de violações é enorme. As mais chocantes
dão conta das ameaças a crianças e idosos. “Quando eu tinha 8 anos, fui buscar
água no riacho com minha irmã mais nova, de 2 anos. Quando olhamos para o lado,
tinham 5 soldados armados dizendo que não podíamos pegar água ali. E
descarregaram a metralhadora no balde”, lembra Rosimeire. E ainda misturando
escravidão e ditadura, ameaçaram: “Vamos te colocar no pau de arara!”
A situação na comunidade, hoje, é caótica.

Proibidos de plantar e pescar, moradores passam fome e relatam ainda a invasão
de suas casas e roubo de comida. “Eles entram nas nossas casas e furam os sacos
de comida”. Casas, aliás, que hoje chegam a abrigar cinco famílias sob o mesmo
teto. Várias moradias foram destruídas, e a Marinha não permite novas
construções.

A tentativa de despejar o Quilombo Rio dos
Macacos já vem se arrastando há anos. Quando receberam a primeira ordem de
despejo, quatro idosos faleceram.
“Nós vivemos estressados. Ninguém dorme, nós
só cochilamos, com medo de acontecer alguma coisa.”

Diferente da maioria dos casos de disputa de
terras no Brasil, o conflito neste caso se trata de terras da União. A
comunidade foi reconhecida como quilombola pela Fundação Cultural Palmares e o
território ocupado já foi demarcado e identificado pelo Incra. No entanto, a
Advocacia Geral da União, em atendimento aos interesses da Marinha de Guerra do
Brasil, ingressou com uma ação de reintegração de posse, que implica no despejo
da comunidade.

Uma das alegações é de que o laudo antropológico que fundamenta o
reconhecimento da comunidade como quilombola seria apenas uma “farra
antropológica”. A esperança agora é de que o Incra e a Fundação Cultural
Palmares, duas autarquias federais, se manifestem em defesa da comunidade, mas
ambos os órgãos se negam a seguir em frente. Uma ordem da presidenta Dilma já
bastaria para a suspensão do processo. Dilma, aliás, passou o ano novo na base,
separada apenas por um muro do Rio dos Macacos.


Postura de semelhante ridicularidade teve o
governador Jaques Wagner. Afirmando que o problema era de nível federal, o
petista se limitou a oferecer um crédito fundiário para compra de um terreno
perto de Valença. Imaginem, a comunidade sendo expulsa do local onde viveu por
mais de 200 anos, e tendo que pagar mais 20 ou 30 anos por uma terra que nunca
quis.

“Nós não queremos ajuda para sair. Queremos
ficar. E só saímos daqui dentro do caixão.” É com esse espírito que a comunidade
espera a próxima data de remoção: 4 de março. Entidades do movimento negro estão
se mobilizando para a realização de vários atos em Salvador. Uma vigília também
está programada a partir do dia 2 de março, em frente à base.

Agora, mais do que nunca, somos todos mãe África,
somos todos negros, somos todos Quilombo Rio dos Macacos.

( *Alan Tygel é engenheiro formado na UFRJ e
participa do Núcleo de Solidariedade Técnica da UFRJ (SOLTEC/UFRJ).
http://virusplanetario.net/2012/02/21/quilombo-vive-porque-resiste/ )

( Informações repassadas pelo Renap. )

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