19 fevereiro 2012

Tragédia humana - Africa negra - Sudão do Sul.

Notícias do Sudão do Sul - Impressionante

“Era como uma procissão. Eles só podiam andar nas estradas oficiais onde havia muito movimento porque toda a fronteira é minada. Avistavam-se camelos, gado e mais de mil pessoas andando e andando. Nunca havia presenciado isso, um movimento nômade de pessoas quase sem bagagem. Via-se a olho nu a desnutrição infantil, os corpos emagrecidos.”

Ana Lúcia se disse impressionada com a solidariedade da população, que dividia com os refugiados água e alimentos.Ana Lúcia Bueno descreve a CartaCapital a cena acima, vivenciada no Sudão do Sul, em tom emotivo. A enfermeira, que trabalha com a organização internacional Médicos Sem Fronteiras (MSF) há cerca de cinco anos, com a qual já participou de 11 missões, recebeu um chamado de urgência no Natal. Embarcou para o mais novo país do mundo, onde ficou por um mês e presenciou a situação precária de refugiados e deslocados por conflitos internos.

Independente desde julho de 2011, a nação africana reúne um imenso arranjo de tensões étnicas, além de uma relação pouco diplomática com o Sudão, país com o qual ainda tem uma fronteira indefinida.

Parte da tensão entre os dois países resulta das negociações sobre essa demarcação, que guarda a disputa por cinco áreas, e o petróleo. Cerca de 75% das reservas do item estão no Sudão do Sul, que precisa usar o oleoduto do Sudão para exportar o produto.Conflitos internos e nas regiões fronteiriças, provocados pela indefinição dos limites entre um país e outro, ajudam a criar uma massa de deslocados e refugiados.

Neste cenário, bombardeios na região de Elfoj, em janeiro, forçaram a população local a migrar.Um dos ataques ao Sudão do Sul – a ONU não esclareceu se houve responsabilidade do Sudão -, atingiu um acampamento com cerca de 5 mil refugiados, deixando 14 pessoas desaparecidas.

Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), os bombardeios atingem a área do Nilo Superior no estado de Maban County, fazendo com que as pessoas fujam em direção ao Nilo Azul. Cerca de 28 mil refugiados chegaram a cidade de Doro, 20 mil em Elfoj e outros 5,5 mil nos campos de Dajo e Jamam.

“Os campos de refugiados surgem espontaneamente o tempo todo conforme a população se move. Até que a ONU criou um campo oficial em Jamam”, conta a enfermeira.O fluxo de migrantes na região após os bombardeios é tamanho, que a paisagem muda constantemente. “As poucas árvores e os recursos hídricos secavam de uma semana para outra. Sabíamos que a situação era critica quando as pessoas começaram a cortar o topo das árvores espinhosas para alimentar o gado, no desespero de que aquelas folhas no chão fossem suficientes para os animais.”

Em Elfoj, a equipe do MSF atendia a quatro quilômetros da fronteira com o Sudão, o mais próximo possível para ajudar a população e perto o bastante para escutar os bombardeios. “Não posso enumerar os conflitos internos do Sudão do Sul, mas pelos depoimentos essas ações estavam ocorrendo para obrigar a população a descer ao Sudão do Sul por questões étnicas.”Os bombardeios ocorreram na época da colheita de sorgos, grão também conhecido como milho-zaburro, uma das principais fontes de alimentação da regiçao, o que deixou os nativos em desespero. “Eles sabiam que se não colhessem a plantação naquela época, não teriam o que comer durante o ano”, diz.

“Alguns homens se arriscavam durante a noite para ir aos campos tentar fazer a colheita na escuridão. É a luta pela sobrevivência.”Não havia hospital, apenas três carros, uma caixa com remédios e o conhecimento médico, afirma a brasileira. A clínica móvel com frequência era montada à sombra de árvores, onde também aconteciam atendimentos críticos e cirurgias.

Quando necessário, uma “UTI” levava o paciente para onde a equipe fosse.Segundo Ana Lúcia, os refugiados chegavam a Elfoj após semanas sem acesso a cuidados médicos em uma área endêmica de malária, doença fatal se não tratada. Dados da OMS da última semana de janeiro indicam o registro de 8.975 casos da doença no país.Em Elfoj, a população aumentou de cerca de mil para 25 mil pessoas e, com isso, o desafio da comunicação com os pacientes também se alterou.

“Tínhamos um tradutor árabe e mais de 100 dialetos. Precisamos arrumar uma pessoa de uma tribo que traduzisse a língua para o tradutor árabe. E ele, então, explicaria em inglês.”A explosão de habitantes na área sem infraestrutura e condições ambientais provocou escasses de água e alimentos, mas não havia confrontos entre os refugiados devido ao problema, lembra a enfermeira. “Eles estavam em uma situação para se revoltar, mas havia uma solidariedade motivante. Dividiam o que tinham, e não havia muito. Não tínhamos sequer palha para fazer cabanas.

”Sem condições de atender a todos que passavam pela região, Ana Lúcia se recorda de uma paciente gravemente ferida. Uma senhora, de 70 anos, que chegou à clínica com diversos ferimentos à bala. Ela havia se negado a deixar a casa onde passou toda a vida e, por isso, foi alvejada por soldados. Os familiares a encontraram e a trouxeram em um carro de boi, em uma caminhada de cinco dias.“Quando desenrolei suas bandagens, pensei na dor que sofria”, conta. A senhora tinha um buraco no fêmur com tecido necrosado coberto por insetos, além de uma mão decepada pelos tiros. “Colocamos ela em baixo de uma árvore para limpar os ferimentos, aplicar antibióticos e remédios para a dor. Era tudo que podíamos fazer.”

“Durante o procedimento, pedimos que as irmãs da paciente abanassem as moscas com folhas, o nosso único controle contra infecções”, relata. A idosa foi levada de carro para ser transferida de avião a um hospital onde realizaria uma cirurgia de reconstrução. “Recebi notícias de que ela se recuperou bem.”O comportamento dos pais de um menino de cinco anos também despertou a atenção de Ana Lúcia. A criança, relata, chegou às 2h da madrugada com convulsões, foi ressuscitada pelos médicos e entrou em coma devido a uma provável malária cerebral.

“O levamos para todos os lugares por dias na UTI móvel. Os pais não deixaram o menino sozinho por um minuto, mesmo com cinco filhos”. Na terceira noite, ele faleceu.“Não tínhamos mais recursos e a pedi a mãe que segurasse a mão dele, porque não havia mais volta”, conta emocionada.

“Às vezes, na África as crianças desta idade não são prioridade, mas é incrível como esses pais se preocuparam.”Elfoj é uma passagem para aqueles que seguem em direção ao campo de refugiados da ONU em Jamam, a três dias de distância de caminhada. “Esse movimento de pessoas caminhado era algo visualmente impressionante: pais com três crianças na garupa, mulheres carregando o pouco que conseguiram salvar.

”Mas, segundo Ana Lúcia, a solidariedade dos sudaneses do sul também era evidente neste trajeto. “Distribuímos barras energéticas e os que ficavam mais tempo em Elfoj as davam para as famílias em viagem. Sabiam que o caminho era longo e doavam sua comida para ajudar os outros a chegarem ao destino final.”

“Isso é marcante e você acaba torcendo para que aquela população consiga melhorar as suas condições de vida”, afirma, antes de protestar contra a ausência de notícias na mídia sobre a situação no Sudão do Sul e da passividade da comunidade internacional em ajudar o país a se estabelecer.

“Não é um lugar sexy para a comunidade internacional. O Camboja não passa por uma guerra há 30 anos e recebe ajuda como se isso ainda ocorresse. Além disso, é um lugar cheio de belezas naturais e turismo. O Sudão do Sul não tem esse atrativo.”

( Colaboração do Diário da Liberdade )

Comentário:
O Brasil atual está discutindo código de defesa do consumidor, estatuto da criança, defesa dos velhos e anciões... elabora programa de auxilio educação e se preocupa em ter um lugar cativo no Conselho de Segurança da ONU. Enquanto isso, na África negra, a verdadeira miséria humana revela que lá, os habitantes ainda lutam apenas para sobreviver.

Roberto J. Pugliese
www.pugliesegomes.com.br

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