17 fevereiro 2012

Clima de Miséria - O Contestado, no oeste catarinense

Região do Contestado em Santa Catarina é pobre. Bem pobre.

É um jogo de paciência chegar aos locais onde ocorreram as batalhas decisivas da
campanha comandada pelo general Setembrino de Carvalho. Os plantios de pinus,
principal fonte de renda da atualidade no Contestado, ocuparam o espaço das
matas dos pinhais, das centenárias araucárias usadas como pontos de referência
dos rebeldes e seus descendentes.

As estradas do Contestado continuam de terra e
cascalho, inclusive as de acesso a cidades, como Frei Rogério. Às margens delas,
as plantações de pinus são homogêneas, com árvores plantadas em áreas divididas
em blocos, crescendo na mesma altura nos terrenos baixos, nos morros e nos pés
de serras elevadas.

O Contestado virou um labirinto verde, desafiando os caboclos e suas tentativas de
guardar as memórias de família e de comunidade. As porteiras de aço das
companhias produtoras de pinus predominam, bloqueando caminhos seculares ainda
do tempo dos viajantes e tropeiros, que percorriam trilhas do Planalto
Catarinense, com seus muares, fazendo o percurso das estâncias do Rio Grande do
Sul à tradicional feira de bois de Sorocaba, vila da então capitania e depois
província de São Paulo.

Três homens trabalham numa plantação de pinus à beira da rodovia SC-302, que liga as
cidades catarinenses de Caçador e Lebon Régis. O mais novo, Marcelo Vieira, de
18 anos, usa piercing e brincos nas orelhas. A camisa colorida e a calça jeans
justa estão desgastadas. Marcelo é engatador de cabo, amarra as toras de madeira
de cerca de 25 metros de altura em cabos de aço que vão ser puxados por um
trator.

"Trabalho de 8 às 6", conta, numa pausa no serviço. "Se o caboclo pegar
bem, consegue tirar R$ 800 por mês."

Marcelo trabalhava na colheita de maçã e tomate em Fraiburgo, uma próspera cidade da
região, juntamente com os pais Ana Clair e Ladir Vieira, netos de revoltosos do
Contestado. Foi no antigo trabalho que Marcelo conheceu Rosélia, 18 anos, com
quem vive numa pequena casa em Lebon Régis. "Só Deus proverá. Procuramos sempre
uma vida melhor. Enquanto não achamos, nós continuamos aqui."

Ele estudou até a oitava série, foi quando resolveu colocar piercing, para revolta
do pai. "O velho teve de aceitar. Quando a gente quer uma coisa, não adianta os
outros reclamarem", diz. Avalia que, agora, não dá mais para "virar", voltar à
escola. Marcelo diz que, na região, o futebol e os bailes sertanejos são opções
de diversão nos finais de semana. "Gosto de um sertanejo velho. Gosto de tudo um
pouco do sertanejo. O importante é variar, dá mais gosto."

Em qualquer frente de trabalho nas plantações de pinus pode haver congestionamento
de memórias de guerra. Quem dirige o caminhão no serviço de Marcelo é Claudinei
Cardoso dos Santos, 30 anos, neto de Vergilino, um rebelde exilado da Revolução
Gaúcha de 1923, uma continuidade tardia da Revolução Federalista, que pôs em
combate opositores políticos do Rio Grande do Sul. "Meu avô veio com tropa para
cá", conta Claudinei. "Na viagem, se alimentava de pinhão e de farinha dada
pelos colonos que encontrava", completa. "Dizia sempre que era homem da força,
não falava se da paz ou da guerra."

Esse ano, Santa Catarina deve comemorar 100 anos da Guerra de Contestado e a pobreza absoluta da região, destoa completamente da visão que se tem e o que se pensa do Estado.

Roberto J. Pugliese
www´.pugliesegomes.com.br
( colhido do Jornal O Estado de São Paulo )

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