In Memoriam
PAULO MEKSENAS*
As palavras professor e profissão são próximas em seus significados. A primeira
designa o sujeito que professa,
isto é, aquele que diz a verdade publicamente.
E averdade é qualquer fato; fenômeno ou interação
em conformidade com o real; significa expor corretamente; representar fielmente
por princípios lógicos. Assim, o professor é aquele que torna público –
socializa – algum conhecimento. A segunda palavra designa uma ocupação ou atividade
especializada e voltada ao ato de professar.
Toda profissão afirma uma identidade e esta, por sua vez, “não
é um dado adquirido, não é uma propriedade, não é um produto. A identidade é um
lugar de lutas e de conflitos, é um espaço em construção de maneiras de ser e
de estar na profissão. Por isso, é mais adequado falar em processo identitário,
realçando a mesma dinâmica que caracteriza a maneira como cada um se sente e se
diz professor” (Nóvoa, 1996).
Crise de identidade do professor significa, portanto, uma crise da maneira de ser na
profissão, isto é,
uma crise no ato de professar e que implica em dificuldades na
interação social; descontentamento na realização das suas atividades; descrença
no seu papel social; etc. As causas da crise de identidade são diversas:
conflitos na instituição de trabalho; baixos salários; pouco reconhecimento
social; sentimentos de incerteza ou insegurança. Por outro lado, deve-se
considerar que tal crise não é alheia à distinção entre o eu pessoal e o eu profissional. Em outros termos, é
difícil desmembrar um modo de ser pessoal – crenças, valores morais, posturas ou
aspectos do caráter – de tudo aquilo que compõem o modo de ser
professor – crenças a
respeito da educação, valores pedagógicos e posturas didáticas. Por maior que
seja a semelhança das trajetórias profissionais de professores e as suas
origens de classe, cada um desenvolve uma forma própria (pessoal) de organizar
as aulas, de movimentar-se em sala, de dirigir-se aos alunos, de abordar
didaticamente um certo tema ou conteúdo e de reagir diante de conflitos.
Ao tentar identificar o processo que origina a identidade do
professor deve-se perceber, portanto, a indissolúvel união existente entre o
professor como pessoa e o professorcomo profissional.
As implicações dessa identificação são óbvias: não se pode exigir que um
professor ofereça além das possibilidades e limites pelos quais foi educado.
Não é possível que “jogue fora as suas crenças” e que “liberte-se
da especificidade do seu caráter” quando realiza as suas atividades
docentes. Trata-se de pensar sobre como determinados modos de ser pessoa
relacionam-se ao exercício da profissão.
A partir de pesquisa a respeito de como os professores pensam a
sua profissão, Fullan e Hargreaves (2000) identificaram algumas questões que
acentuam a crise de suas identidades. Dentre as questões mais comuns os autores
destacam: 1) a sobrecarga; 2)o isolamento; 3) o pensamento de
grupo.
1) A sobrecarga.
Professores estão conscientes que a profissão mudou nas últimas décadas.
Ensinar não é mais visto como em ‘tempos atrás’, pois as obrigações ficaram
diversificadas. Esses profissionais atuam em contextos com expectativas
crescentes acerca do seu trabalho e a respeito da educação escolar. Assim,
ficam mais inseguros.
A sobrecarga de atividades,
em muitos casos, decorre da falta de diálogo dos professores com a população
por eles atendida, ou com a equipe administrativa da escola em que lecionam.
Quando não fica muito claro o que o professor pretende fazer junto com os seus
alunos e os modos com que exerce a docência, pode ocorrer “cobranças”. Em vez
de “quebrar” o excesso de expectativas sobre o seu modo de trabalhar e fazê-lo
por meio do diálogo, o professor reage elaborando novos projetos; assumindo
atividades extracurriculares (passeios com seus alunos, gincanas, competições,
etc.). Organiza uma série de atividades que o leva para fora da sala de aula,
com a intenção de chamar atenção à qualidade do seu trabalho: a sobrecarga,
então, afirma-se.
2) O isolamento. Ensinar,
há muito tempo, é conhecido como “uma profissão solitária”. Considere-se que o
individualismo é mais uma questão cultural e menos uma peculiaridade da
profissão. Entretanto, parece mais fácil e rápido preparar aulas sozinho. Nesse
aspecto, muitos dos professores nem sequer imaginam a organização do seu
trabalho com a participação de outras pessoas.
O problema do isolamento tem suas raízes: a) Uma arquitetura escolar que isola espaços,
segrega pessoas. b) Horários rígidos e
uma organização inflexível da rotina escolar impede interações sociais. c) Além
disso, a sobrecarga de trabalho dá sustentação ao individualismo. Combater os
contextos que levam o professor a isolar-se dos seus pares constitui umas das
questões fundamentais, pela qual vale a pena lutar.
3) O pensamento de
grupo. Quando
destaca-se que o trabalho cooperativo pode ser um fator importante contra o
isolamento a que os professores estão submetidos, é comum ouvir as expressões: “Mas
os professores desta escola sempre formaram pequenos grupos de colaboração!” ou, “estamos
sempre conversando, quando podemos”, ainda, “há
tanta colaboração que formam-se ‘panelinhas’ de professores para disputar o
poder de comando na escola”. Tais
expressões são o retrato de que as propostas de trabalho coletivo possuem os
seus problemas, muitos dos quais não podem ser ignorados. A princípio não
existe nada instantaneamente bom no
trabalho de parceria. As pessoas podem cooperar para realizarem coisas boas ou
coisas más, ou,até para não fazerem nada. Um coletivo pode afastar os
professores de atividades valiosas com os estudantes.
Para Fullan e Hargreaves (2000) o trabalho na escola apresenta um
conjunto de idéias cristalizadas no tempo que, por responder à questões do
passado são inadequadas e originam o chamado pensamento de grupo. Tal
conjunto de idéias costuma limitar as ações daqueles que buscam inovar na
instituição escolar. Seriam idéias como: “não
faça isso que não vai dar certo!”; “já tentamos uma vez e não funcionou”; “essa
pretensão é passageira, logo ver-se-á que o melhor é como sempre foi”.
Outras idéias vêm reforçar a perpetuação de práticas e poderiam ser
questionadas: “faça isso e você se dará bem
nessa escola”; “aqui a melhor atitude é dizer sim e depois fazer como quiser”. Isto é,
o pensamento de grupo – com origem no trabalho realizado em comum e na partilha
das concepções daqueles que integram um determinado coletivo – torna-se em consensos
da instituição e
molda a ação de todos.
Os consensos são formados pelo justificar as práticas de um grupo.
Independente do caráter desses consensos serem
ou não oportunos; favorecerem ou não as práticas ditas progressistas ou,
possuírem uma dimensão denominada competente, o significativo é notar que os consensos buscam uma uniformidade
nas práticas docentes e na organização escolar. Tal uniformização costuma ignorar as
propostas que não coadunam com as opiniões instituídas. O resultado é que muitos professores
não se sentem representados em seus anseios, opiniões e projetos junto ao
coletivo de professores, pois emitir uma proposição contrária ao pensamento
de grupo traz sanções
àquele que a profere.
Em síntese, a sobrecarga; o isolamento e o pensamento de grupo são
questões capazes de ampliar a crise de identidade do professor. Mesmo admitindo
que tal crise tem a sua origem em diversos fatores políticos, culturais e
econômicos (locais e nacionais) vale observar, que as vivências cotidianas
podem organizar-se de modo a intensificar ou minimizar o problema. A
compreensão que percebe a pessoa e oprofissional como faces indissociáveis da
identidade do professor produz novas práticas, capazes de introduzir o respeito
às diferenças de cada um. Escolas em que os profissionais não toleram ações e
modos de pensar que não sejam idênticos aos do grupo, tornam-se instituições
com probabilidade de gerar a sobrecarga, o isolamento e o pensamento de grupo.
* PAULO MEKSENAS foi
professor adjunto do Centro de Educação da Universidade Federal de Santa
Catarina, lecionando na Graduação em Pedagogia e no Programa de Pós-Graduação
em Educação – Mestrado e Doutorado; Sociólogo e Doutor em Educação (USP),
pesquisou as temáticas que envolvem a Cidadania de Classe; a Relação Estado e
Sociedade Civil e temas correlatos à Sociologia da Educação.
( Publicado na REA,nº 31, - Espaçõ Academico )
Conselho Editorial (inspirado) Carlos H. Conny, presidente; M. Covas, Miguel S. Dias, W. Furlan, Edegar Tavares, Carlos Lira, Plínio Marcos, Lamarca, Pe. João XXX, Sérgio Sérvulo da Cunha, H. Libereck, Carlos Barbosa, W. Zaclis, Plínio de A. Sampaio, Mário de Andrade, H. Vailat, G. Russomanno, Tabelião Gorgone, Pedro de Toledo, Pe. Paulo Rezende, Tabelião Molina, Rita Lee, Izaurinha Garcia, Elza Soares, Beth Carvalho, Tarcila do Amaral, Magali Guariba, Maria do Fetal,
17 abril 2012
Crise na educação x crise dos professores !
Advogado, paulistano, professor de direito, defensor de direitos humanos. Bacharel pela PUC -SP em 1974, pós graduado em Direito Notarial, Registros Públicos e Educação Ambiental. Defensor de quilombolas, caiçaras, indígenas, pescadores artesanais... Edita o Expresso Vida.
Autor de diversos livros jurídicos.São incontáveis os artigos jurídicos publicados em revistas especializadas, jornais etc. Integra a Academia Eldoradense de Letras,Academia Itanhaense de Letras. Titular da cadeira nº 35 da Academia São José de Letras. Integra o Instituto dos Advogados de Santa Catarina. É presidente da Comissão de Direito Notarial e Registros Públicos da OAB-Sc. Consultor nacional da Comissão de Direito Notarial e Registraria do Conselho Federal da OAB.Foi presidente por dois mandatos da OAB-TO - Gurupi. Sócio desde 1983 do Lions Clube Internacional. Diretor de Opinião da Associação Comercial de Florianópolis. Sócio de Pugliese e Gomes Advocacia. CIDADÃO HONORÁRIO DA ESTANCIA DE CANANÉIA, SP.
www.pugliesegomes.com.br
Residente em Florianópolis.
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