Juizite - um desserviço à magistratura
:
"Irritação,
nervosismo, rispidez, insegurança, arrogância, autoritarismo e prepotência são
sintomas patológicos identificados em parte dos magistrados brasileiros. As
consequências daquele estado irritadiço, arrogante e prepotente, que no "mundo
jurídico" passou a ser chamado de "juizite", tem-se revelado através do
desrespeito às partes, pressão psicológica sobre as testemunhas, perseguição a
servidores, maus tratos a advogados e inobservância às suas prerrogativas, muito
deles recusando-se o simples registro, em ata de audiência, de um protesto por
cerceamento de defesa.
Da
maneira como conduz o processo, ninguém pode "ousar" discordar, "esquecendo-se"
do que aprendeu na academia, que a "liberdade de julgar não está acima da lei,
nem da segurança do direito".
Como
seria bom se todos compreendessem e reconhecessem, como reconheceu o Juiz Rafael
Magalhães, mineiro, um dos mais eminentes do Brasil, quando, há mais de quarenta
anos, proclamou que "o advogado precisa da mais ampla liberdade de expressão
para bem desempenhar o seu mandato" e que "o Juiz deve ter a humildade
necessária para ouvir com paciência as queixas, reclamações e réplicas que a
parte oponha a seus despachos e sentenças", arrematando que "seria uma
tirania exigir que o vencido se referisse com meiguice e doçura ao ato
judiciário e à pessoa do julgador que lhe desconheceu o direito".
Lamentavelmente
nem mesmo o tempo tem-se encarregado do amadurecimento do portador da "juizite"
para inspirar-lhe confiança, sensatez, paciência e a cordial convivência com os
advogados e as partes, dando-lhe a certeza de que é ele mesmo, nos limites
fixados pela lei, quem, ao conduzir o processo, substitui a vontade das partes e
decide, como se fosse o próprio Estado.
O
Poder Judiciário, diferentemente dos dois outros poderes do Estado, na prestação
de seus serviços, "é aquele que assegura direitos, aplaca dissídios, compõe
interesses na diuturna aplicação da lei e de sua adaptação às mutáveis condições
sociais, econômicas e políticas". Exatamente por isso, é o poder que reclama de
seus membros "serenidade e bravura, paciência e desassombro, humildade e
altivez, independência e compreensão".
De
igual modo o advogado, na luta pelos interesses do seu cliente, deve se portar
"como um guerreiro sem bravata" e não é por isso, senão, que também deve manter
a sua independência em qualquer circunstância, não devendo ter receio de
desagradar a qualquer autoridade, nem de incorrer em impopularidade, no
exercício da profissão.
A
"juizite" tem-se revelado num desserviço à magistratura.
O
juiz vocacionado esquece o relógio e o afã em terminar rapidamente as
audiências. Ouve as partes e as testemunhas com paciência. Faz prova bem feita,
dispondo de elementos para uma decisão segura, com menos riscos de injustiças,
além de não cercear os sagrados direitos das partes e dos seus procuradores,
ainda que a sua carga seja pesada e tenha centenas de processos a
despachar.
Na
convivência diária com o juiz, o advogado deve conduzir-se profissionalmente nos
limites da elegância, da cordialidade e da ética, mas não pode esperar tão
somente pelo tempo, pela cura da "juizite.
É
preciso que o advogado combata tal "enfermidade", sem receio de melindrar ou
desagradar ao magistrado, desde que sua ação se enquadre nos limites
estabelecidos pela lei estatutária, com altivez e serenidade, de modo firme e
respeitoso.
A
vocação do advogado é combater, é lutar, é opor-se, é apaixonar-se pela paixão
alheia, é ter alma de guerreiro, ainda que às vezes não seja nem mesmo
compreendido por aqueles que fazem justiça!
Nossa
ação deve se desenvolver no campo da utilização dos "remédios jurídicos" postos
à nossa disposição: a representação correicional, a denúncia pública do seu
comportamento atentatório à própria magistratura, o protesto por cerceamento de
defesa, a interposição de recursos, o requerimento de mandados de
segurança.
Nossa
omissão seria estímulo a um "processo epidêmico" que poderia atingir toda a
magistratura brasileira, em razão da "contaminação pelo exemplo".
Dr. Saul Quadros - presidente da OAB.BA.
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