Por que as oligarquias da
América Latina, neste caso a argentina e a brasileira, são tão apátridas, tão
miseráveis? Por que têm tanto ódio pelos seus respectivos países que durante
séculos exploraram e ainda exploram brutalmente, em benefício próprio e em
benefício de países centrais que luzem “poderosos”? Europa ocidental passou-se
séculos invadindo, roubando, guerreando, matando de miséria e exílio milhões de
filhos desta Nossa América, e construiu com nossa riqueza a opulência que
dilapida hoje. Se alguém quisesse esquecer que ainda existe essa oligarquia
historicamente atrasada, lá estão seus veículos de promoção de ideias e
negócios, fantasiados de jornalismo: meros tratantes a serviço de patrões
estrangeiros.
Haveria algo mais legítimo que
um país independente, soberano, administre seus bens estratégicos? Não é
legítimo que um país cesse a vigência de acordos nefastos que infelicitam sua
gente, especialmente e sempre os trabalhadores, os desempregados, os
pauperizados, aqueles todos que a oligarquia usa para depois tratá-los como
deficientes sociais? Ou seja, todos nós. Claro que é legítimo recuperar o que é,
ou deveria ser, de todos. Os que acusam como “ilegítima” essa atitude (que
permeia o debate sobre a decisão de 10 dias atrás do Executivo argentino, que
recuperou o controle de 51% da YPF): Espanha, a União Europeia e os Estados
Unidos, são a cara do neoliberalismo mais podre e fracassado, e revelam que,
essa medida, mesmo que pequena ainda, se vê como uma afronta à lógica do
imperialismo.
É preciso entender que segundo a
psique da União Europeia, culturalmente estagnada em corredores de monarcas
delirantes e caça fortunas, igrejas medievais, generais conquistadores e bancos
corruptos, não deveríamos deixar de agir como escravos, e nossas pátrias não
deveriam ser outra coisa que um prêmio de guerra. O capitalismo e o
imperialismo conservam, século trás século, seu combo de dirigentes, que
desempenham múltiplas funções teatrais como “monarquistas, democratas,
republicanos, ocidentais e cristãos”, brincando de filhos elegidos,
matadores de ursos, elefantes e seres humanos, por permissão divina. A corte
capitalista da Casa de Índias não evoluiu um milímetro, e pretende passar
indemne através das centúrias, como se o mundo não se mexesse, o povo não
despertasse. As ideias que retorcem O Estadão e La Nación, Globo e Canal 13,
alcançam a compreensão dos trabalhadores, e estes as apoiam majoritariamente.
Essa lógica europeia de hospício não suporta qualquer insurgência, mesmo que
ainda seja dentro dos marcos burgueses e capitalistas, como no caso pontual da
medida argentina. Qualquer moderação do neoliberalismo ativa as alarmes deste
capitalismo especulador, aventureiro, saqueador. No entanto e na prática, essa
lógica dos impérios não pode ser nunca compreendida, aceita, assimilada pelo
produtor das riquezas, o trabalhador.
Há setores da esquerda que
avaliam como “populista” a medida da presidenta Kirchner. Pode ser, porém, até
mesmo a compreensão do termo populista está entrando na mesa de discussão.
Populismo, progressismo, são motivos de uma discussão teórica necessária. Também
há que aceitar como válidas as críticas a estes governos, que, é bom recordar,
majoritários já na América do Sul, goste ou não, contam com aceitação
histórica dos eleitores, mesmo que a máquina publicitária siga, em geral, nas
mãos daquela oligarquia gerenciada pela Sociedade Interamericana de Imprensa
–SIP. Essas críticas legítimas e necessárias de alguns setores da esquerda não
podem chegar a contradizer objetivos e princípios históricos da classe, e adubar
o terreno envenenado dos interesses imperiais. Há que criticar sem concessões,
mas, não é possível continuar virando as costas aos dados da realidade: a
maioria dos trabalhadores da Argentina e do Brasil apoiam seus governos,
imperfeitos sim, frágeis, burgueses, isso tudo, mas, certamente capazes de
catalisar os anseios prmários da massa trabalhadora, desempregada, excluída. Não
podemos aprofundar o risco de tornarmos cada reflexão num jogo intelectual entre
os perímetros das universidades e dos botecos de classe média. Se o
aparelhamento dos governos tem imobilizado, sobretudo no Brasil, à classe
trabalhadora, transformando inclusive o 1º de Maio numa gincana de sorteios,
festa e prêmios, também o discurso pretensamente intelectual e de linguagem
improdutiva das esquerdas mais críticas é responsável dessa quietude, dessa
inviabilidade dialética. Reconhecer que há que superar os desvios ideológicos
destes governos, assumindo conjuntamente a deficiência da relação das esquerdas
com o trabalhador, a democracia de classe e a mobilização popular mais radical e
independente, é decisivo. O cenário de perdas constantes de conquistas
históricas dos movimentos sociais em geral e dos sindicatos em particular,
obriga a repensar o discurso, as posições, as práticas e a tarefa em discussões
como a nacionalização, antes de pegar gritos em contrário, entanto a massa
trabalhadora aplaude majoritariamente. Ser vítima excludente nunca é bom, é só
dramático. Abordar eticamente as contradições que os trabalhadores entre nós, de
forma fluida e democrático é determinante para a transformação da
sociedade.
Esse Outro Mundo Possível que
buscamos com enormes dores está se parindo. Não há a menor possibilidade de
comparar estes governos da Argentina, Brasil, Equador, Bolívia e Venezuela com
todo o anterior à eleição primeira do Presidente Hugo Chávez e o levantamento
popular que tirou do poder ao presidente De la Rua na Argentina. Vivemos outra
época, outra realidade, há novos paradigmas que precisam ser aprofundados com a
recuperação das empresas estratégicas para administração soberana, que reclamam
uma relação cada vez mais fraterna e alerta dos povos e dos governos da Nossa
América, e que demandam outra vez uma classe trabalhadora ativa, protagonista,
nas ruas, reivindicando que não se privatize nada nunca mais, e que se
desprivatizem os espaços (muitos) dos governos que ainda servem às oligarquias e
à especulação nacional e internacional. Para isso o Papel Internacional da Luta
da classe Trabalhadora, dos estudantes, dos excluídos deve recuperar o
protagonismo, na região e no mundo. A recuperação parcial de YPF, o protagonismo
dos governos da área, o controle e fiscalização democrática dos mesmos (ainda
débil), a confiança aos poucos recuperada e a dor das oligarquias e seus
publicitários, indicam que mesmo aos trancos vamos por um caminho instigante,
atraente e, quem dera, libertador. Usemos convenientemente este 1º de Maio de
todos nós para, entre broncas e alegrias, exercitar a reflexão e preparar a
mobilização transformadora.
( Por Raul Fitipaldi. )
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